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FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.1, nº2, p. 161-185, jul.-dez., 2014.
Leandro Candido de Souza
documento, é aplicável a Koellreutter e apenas essa atribuição do “Manifesto
45” ao alemão justica a armação de Kater a respeito da existência de uma
“anidade latente” entre marxismo e atonalismo no maestro. Outro aspecto
importante é a ortodoxia e o sectarismo presentes no texto e que Koellreutter
sempre abominou (“combateremos”, “exigimos”, “lutaremos pela destruição”).
Mais do que indicativo da nova posição assumida pelo grupo, esse documento
atesta o fortalecimento de opiniões divergentes das pregadas por Koellreutter
e que, posteriormente, levarão à dissolução do Música Viva. E a interdição do
documento é a prova cabal destas discordâncias de pontos de vista.
Posto isso, podemos aferir uma provocação: Kater vê no “Manifesto
45” a preparação do “Manifesto 46”, obscurecendo, assim, o que esse
documento tem de mais revelador, o fato de ele não ser o marco de uma
nova posição do grupo, mas a cunha desagregadora desse. Pode-se, ainda,
observar uma identicação muito maior entre o “Manifesto 45” e o texto de
Juan Carlos Paz (1945, p.16-17), bem como com as ideias, principalmente
de Cláudio Santoro e César Guerra-Peixe no período. Se há um sectarismo
exagerado no texto preterido, podemos dizer que sua consequência é a
elaboração do “Manifesto46”, onde, explicitando o espírito conciliador de
Koellreutter, emerge uma de suas mais curiosas invenções: o “cromatismo
diatônico”. Esse manifesto também foi publicado no boletim Música Vivanº 12,
no qual nos deteremos mais adiante
7
.
Pouco tempo depois, em 27 de janeiro de 1946, a Tribuna Popular
publicou “A Geração dos Mestres”, no qual Koellreutterestabeleceu, de saída,
uma antítese radical às ideias contidas no “Manifesto 1945”: “A música nasce da
alma popular. Canção e dança são os seus pilares. São o germe das grandes
formas musicais, e delas surge a arte sonora, sublimação dos sentimentos
de uma coletividade social radicada no íntimo do povo” (KOELLREUTTER,
1946). Como provam muitos documentos do período, o próprio Koellreutter
tentou desvencilhar-se da pecha de “dodecafonista”, especialmente a partir
de 1946, algo que vale um derradeiro lance de olhos
8
. Em outro documento,
7 É Guerra-Peixe quem esclarece: “Quando o esquisito grupo Música Viva, do Rio de Janei-
ro, voltou a publicar sua revista – em 1946, então sob orientação (?) da tendência dode-
cafônica – o seu exemplar de reaparecimento divulgou o “Manifesto 1946” (Declaração de
Princípios) e o artigo “Música Brasileira”, ambos de autoria de Hans-Joachim Koellreutter,
embora fosse o primeiro incondicionalmente assinado por todos os participantes daque-
la entidade musical, após algumas reuniões mais ou menos formais”. (GUERRA-PEIXE,
1953, p. 33).
8 A leitura que z deste artigo gerou uma polêmica recente entre o musicólogo Carlos Palom-
bini e o ex-aluno de Koellreutter, Manuel Veiga em um grupo de debate sobre etnomusico-
logia, especialmente no que se refere aos trechos que Koellreutter plagia do livro Música
e Músicos Modernos: aspectos, obras, personalidade (tópico “Música Espanhola”, p.130
da segunda edição), do português Fernando Lopes-Graça, publicado pela primeira vez em
1943. Esta não foi a única vez em que Koellreutter utilizou o plágio como gura retórica, e
quem leu os boletins Música Viva, sabe que ele não se acanhava em citar sem aspas tre-
chos inteiros de autores publicados naquela mesma revista. César Guerra-Peixe também