FACES DA HISTÓRIA
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Recebido em: 08 de abril de 2014
Aprovado em: 05 de agosto de 2014.
As cartas de Londres: a participação de George Orwell nas páginas
da revista nova-iorquina Partisan Review durante a Segunda Guerra
Mundial (1941-1946)
1
The London Letters: the participation of George Orwell in the pages
of New York magazine Partisan Review during the Second World War
(1941-1946)
Matheus Cardoso da Silva²*2
A história do espírito humano
expressa as consecutivas tensões
e reconciliações dos grupos.
MANNHEIM, Karl. “O problema
da “intelligentsia”. Sociologia da
cultura (2001).
Resumo: O objetivo deste artigo é avaliar a participação do escritor anglo-
indiano George Orwell, famoso por duas das maiores distopias do século
XX, o Animal Farm e o 1984, na renomada revista estadunidense Partisan
Review. Na revista, Orwell foi responsável pela seção intitulada, London
Letters to Partisan Review, a qual tinha por objetivo retratar ao público
estadunidense a situação política e social da Grã-Bretanha durante os
anos da Segunda Guerra Mundial. Contudo, a seção abriu espaço também
para um frutífero processo de circulação de ideias e a formação de uma
intrincada rede de intelectuais em torno dos temas debatidos pela revista – e,
por consequência, incorporados aos textos de Orwell – entre os grupos de
intelectuais da esquerda anti-stalinista de Nova York e Londres.
Palavras-chave: George Orwell; Partisan Review, Segunda Guerra Mundial.
Abstract: The purpose of this article is to evaluate the participation of the
Anglo-Indian writer George Orwell, famous for two of the largest dystopias of
the twentieth century, Animal Farm and 1984 at the renowned U.S. magazine
Partisan Review. In the magazine, Orwell was responsible for the session
entitled, London Letters to Partisan Review, which was intended to portray to
the American public the political and social situation in Britain during the years
of World War II. However, the newspaper section also has openned the way
to a fruitful process of circulation of ideas and the formation of an intricate
network of intellectuals around the themes discussed by the magazine and
consequently incorporated on Orwell’s texts, among groups of intellectuals
from the anti-Stalinist left both in New York city and London.
Keywords: George Orwell, Partisan Review, World War II.
1 Reexão preliminar elaborada a partir da pesquisa para a tese de doutorado intitulada, “As car-
tas de Londres: redes intelectuais e seus projetos alternativos para a modernidade em Londres
e Nova York (1941-1946)”, que está sendo desenvolvida desde 2011 no programa de Pós-Gra-
duação em História Social, do Departamento de História, Universidade de São Paulo.
2
*
Historiador. Doutorando no Departamento de História da Universidade de São Paulo. Bol-
sista da CAPES. Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosoa Letras e Ciências
Humanas, Departamento de História. Avenida Professor Lineu Prestes Butantã 05508900
- São Paulo, SP - Brasil. E-mail: stardus_mat@yahoo.com.br.
SILVA, Matheus Cardoso da²*
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Matheus Cardoso da Silva
Introdução
Entre 1941 e 1946, o escritor anglo-indiano George Orwell, renomado
por duas das maiores distopias do século XX, o Animal Farm e o 1984, publicou
nas páginas da revista nova-iorquina Partisan Review a coluna London Letters
to Partisan Review. Essa seção era uma espécie de continuação da coluna
publicada sob o mesmo nome ao longo dos anos de 1939 e 1940, pelo
também britânico Desmond Hawkins. Os artigos de Orwell para a Partisan
tinham como objeto central apresentar um panorama do ambiente britânico
durante a Segunda Guerra Mundial ao público estadunidense, discutindo uma
série de temas políticos, culturais e sociais, como o socialismo na Inglaterra,
o pacismo, o anti-semitismo, a vida em meio ao racionamento, o toque de
recolher, os bombardeios à Londres etc.
Além da coluna que Orwell assinava na revista nova-iorquina, seus
contatos pessoais com membros proeminentes da revista, favoreciam a troca
de informações sobre os dois ambientes intelectuais e a estruturação de uma
estreita relação de troca cultural e intercâmbio de ideias entre os dois universos,
representados pelas cidades de Londres e Nova York. Orwell manteve,
por exemplo, uma constante correspondência com Philip Rahv – um dos
fundadores da Partisan Review e editor sênior da revista – ao longo da década
de 1940, grande parte dela reproduzida nas coleções póstumas que reúnem
as obras completas de Orwell
3
. Da mesma forma, Orwell manteve estreito
contato com Dwight Macdonald, outro membro proeminente da Partisan, e
grande articulador intelectual da revista na primeira metade da década de
1940
4
. Para se ter ideia, David Costello (2005) estima que a correspondência
entre Macdonald e Orwell atingiu um total de 35 cartas, trocadas entre março
de 1941 e outubro de 1949.
O primeiro contato dos editores da Partisan Review com Orwell se
deu em 9 de dezembro de 1940, no entanto, com outro dos editores da revista,
quando Clement Greenberg, escreve a Orwell solicitando o seguinte:
Os editores da Partisan Review gostariam muito de tê-lo à frente
das cartas inglesas. Para eles existem coisas que as notícias não
nos dizem. Por exemplo, o que está acontecendo sob a superfície
3 Aqui faremos referência a duas destas coleções que reúnem a totalidade da produção de
Orwell, entre literatura, ensaísmo e jornalismo. A primeira delas (também a primeira reunião
póstuma das obras de Orwell) foi organizada por Ian Angus e Sonia Orwell. The Collected
Essays, Journalism and Letters of George Orwell. London: Secker and Warburg, 1968. 4
volumes. A segunda (e denitiva, pois reúne as obras completas do autor) coleção das
obras de Orwell que faremos referência aqui foi organizada por Peter Davison, The Com-
plete Works of George Orwell. London: Sacker and Warburg, vol.1-9,1986; vol.10-20, 1998.
4 Macdonald fora responsável por uma série de contatos e o estabelecimento de uma rede
importante de colaboradores para a revista, principalmente a partir de 1937, quando sua
linha editorial se denia efetivamente por uma oposição ao stalinismo e a política das Fren-
tes Populares e ao PC nos EUA.
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As cartas de Londres: a participação de George Orwell nas páginas da revista nova-
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da política? Entre os grupos de trabalhadores? Qual é o sentimento
geral, se é que existe tal coisa, entre escritores, artistas e intelectuais?
Quais alterações suas vidas e suas preocupações sofreram? Você
pode ser um fofoqueiro como quiser, e referir-se ao maior número de
personalidades que você desejar. Quanto mais, melhor. Você pode
usar seu próprio julgamento quanto ao comprimento (GREENBERG
apud DAVISON, 1998, v.12, p. 351).
O pagamento para as contribuições de Orwell à Partisan seria de
US$2 por página impressa – cerca de US$11 por cada London Letter – em
valores da época. Segundo Peter Davison, organizador das Obras Completas
de Orwell, o primeiro convite havia sido feito por Desmond Hawkins, por volta
de novembro de 1940, quando ambos participaram de um debate, mediado
por C.V. Salmon, intitulado The Writer in the witness box.
Salmon escrevera para Orwell, em 31 de outubro de 1940, para que
ele comentasse o tema Proletarian Literature” e, em seguida para Hawkins,
para que ele comentasse o mesmo tema. A “conversa” fora transmitida pelo
Home Service da BBC, em 6 de dezembro de 1940, e posteriormente publicado
no The Listener (uma série de coleções que reuniam em texto as transmissões
radiofônicas da BBC), em 19 de dezembro do mesmo ano. Pelo debate, Orwell
recebeu, segundo acordado em contrato, o valor de £10,50 (DAVISON, 1998,
v. 12, p.82-84).
De volta à história da London Letter, Hawkins havia se encarregado
da seção até que a guerra diminuíra seus contatos (como armara auto-
biogracamente em When I Was, de 1989). Ele sugeriu, portanto, que Orwell
poderia substituí-lo na empreitada. Orwell se encarregou das London Letters,
publicando-as entre 03 de janeiro de 1941 (quando envia a primeira carta à
NY) até o verão de 1946, somando um total de 15 cartas. Além das cartas,
Orwell continuou escrevendo esporadicamente para a Partisan Review até
poucos meses antes de sua morte, em janeiro de 1950. Seu ensaio Such,
Such Where the Joys, por exemplo, também publicado postumamente, em
1951, seria publicado na Partisan, com uma revisão, no volume de setembro-
outubro de 1952 da revista (DAVISON, 1998, v.12, p. 351).
Com a adesão dos EUA à guerra em 1941, mesmo ano em que
Orwell inicia o envio de suas “cartas”, a Partisan Review se viu frente a um
conjunto novo de desaos, tanto teórico-epistêmicos no campo da esquerda
intelectual, quanto estéticos
5
. As questões centrais na década de 1940 para
uma das publicações mais inuentes da esquerda intelectual dos EUA eram as
seguintes: como manter uma crítica humanista da sociedade burguesa baseada
5 Um guia fundamental para este estudo dos efeitos da Segunda Guerra Mundial para a Par-
tisan Review, e sobre o qual, em grande medida, apoio minha interpretação do problema,
será o clássico trabalho de Terry Cooney,
The Rise of the New York intellectuals. Partisan Review
and its circle, 1934-1945. Winscosin: The University of Winsconsin Press, 1986.
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Matheus Cardoso da Silva
nos ideais socialistas, contrapondo-se simultaneamente aos valores fascistas
e chauvinistas-nacionalistas que tomaram, por exemplo, conta do discurso
pró-guerra nos EUA? Ao mesmo tempo, como se dissociar daquilo que parecia
ser o grande labirinto para a esquerda depois da assinatura do Pacto Nazi-
soviético em 1939 – ou seja, o marxismo-leninismo, então reivindicado pelo
stalinismo como seu legítimo guardião? Problemas que Orwell incorporou em
muitas medidas em suas “cartas de Londres” e que teriam reexo, ao mesmo
tempo, em seu imaginário político ao longo da década de 1940, como por
exemplo em seus trabalhos mais conhecidos do grande público, ou o Animal
Farm, publicado pela primeira vez em 1946 e o 1984, publicado pela primeira
vez em 1949.
A Partisan Review e a Segunda Guerra Mundial
Nos anos de 1930 ocorreu uma espécie de “migração ideológica” dos
intelectuais de Nova York rumo à Rússia soviética – o berço do comunismo, da
libertação do proletariado do capitalismo, da esperança humanista de redenção
da sociedade do jugo inescrupuloso do capital. Ao nal da década, contudo,
esse uxo emotivo regressava a casa, “desmoralizado” com a assinatura do
Pacto de não agressão Nazi-soviético, em 1939. Sentimento que Delmore
Schwartz, outro importante contribuidor da Partisan Review na década de
1940, caracterizou em carta a Dwight Macdonald de setembro de 1940, ao
traduzi-lo para o campo literário da esquerda intelectual nova-iorquina, como
uma “sensibilidade pós-Munique” (COONEY, 1986, p.167).
O fator ideológico que havia canalizado os esforços de reconstrução
identitária da própria Partisan em meio aos círculos da esquerda nos EUA
na década de 1930 – ou os caminhos de seu anti-stalinismo, sem perder a
crença irrestrita no marxismo-leninismo (BUHLE, 1980) – já não podia se
sustentar mais com o avanço do conito europeu e o desencadear da guerra.
O fato é que a luta contra o fascismo, agora abertamente posta literalmente
no campo de batalha, mesmo tendo as feridas das rusgas fratricidas dentro da
esquerda estadunidense abertas e em carne viva, não podia mais ser ignorada.
O avanço da blitzkrieg sob a Europa, a fúria da Wehrmacht e da Luftwaffe,
transformara o fascismo, de uma ideologia perigosa, em um monstro faminto e
à solta, devorando tudo o que via a sua frente, deixando para trás um rastro de
destruição e escravos subjugados pela fúria bélica de uma máquina de guerra
inimaginável até então. Para a esquerda internacional, no entanto, mesmo
com a invasão da Polônia, da Áustria, da Tchecoslováquia – tudo isso logo
no primeiro ano de guerra – o constrangimento pela assinatura do pacto de
não agressão entre Hitler e Stálin parecia ser ainda maior para os comunistas,
inclusive nos EUA, do que a invasão e subjugação de nações inteiras pelas
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iorquina Partisan Review durante a Segunda Guerra Mundial (1941-1946)
tropas nazi. Dessa culpa, no entanto, a Partisan Review e seu círculo de
intelectuais estavam livres, podendo rapidamente assumir a guerra contra o
fascismo como seu principal alvo logo no início da década de 1940.
A Partisan Review foi fundada em 1934 como publicação ocial da
seção novaiorquina do John Reed Club, o principal organismo agitador da
cultura do Partido Comunista (PC) nos EUA entre o nal da década de 1920
e a metade da década de 1930. A revista teve uma periodicidade bi-mensal,
ao custo de US$0,50 por volume, em valores da época. A Partisan Review
foi também uma das publicações mais longas da história dos EUA, durando
até 2003, quando sua publicação foi denitivamente encerrada
(GILBERT, 1967;
BLOOM, 1986; WALD, 1987; COONEY, 1986; PONTES, 2003).
A comunhão entre a recém-fundada revista e o PC seguiria bem até
a metade da década de 1930. A revista, por sinal, adquiriu rapidamente grande
preponderância entre o movimento comunista, tornando-se um guarda-chuva
importante para os jovens e as jovens intelectuais recém cooptadas pelo PC
nos disputados círculos da vanguarda novaiorquina. Essa posição tornou a
Partisan Review uma espécie de cronista do nascimento do Popular Front nos
EUA. Essa armação é de Michael Denning, que relembra a narração de Tillie
Lerner no artigo The Strike, para a Partisan Review 1, de Setembro-Outubro
de 1934, sobre a Terça-Feira Sangrenta, na primavera de 5 de Julho de
1934, quando aconteceu um massacre de manifestantes pela polícia de São
Francisco que encerrou uma greve geral nas docas da cidade. Aquele evento é
considerado o marco inicial do Popular Front, nos EUA (DENNING, 1997, p.13).
Por muitas vezes ainda, as páginas da Partisan serviriam como plataforma
para a divulgação desses retratos intelectuais (e suas repercussões) sobre
as grandes greves e movimentações sindicais (e as reações, quase sempre
violentas da polícia, dos industriais e fazendeiros) que se espalhavam pelo
país e animavam o Popular Front num movimento nacional sem precedentes
até então nos EUA.
Passada a metade da década de 1930, contudo, os novos rumos do
movimento comunista internacional prenunciaram importantes mudanças para
o Popular Front nos EUA e todo o movimento cultural que o acompanhou. E a
história da Partisan Review é novamente emblemática em meio aos debates
da esquerda estadunidense daquele período. A partir de 1936-7 iniciou-se um
progressivo distanciamento dos editores da revista com PC nos EUA. Ambos,
Phillips e Rahv, assim como parte considerável da esquerda ao redor do mundo,
discordavam da denição das Frentes Populares como estratégia para o
combate ao fascismo deliberada no VII Congresso da Internacional Comunista,
de 1935. Internamente, havia ainda a discordância de seus editores com as
crescentes tentativas de controle da linha editorial da Partisan pelo Partido
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Comunista, que ainda representava seu principal mantenedor, aumentando o
desgaste. A explosão causada pela repercussão dos Julgamentos de Moscou
(1935) e as acusações do regime soviético contra Leon Trotsky, cindiriam
ainda mais as relações políticas de seus editores com os círculos comunistas,
levando a ruptura denitiva, em nais do ano de 1937, quando a revista foi
momentaneamente fechada
6
.
Em março de 1938, a Partisan Review foi re-fundada, como faz
questão de armar William Phillips, sob uma nova linha editorial, agora, livre
da ingerência comunista (PHILLIPS, 1983, p. 37). Fator que, por um lado, lhe
deu maior liberdade reexiva com a incorporação de novos colaboradores e
editores. Foi nesse novo momento, que a Partisan se tornou o grande centro
aglutinador da esquerda anti-stalinista nos EUA, congregando, ao longo do
nal da década de 1930 e por toda a década de 1940, nomes que ajudariam
na formatação de sua nova linha editorial: Dwight Macdonald, Mary McCarthy
– os que são imediatamente incorporados – e mais a frente, Hannah Arendt,
Irving Howe, Lionel Trilling, James Burnham, Susan Sontag etc. Por outro
lado, contudo, o afastamento dos comunistas traria para a revista enormes
diculdades nanceiras e grandes conitos com os agora “opositores”.
Passados os problemas identitários da revista, após sua separação
do núcleo comunista da esquerda novaiorquina, voltamos a conjuntura do nal
da década de 1930. A guerra mundial como problema central foi assumida
abertamente pelos editores da revista na Partisan Review 6, Primavera de 1939,
em seu editorial intitulado: War Is the issue!. O objetivo claro de tomar a guerra
como o principal tema a ser debatido pela Partisan, logo após a declaração
do conito na Europa, surgiu a partir dos debates promovidos pela League for
Cultural Freedom and Socialism, criada entre a esquerda anti-stalinista pouco
antes da assinatura do pacto Nazi-soviético em 1939. A segunda e última
6 A presença de Trotsky no México já quando as acusações contra ele foram feitas por Stá-
lin, causou grande comoção entre a esquerda nos EUA, inclusive para aqueles em torno
da Partisan Review. Alan Wald lembra da formação do Committee for the Defense of Leon
Trotsky. Ao lado dessa comissão, os esforços de uma outra, encabeçada por John Dewey
– a Dewey Commission of Inquiry into the Charges Against Leon Trotsky in the Moscow
Trials – que esteve por 8 dias na cidade de Coyoacan, no México, entrevistando Trotsky
sobre as acusações de Stálin, forneceu material suciente para o apoio dos intelectuais
estadunidenses a ele (WALD, 1987, p. 131). Em 2 de Abril de 1937, numa quinta-feira,
um grupo liderado por Dewey desembarcou na Cidade do México, nanciado pelo Trotsky
Defense Committee, onde foram recebidos por Diego Rivera e Frida Kahlo em sua casa,
am de organizar as entrevistas com Trotsky (Idem, p.132). Os testemunhos de Trotsky à
comissão e seus resultados foram publicados como The Case of Leon Trotsky (1937) e Not
Guilty (1938). Na reabertura da Partisan, em 1938, já assumido seu novo editorial anti-s-
talinista, houve uma tentativa frustrada de aproximação com Trotsky, que fora convidado
para colaborar com artigos. Suas intenções de exercer um controle centralizador sobre o
editorial da Partisan, porém, zeram Phillips e Rahv, desistir da ideia.
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iorquina Partisan Review durante a Segunda Guerra Mundial (1941-1946)
declaração da Liga foi exatamente: “A guerra se tornou o assunto!”(“War has
become the issue!”)
7
(COONEY, 1986, p.167).
Uma nova guerra mundial já se prenunciava para a Partisan e seus
editores, no entanto, assim como aconteceu com outros intelectuais europeus,
mesmo antes de 1939, quando o fascismo já mostrava sua face perigosa e
belicista, por exemplo, na Espanha, durante a Guerra Civil (1936-9), três
anos antes. Fora na Guerra Civil espanhola, aliás, que se desenhou a ante-
sala para a confrontação ideológica que se veria em confronto na Segunda
Guerra Mundial: de um lado os fascistas, apoiando o golpe militar contra a II
República e, de outro, os comunistas que suportavam a luta internacionalista
de defesa ao governo eleito em 1934 (ROVIDA, 1988; MEIHY e BERTOLLI
FILHO, 1996). Da mesma forma, fora durante a Guerra Civil na Espanha que
cou claro, para muitos intelectuais, as posições autoritárias do stalinismo,
especialmente durante a supressão de sua dissidência, em 1936, quando
do racha com anarquistas e demais grupos trotskystas, desencadeada em
Barcelona (ORWELL, 2001). Essa era, por exemplo, a posição de Orwell
desde 1937, quando ele lança seu primeiro texto acerca de sua participação
na Guerra Civil Espanhola, quando denunciara, ambos, o stalinismo e o
fascismo, como perigos irremediáveis, não apenas para o avanço progressista
das forças de esquerda, mas para a própria paz, irremediavelmente instável
no continente. Esse primeiro texto foi intitulado Spilling the Spanish beans,
publicado na revista New English Weekly, em 29 de Julho e 2 de Setembro de
1937. E antecedeu, inclusive, o trabalho de Orwell, mais conhecido do grande
público, e que se ocupa da Guerra Civil espanhola, Homage to Catalonia
(no Brasil publicado com o título de Lutando na Espanha), publicado pela
primeira vez em 1938
8
.
Dentro do contexto internacional da denição do Popular Front como
a tática internacional de combate ao fascismo, em 1935, a Partisan Review, em
seus primeiros números, era contrária a uma nova guerra mundial, combinando,
nas palavras de Terry Cooney, “a polêmica anti-stalinista com a doutrina radical
das ‘lições’ aprendidas com a Primeira Guerra Mundial”. Na primavera de 1938,
7 A denição da guerra mundial como o assunto central a ser debatido pela Liga angariou
uma massiva adesão entre os intelectuais que compunham o círculo em torno da Partisan
Review: Lionel Abel, James Burnham, F.W.Dupee, James T. Farrell, Clement Greenberg,
Dwight Macdonald, George L.K. Morris, William Phillips, Philip Rahv, Harold Rosemberg,
Meyer Shapiro e Delmore Schwartz, além de outros contribuidores que escreviam para a
Partisan.
8 Em 2001, a editora Penguin Books, de Londres, lançou uma coleção que reúne isolada-
mente todos os escritos de Orwell relativos a Guerra Civil espanhola, intitulado Orwell in
Spain. Textos que, no entanto, já haviam sido publicados em outras coleções de sua obra,
como aquelas que já nos referimos neste artigo. Produção que analisamos em grande
parte na dissertação de mestrado defendida em 2010, no Departamento de História da
Universidade de São Paulo, intitulada O último homem da Europa: a luta pela memória no
universo não-ccional da obra de George Orwell, 1937-1949, a qual contou com nancia-
mento da FAPESP.
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a guerra se tornou questão central no editorial da Partisan (já em sua fase
anti-stalinista), no editorial intitulado This Quarter, dividido em cinco temas: o
primeiro deles, This Quarter: Munich and the Intellectual, Partisan Review 6,
primavera de 1938, p.7-10 que tratou da Conferência de Munique de nais
de setembro (1938), e que “denunciava” a “manipulação de políticas social-
patrióticas, idênticas às ilusões supra-classistas que apareceram em 1914 e
que eles haviam renunciado para sempre” (COONEY, 1986, p.168).
O segundo editorial do início de 1939, “ilustrou o poder da questão da
guerra em alterar a atenção da Partisan Review do stalinismo naquele momento,
em direção a visão de liberais do mainstream” (COONEY, 1986, p.168) nos
EUA. Com isso, os editores da Partisan afastavam-se de qualquer visão que
polarizasse as análises sobre o Nazismo, por exemplo, de interpretações que
atribuíssem as causas da guerra a referências “coletivas”, fruto da “natureza
de um povo”, ou seja, do povo alemão. Da mesma maneira, deu-se com o
terceiro editorial, intitulado This Quarter: Anti-fascist Jitterbug, Partisan Review
6, inverno de 1939, p.4-6 – provavelmente escrito por Philip Rahv. Essa era,
por exemplo, a maneira como Hailing Lewis Mumford, analisava o racismo
nazista. Para Mumford, o ódio racial que caracterizava o nazismo era fruto da
“patologia da mente alemã” que se equalizava com o “hun-baiting de 1914-18”.
Como analisa Terry Cooney, que estudou detalhadamente esse período da
Partisan Review, era mais que óbvio tomar como referência qualquer tipo de
caracterização coletiva do nazismo como um desdobramento “racial”, “étnico”
ou “cultural” do “caráter alemão”. Seria repetir a mesma fórmula utilizada por
Hitler para tratar dos judeus (COONEY, 1986, p.168).
É preciso notar que, nesse ponto, Cooney reintroduz o tema da
autocrítica nacional no teor dos debates sobre a guerra mundial dentro da
Partisan Review. Ao descaracterizar (ou, re-problematizar) um tipo de discurso
que parecia comum em alguns dos primeiros analistas que pensaram o
fenômeno nazista, especialmente em relação à construção de sua máquina
de ódio contra os judeus (veja que é importante lembrar que esses debates se
davam dentro da comunidade intelectual de Nova York, com muitos membros
de origem judaica), os debates da Partisan Review tornaram o problema, em
torno desse tipo de análise, uma questão muito maior, para além das tentativas
de compreensão do ethos nazista: um problema que se construía como o
reexo de um espelho – e aqui, rearmando seu caráter ideológico, no sentido
marxista do termo – em que o que se colocava em questão era também a
construção paralela de um discurso armativo de superioridade racial, ética
e moral, dos EUA (e o mesmo se dava na Grã-Bretanha, de certa maneira),
frente aos envolvidos na Guerra: os alemães e os russos, nessa primeira fase,
e depois os japoneses, a partir de 1942, logo após o ataque a Pearl Harbor. Ou
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seja, argumentar que os EUA deveriam apoiar a guerra ao lado dos britânicos
pelo “espírito superior” anglo-saxão frente à barbárie nazista (atribuída então
a uma “degenerescência” do “caráter alemão”), era repetir a fórmula da
“superioridade” (racial ou política) de um povo sobre o outro. Mecanismo mais
que comum em muitos dos argumentos pró-guerra elaborados tanto entre os
intelectuais como no discurso ocial da propaganda belicista às vésperas da
entrada denitiva dos EUA na guerra.
Esse tema foi parte fundamental nas argumentações de Orwell em
sua segunda carta a Partisan Review, na edição de Julho-Agosto de 1941
(ORWELL apud DAVISON, 1998, v. 13, p. 470-479)
.
Nesse que seria o segundo
contato de Macdonald com Orwell, relativo aos textos que comporiam a seção,
o editor da Partisan enviou uma lista de dez questões a Orwell para que ele
tomasse como referência temática de sua carta. Macdonald, contudo, faz
questão de deixar claro que não era preciso que Orwell respondesse a todas as
questões textualmente, mas que elas servissem como um guia temático. Nesse
sentido, vai cando claro a estrutura imaginada pelos editores da Partisan para
as London Letters: claramente, a intenção é de que as cartas (ao menos essas
primeiras) fossem um guia para questões nativas (estadunidenses) especícas,
pensadas em contraponto a conjuntura britânica durante a Segunda Guerra
Mundial. Como poderemos ver no tipo de questões temáticas, o eixo girava em
torno de temas políticos, todos transversalmente entrecortados, contudo, por
questões culturais e intelectuais. Nessas duas primeiras cartas, não parece
haver a primazia de um debate teórico sobre o marxismo, apesar de Orwell já
ter adentrado essa problemática na primeira carta, quando, logo na abertura,
atrelou a vitória contra o fascismo a uma necessária revolução social. E dessas
dez questões, três delas faziam referência direta às questões conjunturais
do presente, como veremos a seguir. A primeira das dez grandes questões
enviadas por Macdonald foi, então, a seguinte:
Qual é o nível e o tom da imprensa popular nos dias de hoje? Quanta
informação real sobre o esforço de guerra sai? Com que profundidade
são relatadas as greves e os problemas trabalhistas? Os debates no
Parlamento? Quão dominante é a propaganda? Esta propaganda
é em sua maioria patriótica como na última guerra, ou é mais anti-
fascista? E quanto ao rádio? E o Cinema? (MACDONALD apud
DAVISON, 1998, v. 12, p. 471).
E Orwell começara, justamente, a reetir sobre os efeitos do contexto
sobre a imprensa britânica, alvo histórico de suas críticas desde o início da
década de 1930. Nesse momento, contudo, Orwell indicou que os esforços
de guerra que mobilizavam o país atingiam também a grande imprensa,
produzindo uma sensibilidade comum sobre o momento por que passava a
Grã-Bretanha na pior fase da guerra para o país. E, surpreendentemente,
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FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.1, nº2, p. 132-160, jul.-dez., 2014.
Matheus Cardoso da Silva
Orwell apontava uma leve orientação pendular à esquerda nestes periódicos,
com algumas exceções da imprensa profundamente conservadora, em
especial a católica. Parte disso, Orwell atribuiria, na sequência, ao tamanho da
guerra e sua repercussão internacional. “Quanto à exatidão das notícias, eu
acredito que essa é a guerra mais conável lutada nos tempos modernos”,
não tardou em armar Orwell (ORWELL apud DAVISON, 1998, v. 12, p.471-
472). E a comparação imediata seria, inevitavelmente, com a repercussão da
Primeira Guerra e, em especial para Orwell, da Guerra Civil espanhola.
[...] É claro que só se vê jornal inimigo muito raramente, mas em
nossos próprios diários não há certamente nada que se compare
com as mentiras terríveis que foram contadas em ambos os lados,
em 1914-1918, ou na Guerra Civil espanhola. Acredito que o rádio,
especialmente em países onde não é proibido ouvir transmissões
estrangeiras, está tornando as mentiras em larga-escala cada vez
mais difíceis (ORWELL apud DAVISON, 1998, v.12, p. 471-472).
A apreciação popular da guerra, contudo, encaminhava uma mudança
importante, segundo Orwell. O inimigo estava sendo substituído aos poucos
do nazi” para o alemão”, readquirindo, em escala muito menor, contudo, os
contornos de uma guerra entre nações tal qual durante a Primeira Guerra
Mundial. Parte disso, justica Orwell, poderia ser atribuído ao papel crescente
da propaganda na vida pública britânica, cujo papel estratégico avançava a
medida que os esforços de guerra se intensicavam. E na parte nal dessa
primeira parte, Orwell fez referência ao papel da BBC, veículo central da
propaganda britânica – a qual Orwell atribuiu um caráter mais conável do que
à imprensa escrita. Não notava, porém, mudanças signicativas no cinema,
ainda distante dos efeitos políticos da guerra em sua técnica e temática.
A segunda questão enviada para Orwell fora a seguinte: “Existe
alguma escrita séria sendo feita? Existe alguma literatura anti-guerra como
Barbusse etc, na última guerra? Pelo que ouvimos aqui, há uma tendência
para o romantismo e escapismo pelo escrito britânico atual. Isso é verdade?”
(MACDONALD apud DAVISON, 1998, v.12, p.472). Mais uma vez, Orwell
compara a então conjuntura da Segunda Guerra Mundial à situação de 1914-18.
O ambiente literário que circundava a Primeira Guerra, contudo, foi para Orwell
mais rico para a literatura britânica, do que havia sido até aquele momento
do desenrolar da guerra contra o fascismo. Orwell, contudo, não enxergava
nenhuma tendência “escapista” na produção literária britânica, mesmo que
compreendesse que era possível sim, que se algum grande trabalho surgisse
naquele momento ele deveria se apoiar em um certo subjetivismo, já que o
realismo literário estava sendo esmagado pela barbárie.
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FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.1, nº2, p. 132-160, jul.-dez., 2014.
As cartas de Londres: a participação de George Orwell nas páginas da revista nova-
iorquina Partisan Review durante a Segunda Guerra Mundial (1941-1946)
A sétima questão enviada por Macdonald a Orwell para que este
compusesse a segunda de suas cartas para a Partisan Review, insistia no
tema da preservação das liberdades civis em meio à guerra: “Como você
explica o que, por aqui, parece ser a quantidade notável de democracia e
liberdades civis preservadas durante a guerra? Pressão dos trabalhadores?
Tradição britânica? Fraqueza das classes superiores?” (MACDONALD apud
DAVISON, 1998, v.12, p. 472).
Em sua resposta, Orwell lembra o lançamento de seu livro The Lion
and The Unicorn, em que tratou da questão da divisão de classes britânica
e de como as “lealdades familiares” (Orwell prefere esse termo à “tradição
britânica”) se enviesavam pelas divisões de classe, contudo, rearmando-as.
E a relação das classes dominantes britânicas com as liberdades civis e a
democracia parece representar bem essa ideia:
A classe dominante britânica acredita na democracia e na liberdade
civil de uma forma estreita e em parte hipócrita. De qualquer forma eles
acreditam na letra da lei e, por vezes, vão cumpri-la quando não é a
sua vantagem. Eles não mostram nenhum sinal de desenvolvimento
de uma mentalidade verdadeiramente fascista. Liberdade de todo tipo
deve, obviamente, diminuir como resultado da guerra, mas, dada a
atual estrutura da sociedade e de sua atmosfera há um ponto além do
qual essa queda não passará. A Grã-Bretanha pode ser “fascistizada”
de fora ou como resultado de uma revolução interna, mas a velha
classe dominante não pode, na minha opinião, produzir um verdadeiro
totalitarismo por conta própria. Eles são muito estúpidos. É em grande
parte porque eles têm sido incapazes de compreender a natureza-
primeira do fascismo que estamos nesta confusão toda (ORWELL
apud DAVISON, 1998, v.12, p.476).
É preciso notar que os temas tratados por Orwell em sua London Letter
eram problemas presentes também dentro do campo da esquerda intelectual
dos EUA, em especial em meio ao Popular Front dos EUA: ou seja, a ideia
de uma “auto-consciência Americanista” (DENNING, 1997). O que signicava
isso? Resposta: a tradução do internacionalismo do movimento comunista
internacional, em uma tentativa de construção de uma identidade política
própria da esquerda nos EUA. A questão em jogo, então, era a seguinte: como
construir uma identidade nacional própria, sem, porém misticar a si próprio
e, com isso, o olhar sobre o outro? É preciso relembrar também, como já o
zemos em texto anterior, que esse era um processo no qual a própria Partisan
estava engajada, desde sua tentativa em conduzir, sob bases interpretativas
próprias, uma reinterpretação do modernismo estadunidense, baseado numa
leitura não-ortodoxa do marxismo segundo as linhas ocias do stalinismo
9
.
9 Questão analisada no texto: Em busca de uma outra modernidade? O marxismo como rea-
ção cultural ao modernismo e a experiência da revista nova-iorquina Partisan Review nos
anos de 1930, que integrará uma coletânea do Centro de Estudos Marxistas, CEMARX, da
UNICAMP, a ser lançada ainda sem data prevista.
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Matheus Cardoso da Silva
De volta ao momento especíco de reelaboração da critica da
Partisan Review à guerra mundial e ao fascismo, Terry Cooney lembra que
o modelo, quase que natural, de interpretação dos fatos ligados à conjuntura
belicista do nal da década de 1930 foi aquele proposto por Randolph Bourne,
cuja inspiração para o círculo de intelectuais em torno da Partisan Review
cou evidente em consecutivos editorias da revista da metade da década
de 1939 em diante e que retomavam a linha interpretativa de Bourne, duas
décadas antes, sobre a Primeira Guerra Mundial (COONEY, 1986, p.168). O
primeiro daqueles textos foi assinado por Dwight Macdonald e fora intitulado,
War and the Intellectuals: Act two, na Partisan Review 6, primavera de 1939,
p.3-20. Em seguida, aparece um texto de Philip Rahv, intitulado, Twilight
of Idols, que se conectava ao debate iniciado pouco antes por Macdonald
(COONEY, 1986, p.169).
No ensaio de Macdonald estava implícita a reação dos intelectuais dos
EUA para com a Primeira Guerra Mundial e como a sociedade estadunidense
reagiu às suas posições. Para Macdonald, o clima que se sucedera à entrada
dos EUA na Primeira Guerra Mundial, retornaria agora, no raiar de uma nova
guerra. Seus maiores efeitos (dentro dos EUA, já que o perigo real da guerra
efetiva em território estadunidense ainda era descartado) seriam sentidos, no
entanto, sobre o pensamento não-alinhado aos esforços de guerra e teriam
a mesma repercussão nefasta que tivera a pouco mais de duas décadas
atrás. Com isso, “[…] A guerra contra o fascismo no estrangeiro signicaria
a ‘submissão à classe dirigente em casa’”, como caracterizaria Macdonald.
O sentimento internacionalista anti-fascista, anterior à guerra, seria agora,
com ela declarada, substituído por um “anti-fascismo fascista”, insistia
Macdonald. Estava mais que claro que a regressão do pensamento liberal,
forçada (ou justicada) pela luta contra o fascismo, resultaria em um Estado
tão repressor quanto aquele a que se estava combatendo. E isso era muito
claro para Macdonald: “O primeiro resultado da guerra contra o fascismo
estrangeiro seria a introdução de uma ditadura doméstica” (MACDONALD
apud COONEY, 1986, p.169).
É interessante notar que esse foi o tema central de outro dos textos
para a coluna assinada por Orwell para a Partisan e que seria publicada na
edição de Novembro-Dezembro de 1942 (ORWELL apud DAVISON, 1998, v.
13, p. 518-522, vol.14). Nela, parece haver uma preocupação clara de Orwell
em relatar a liberdade de expressão versus o posicionamento ideológico da
impressa na Inglaterra. No texto, ele repassa algumas das linhas editoriais dos
jornais e sua situação diante da censura institucional e como esses retratavam o
andamento da guerra (ORWELL apud DAVISON, 1998, v.13, p. 518-519). Ainda
falando da censura interna na Grã-Bretanha, Orwell volta à carga novamente
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As cartas de Londres: a participação de George Orwell nas páginas da revista nova-
iorquina Partisan Review durante a Segunda Guerra Mundial (1941-1946)
para o papel desempenhado pela imprensa naqueles tempos de guerra. Na
sequência, ainda explorando esse tema da “cultura” criada pela propaganda
de guerra, Orwell analisa como o jogo de palavras dos anúncios espalhados
por Londres simbolizavam uma estrutura econômica articial, construindo um
simulacro de capitalismo sob uma economia em ruínas. Por m, nalizando
essa carta, Orwell retoma o tema da necessidade de combinar os esforços
de guerra com uma guinada à esquerda, rumo a uma revolução socialista,
como condição essencial para a derrota do fascismo. Toda a comparação
entre a situação interna britânica – a escassez de produtos, a desaceleração
da economia e sua guinada para uma economia predominantemente bélica, o
aumento do controle do Estado sob a vida diária etc – em 1914-18 e durante
a segunda guerra, estabelecia o terreno em que Orwell assentava essa ideia.
Uma certeza era, para ele, clara: o velho capitalismo morrera.
Em muitos sentidos, os problemas expostos por Orwell pareciam
combinar exatamente com as preocupações dos intelectuais da esquerda anti-
stalinista de Nova York, às vésperas da entrada do país na Guerra Mundial,
pouco antes de Orwell apresentá-los em sua carta. O medo de um regime
repressor dentro dos EUA também era premente dentro da League for Cultural
Freedom and Socialism. Como cou claro na declaração da Liga, o medo da
repressão interna nos EUA, caso esse (desnecessário) entrasse na guerra, era
evidente: “A nossa entrada na guerra, sob o lema ‘Parem Hitler!’ resultaria na
introdução imediata de totalitarismo por aqui ... as massas americanas podem
ajudar melhor ... lutando em casa para manter as suas próprias liberdades”.
Com isso, a entrada dos EUA na guerra signicaria, “corrupção para aqueles
que aceitarem isso, prisão, se não física, ao menos espiritual para aqueles que
não” (COONEY, 1986, p.170). Como declarava o editorial War is the issue!,
o papel do intelectual deveria ser o de recusar, veementemente, a guerra,
para não repetir o erro de décadas anteriores, ao mesmo tempo que deveriam
assumir as responsabilidades por sua prossão.
Os caminhos de uma nova literatura engajada
O calor das ideias convulsionadas pelo ambiente do Popular Front,
nos EUA da década de 1930, há muito se extinguira. Fora naquele ambiente
que, dialeticamente – entre a aceitação daquela efervescência criativa como
“síntese de radicalismo” e a recusa de seus caminhos literários cou claro
que o monstro que daria origem à Partisan Review havia sido alimentado.
Com o correr da década, no entanto, e as várias quebras de continuidade no
processo de (re)formação dos caminhos político-ideológicos dos intelectuais
da esquerda de Nova York, novos problemas foram sendo (im)postos como
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FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.1, nº2, p. 132-160, jul.-dez., 2014.
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obstáculos a serem superados no processo de reorientação identitária da
Partisan Review.
Tem-se, com isso, o ano de 1939 que marcou simultaneamente o m
do Popular Front, com a assinatura do Pacto Nazi-soviético e o início da Segunda
Guerra Mundial. Tanto quanto os novos dilemas trazidos pela conjuntura
político-econômica internacional e seus possíveis reexos internos nos EUA
cuja memória da Primeira Guerra e seus efeitos para o universo intelectual do
país ainda estavam tremendamente vivos, como vimos acima – havia, então,
novos dilemas relacionados aos efeitos ideológicos da aproximação da URSS
com o fascismo, o que cindiu denitivamente a esquerda dentro dos EUA.
Para a Partisan, já há muito afastada do mainstream partidário comunista,
sua identidade se baseava em sua crítica a crise do movimento comunista
internacional (e seus reexos nacionais). Da crise da esquerda dentro dos
EUA surgiu a possibilidade também para, uma vez mais, rearmar o caráter
independente da revista, tanto quanto rearmar os valores que deveriam guiar
essa independência. O papel social do intelectual, em torno de sua posição
como um “grupo social especial”, com suas tradições próprias, criatividade
e integridade individual, agora apareciam como centrais na ideia da “missão
cultural” da Partisan Review.
A rememoração de valores fundamentais ao trabalho intelectual e ao
papel da Partisan Review foram temas centrais para Philip Rahv e James T.
Farrel em seus últimos artigos da década de 1930, que pareceram prenunciar os
desaos do porvir. Em seu artigo, intitulado Twilight of the Thirties, e publicado
na Partisan Review 6, verão de 1939, Rahv argumentara que a defesa da
revolução social como um aspecto fundamental para a construção de uma
cultura emancipatória, fora, não apenas justa, mas acertada na metade da
década de 1930. Foi a defesa da revolução social que elevou a cultura ao
um novo nível – aqui, há que se notar, Rahv faz uma referência indireta ao
afastamento dos intelectuais de sua geração dos valores culturais tradicionais
nativos, baseados, também, no modernismo. O que impedira a continuação
desse projeto de construção de uma literatura radical e emancipatória, havia
sido a intransigência autoritária dos stalinistas. Foi a inuência comunista,
segundo Rahv, que provocou a supressão dos sonhos de construção de uma
cultura emancipatória, tanto dentro da Partisan Review, quanto na literatura
ocidental. É preciso entender que nesse momento, Rahv tece suas reexões
como uma espécie de autocrítica da esquerda, dentro e fora dos EUA. Por
isso, suas palavras são direcionadas diretamente ao stalinismo, sem tocar, no
entanto, no fascismo ou nas pressões políticas internas dos EUA, por exemplo,
expostas nas políticas governamentais que direcionaram a produção cultural
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As cartas de Londres: a participação de George Orwell nas páginas da revista nova-
iorquina Partisan Review durante a Segunda Guerra Mundial (1941-1946)
para o esforço de reconstrução da economia do país na década de 1930, por
meio das políticas públicas do New Deal (DENNING, 1997).
Assim, como autocrítica, tanto da esquerda como das próprias
experiências da Partisan Review e de seus círculos de intelectuais em meio
a ela, Rahv não evitava reconhecer seus próprios (e, obviamente, da revista)
erros. Insiste, no entanto, que a Partisan sempre trilhara o caminho na tentativa
de conjugar a arte e as ideias radicais. Com isso, Rahv faz um raio-x do papel
da política para a arte na década de 1930: do então caminho mais frutífero
para a percepção das relações entre a imaginação literária e a realidade social,
a política passa a ser uma barreira para os impulsos da criação imaginária
e, por consequência, sua auto-aniquilação. O ponto central da argumentação
de Rahv era de que a política tout court não podia ser estabelecida como um
simulacro e que, se assim fosse, não se podia esperar bons resultados para a
literatura.
Nesse momento, mais uma vez, as relações tradicionais do artista
moderno para com a sociedade que o cercava retornavam com força criadora
na argumentação de Rahv sobre o papel do intelectual contemporâneo. Ao
tratar dos labirintos criados pela intelligentsia para si própria – valores morais
e éticos que mantinham o intelectual introjetado em si mesmo e, muitas vezes,
isolado da sociedade – Rahv reconhece a construção de valores extremamente
críticos a sociedade burguesa. Apesar do isolamento do artista moderno, esse
isolamento fora frutífero na manutenção de sua “Integridade intelectual”.
Frente às pressões exercidas pelo fascismo, pelo stalinismo e pelo
nacionalismo sobre a literatura, essa volta a um passado onde o intelectual
se encontrara no sprit de corps criado pelo sentido de intelligentsia, parecia,
segundo as argumentações de Rahv, o melhor caminho para a reconquista
de um espaço criativo independente. A volta ao modernismo do nal
do século XIX, parecia querer reviver o próprio avivamento que a cultura
moderna dera ao mundo com “o romantismo, o naturalismo, o simbolismo, o
expressionismo, o surrealismo etc.”. “A tradição do desapego e da dissidência
fora também a tradição da diversidade e da vitalidade”. “O que Rahv queria,
claramente, encontrar na tradição da intelligentsia e na literatura moderna
era uma força para sustentar a Partisan Review durante o período de colapso
e conagração do mundo [dos anos da Segunda Guerra Mundial]”, conclui
Cooney (COONEY, 1986, p.199).
Desencadeada a guerra, e mergulhado o mundo nas disputas entre
ideologias que pareciam tão autoritárias umas quanto as outras para o intelectual
independente, o otimismo não podia mais ser uma saída aceitável. O retorno
ao passado modernista – mais uma vez, como fora para a Partisan Review
antes, quando da separação dos comunistas, em 1937 – podia assegurar, com
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isso, a manutenção do tradicional senso de integridade intelectual que parecia
necessária para, dali, fazer avançar um projeto novo, alternativo às narrativas
(políticas, mas também estéticas) do presente.
A tentativa de recuperar valores tradicionais da ação intelectual,
como base para um projeto alternativo no presente, fez revivescer nas ideias
de Rahv para a Partisan, também outro valor que fora fundamental em 1937:
um senso de identidade de grupo muito forte. As reexões de Rahv, daquele
ano de 1939, dirigiam-se à situação cultural interna dos EUA no momento em
que explode a guerra mundial, dominada por um sentimento nacionalista e
pró-guerra. Para o círculo da Partisan, os liberais pró-guerra produziam um
discurso tão nocivo para a literatura quanto os fascistas e os stalinistas. A
Partisan Review se foca, então, em uma crítica ao reavivamento dos ideais
liberais recuperados do contexto da Primeira Guerra Mundial, principalmente
baseados em valores culturais nacionais tradicionais.
Recuperar as relações da literatura modernista com uma critica
da sociedade, uma vez mais, como fora para os anos de 1920 nos EUA,
e como fora para a própria Partisan Review em 1937, fora o caminho
dialético trilhado pelo seu círculo de intelectuais, para rearmar os valores de
independência da revista e manter rmes a crítica às narrativas correntes o
nacionalismo, o fascismo e o stalinismo. A grande vantagem desse projeto,
uma vez mais armo, alternativo às narrativas correntes para o círculo
ao redor da Partisan Review, foi permitir a continuidade do radicalismo de
suas ideias, enquanto se afastavam progressivamente do marxismo ao longo
da década de 1940. Fora esse projeto, por exemplo, que permitiu a muitos
dos intelectuais situados em torno da Partisan Review se realinhar a uma
noção de uma “cultura elevada”, forçando-os a um retorno a uma literatura do
passado. Movimento que possibilitou a esses homens e mulheres se ancorar
em valores como o pensamento critico e o cosmopolitismo – fundamental
para a formação cultural dos intelectuais em Nova York, como demonstrou,
por exemplo, Heloísa Pontes (2003) – ao mesmo tempo em que erigiam sua
crença nos valores básicos de uma sociedade democrática. Esse caminho,
forçosamente, baseado em uma leitura historicista da tradição modernista,
traduzido na armação dos desaos em se publicar um “trabalho seriamente
criativo”, rearmou os valores tradicionais da intelligentsia entre o círculo
da Partisan Review, que lhe serviu bem como norte nos anos da Segunda
Guerra Mundial (COONEY, 1986, p. 206).
A defesa da cultura moderna e a aproximação com uma vanguarda
radical europeia nos anos da Segunda Guerra Mundial
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As cartas de Londres: a participação de George Orwell nas páginas da revista nova-
iorquina Partisan Review durante a Segunda Guerra Mundial (1941-1946)
Defender a cultura moderna possibilitou aos editores da Partisan
novos horizontes na década de 1940. Enquanto a Partisan Review, da década
de 1930, teve o apelo dos ideais da esquerda de Nova York, a Partisan, da
década seguinte, teve um apelo internacional.
Entre 1939 e 1941, a Partisan Review viu uma volta aos anos de
1920, com a publicação de artigos memorialísticos que recordavam a ascensão
da geração modernista europeia – como os artigos de Louis MacNeice sobre o
nascimento da geração de Auden; Eugene Jolas, sobre James Joyce; Marianne
Moore sobre a efervescência das ideias das vanguardas modernistas. Ao mesmo
tempo, os editores da Partisan, aproximaram relações com suas contra-partes
europeias. Os primeiros europeus a serem incorporados como colaboradores
xos foram André Gide, encarregado de uma coluna chamada Pages from a
Journal, em 1939, e Stephen Spender, com uma coluna chamada September
Journal, em 1940. “Cartas” de correspondentes estrangeiros também aparecem
nesse momento: as primeiras vindas de Paris e Londres. Terry Cooney, uma
vez mais, sugere que a incorporação de intelectuais europeus nessas novas
seções criadas dentro da Partisan Review, reforçaram a ideia da importância
de uma intelligentsia, independente, e detentora de valores políticos e estéticos
autônomos (COONEY, 1986, p.207).
A aproximação da geração modernista, no entanto, teve como
caminho, também, o estreitamento de relações com os modernistas nos
EUA. Em 1939, o Simposium on American Writing, organizado pela Partisan
Review, reuniu uma gama diversa de autores que contribuíram diretamente
com a literatura estadunidense da década de 1920, rearmando o papel da
cultura local para a experiência moderna
10
. Ainda no nal da década de 1930,
Cooney lembra da “reaproximação” do círculo em torno da Partisan Review
para com os poetas modernistas do sul dos EUA – e foca a análise brevemente
na relação entre Philip Rahv e Allen Tate. Cooney não hesita em armar que a
Partisan Review ganhou força com essas novas conexões com o “sul” – seus
escritores e críticos. Além disso, a possibilidade de estender suas redes de
comunicação com os europeus, os veteranos da década de 1920, poetas e
escritores emergentes, além dos escritores do sul, ajudou a guiar a revista pelo
caminho crítico da década de 1940 (COONEY, 1986, p. 208-209).
As novas fronteiras estabelecidas pela Partisan Review, no nal
da década de 1930, seriam as mesmas que guiariam a revista até o nal
da Segunda Guerra Mundial: a crença em uma literatura, ao mesmo tempo,
10 Entre eles John Dos Passos, Allen Tate, James T. Farrell, Keneth Fearing, Katherine
Anne Porter, Wallace Stevens, Gertrude Stein, William Carlos Williams, John Peale Bishop,
Harold Rosemberg, Henry Miller, Sherwood Anderson, Louise Bogan, Lionel Trilling, Robert
Penn Warren, Robert Fitizgerald, R. P. Blackburn, Horance Gregory. Como ressalta Coo-
ney, a intenção, com isso, era transformar a revista em um centro contínuo de cultivação da
escrita moderna (COONEY, 1986, p. 208).
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engajada nos problemas contemporâneos, mas que pudesse estar alheia às
tipicações das narrativas políticas hegemônicas em disputa no presente
ou a tríade nacionalismo, fascismo, stalinismo. Para isso, reforçava-se o ideal
não apenas de uma arte independente, mas de uma intelligentsia, no sentido
estrito de um grupo social com valores éticos e morais próprios (COONEY,
1986, p. 209).
Sobre o retorno dessa noção de “ideal” dentro da Partisan Review
no começo da década de 1940, são emblemáticos os ensaios de Delmort
Schwartz, The Poet as Poet, Partisan Review 6, primavera de 1939, p.55-56,
e de F.W. Dupee, The Discussion was Lively, Partisan Review 8, novembro-
dezembro de 1941, p.512-513. Especialmente em Dupee, pode-se ler a defesa
de uma literatura que reete a si mesma e se preocupa com seus valores
internos. Além disso, para Dupee, “talvez” fosse apenas fazendo referência à
situação histórica sobre o momento em que a obra literária era produzida que
se podia entendê-la como um todo.
Da mesma maneira, o esgotamento das formas marxistas como
cimento da relação entre a arte e a política, entre o círculo da Partisan,
aparece em uma resenha de William Phillips sobre um livro do escritor italiano
Ignazio Silone, publicado em 1942 (Cooney, que cita a resenha de Phillips, no
entanto, não dá o título do livro de Silone). Para Silone, um dos fundadores do
Partido Socialista Italiano e um dos mais inuentes intelectuais anti-stalinistas
europeu, a saída para o stalinismo estava na readmissão de valores éticos
tradicionais, baseados na vida campesina e na religião. Para Phillips, a
argumentação de Silone parece uma recusa da cultura urbana a favor de um
“estoicismo campesino”. Além disso, seu retorno à religião parecia explicar,
para Phillips, seu interesse na vida rural, o que, em ambos os casos, abria
caminho para todos os tipos de misticação. A análise que Phillips oferece de
Silone deixa claro, mais ainda, seus próprios valores cosmopolitas, ao mesmo
tempo que ressalta sua incapacidade em propor uma saída paralela entre os
valores tradicionais do marxismo e a “saída” ética de Silone. Para Phillips, o
que Silone fez foi apontar o espelho uma vez mais para os intelectuais radicais
que desistiam do marxismo, mantendo-se crentes quanto a sua possibilidade
de redenção (leia-se aqui redenção frente ao stalinismo).
Outro ponto fundamental no processo de redenição das fronteiras
criticas da Partisan Review, no início da década de 1940, estava na dedicação
a uma reinterpretação da tradição nacional. O Estudo do “Americanismo”,
como já tratamos aqui nesse artigo, foi fundamental, por exemplo, para Philip
Rahv. Seu artigo, Twilights of the Thirties foi emblemático na redenição dos
horizontes críticos da Partisan, no qual Rahv já havia considerado o peso
da tradição nacional para a cultura moderna. Além desse, Rahv se dedicou
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FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.1, nº2, p. 132-160, jul.-dez., 2014.
As cartas de Londres: a participação de George Orwell nas páginas da revista nova-
iorquina Partisan Review durante a Segunda Guerra Mundial (1941-1946)
a inúmeros outros trabalhos, entre artigos para as maiores revistas literárias
de seu tempo nos EUA – além da Partisan Review, a Southern Review e a
Kenyon Review alguns livros, como sobre Kafka e “a literatura em uma época
política”. Além dos trabalhos de Rahv, outros artigos foram fundamentais entre
esses estudos sobre a cultura nativa. Entre esses, o artigo de Edmund Wilson
sobre Henry James, intitulado, The last phase of Henry James, para a Partisan
Review 4, fevereiro de 1939, p.3-8 (COONEY, 1986, p. 212-213).
Junto com Henry James, a recepção crítica a Franz Kafka
desempenhou papel fundamental nas apreciações dos intelectuais em torno da
Partisan sobre os alcances críticos do modernismo, ou, através do modernismo,
o destaque a valores primordiais, como o cosmopolitismo, a secularidade e a
racionalidade
11
.
Foi fora da Partisan Review – no artigo The death of Ivan Ilyich and
Joseph K., para a Southern Review 5, 1939-1940, p.174-185 – no entanto,
que Rahv deu uma carga “ideológica” a suas análises sobre Kafka. Nesse
texto, em que comparava o trabalho do escritor tcheco com Tostoy, Rahv
considerou que, apesar de carregarem uma dura crítica à vida burguesa,
ambos se afastavam do cosmopolitismo e do pensamento crítico. Com isso,
ao rejeitarem a civilização e o presente em favor da religião, do passado e
do país, ambos rejeitavam o racionalismo. “O problema”, para Rahv, “estava,
novamente, em justicar uma alta avaliação dos insights da literatura moderna
sem aceitar as conclusões ‘reacionárias’ que os escritores tendiam a alcançar”,
conclui Cooney (1986, p. 215).
“As cartas de Londres”: a adesão de uma nova estética radical e a
participação de George Orwell na Partisan Review
Na década de 1940, insistindo nisso que vimos até aqui como um
conjunto de novas preposições teórico-interpretativas, tanto para a literatura,
quanto para a crítica, como também para a política, os intelectuais congregados
em torno da Partisan Review propuseram uma série de alternativas reexivas
com o intuito de reavivar, não apenas o marxismo, mas os valores humanistas
do socialismo, frente ao dogmatismo da política contemporânea.
Entre as várias possibilidades de reinterpretação dos caminhos
políticos que poderiam ser trilhados, tanto pela Partisan Review, quanto
11 Na nota 43, da p. 215, Cooney destaca que o primeiro livro de Kafka publicado nos EUA
foi The Castle, em 1930. No entanto, só foi a partir da publicação do The Trial, em 1937,
que o escritor tcheco ganhou destaque. A primeira crítica a Kafka dentro da Partisan apare-
ce em 1938, como uma biograa crítica elaborada por Max Brod, amigo pessoal de Kafka e
seu editor. A partir de então – incluindo as tentativas de publicação de três textos do próprio
Kafka em 1939, 1941 e 1942 – várias resenhas são publicadas na Partisan, incluindo textos
de William Phillips, F.W.Dupee, Max Brod e Philip Rahv.
151
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.1, nº2, p. 132-160, jul.-dez., 2014.
Matheus Cardoso da Silva
pelos intelectuais ao seu redor, uma das mais instigantes disputas surgiu no
debate entre James Burnham e Dwight Macdonald. Ambos haviam trilhado os
caminhos do trotskysmo na segunda metade da década de 1930, cada um,
no entanto, aderindo às perspectivas próprias de interpretação das ideias
de Trotsky. No início da década, Burnham publicou o artigo, The Theory of
Managerical Revolution, na Partisan Review 3, maio-junho de 1941, p.181-
197 e o paneto The Managerical Revolution: What is happening in the World,
em Nova York, em 1941. Já Macdonald, criticando o extremismo da visão
de Burnham quanto à ideia da ascensão de uma nova classe de técnicos,
publica o artigo, The Burnhamian Revolution, Partisan Review 9, janeiro-
fevereiro de 1942, p.76-84.
O ponto de Macdonald passava irremediavelmente por uma
diferenciação do “coletivismo burocrático” da Alemanha e da Rússia, do
capitalismo praticado nos EUA, na Grã-Bretanha e na França. Macdonald,
porém, segue a linha argumentativa marxista, e exalta a importância da
centralização política nas novas sociedades, a ponto de tornar a economia
secundária à organização política. Sua argumentação gira em torno da visão
de que os “regimes totalitários”, mesmo que “novos e poderosos”, tinham que
ser vistos a partir de suas fragilidades e não como estáveis e permanentes.
Segundo Macdonald, com isso, esses regimes eram vulneráveis às forças das
massas revolucionárias, que deveriam aparecer na próxima década ou duas,
do processo de transição política da sociedade. E aqui Macdonald se reconcilia
com a ideia radical original da revolução social como único caminho viável para
a derrota do fascismo (COONEY, 1986, p. 183).
Veja que nessa argumentação de Macdonald, as semelhanças com
o pensamento de Orwell são evidentes. Esse último ponto do argumento –
da necessidade da revolução social ser o único caminho para a derrota do
fascismo – é basicamente o mesmo ponto que Orwell apresentou no The Lion
and the Unicorn, lançado naquele mesmo ano de 1941, quando ele defendeu
a necessidade da revolução socialista na Grã-Bretanha como caminho para a
derrota, interna e externa do fascismo, como vimos acima nesse artigo e ao
qual analisaremos mais detidamente agora.
Em muitas medidas, esse é justamente o tema da primeira das
London Letters de Orwell (apud DAVISON, 1998, v. 13, p. 352-57).
Nela,
Orwell
escreve o seguinte, analisando a conjuntura político-econômica britânica no
começo do ano de 1941:
Bem, quanto à situação política, eu acho que é certo dizer que no
momento estamos no meio de uma limpeza que não vai fazer muita
diferença anal. Os reacionários, o que signica mais ou menos
as pessoas que lêem o Times, tiveram um grande susto no verão,
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As cartas de Londres: a participação de George Orwell nas páginas da revista nova-
iorquina Partisan Review durante a Segunda Guerra Mundial (1941-1946)
mas salvaram-se pela pele de seus dentes, e agora eles estão
consolidando a sua posição contra a nova crise que é provável que
surja na primavera. No verão, o que havia era o equivalente a uma
situação revolucionária na Inglaterra, embora não houvesse ninguém
para tirar proveito dela. Depois de vinte anos sendo alimentados
com açúcar e água, a nação de repente percebeu quem eram seus
governantes, e que não havia uma disponibilidade generalizada
de mudanças econômicas e sociais radicais, combinada com a
determinação absoluta para evitar a invasão [nazista]. No momento,
acredito que a oportunidade existe para isolar a classe endinheirada
e balançar a massa da nação por trás de uma política em que a
resistência a Hitler e a destruição da classe com privilégios possam
ser combinadas (ORWELL apud DAVISON, 1998, v. 13, p. 352).
A ideia de atrelar a vitória contra o fascismo a uma revolução
socialista, a qual Orwell faz referência em sua primeira carta a Partisan, não
é isolada em sua obra. Ao contrário, ela tomaria vulto, ao longo do ano de
1941, principalmente no ensaio The Lion and the Unicorn. Estava claro para
Orwell, que a guerra mergulhava o país em um momento revolucionário e que
a mobilização nacional antifascista poderia, ao mesmo tempo, isolar as elites e
dar força política às classes trabalhadoras e médias britânicas.
Considerado seu principal manifesto político, The Lion and the
Unicorn, cuja primeira parte, England your England, seria publicada pela
primeira vez em Londres, na revista Horizon, em dezembro de 1940, e mais
tarde publicado em texto integral também em Londres, em 1941. Os debates
internos da política britânica, o papel da intelligentsia de esquerda e seu
alinhamento com o stalinismo, as possibilidades de implementação de um
tipo de socialismo democrático (em contraposição ao “socialismo ortodoxo”
irradiado da URSS stalinista), como forma de superação dos fascismos e da
democracia liberal. Todos serão temas centrais nas discussões daquele texto.
Na Parte III do ensaio, intitulada The English Revolution, Orwell traça
as linhas do que ele entendia ser uma revolução em curso na Inglaterra. Orwell
abre a última parte do ensaio, argumentando, na página 64, que um processo
de transição que ele deniu como uma “revolução” – já estava em curso na
Inglaterra e que fora apenas acelerado com o rompimento da Segunda Guerra
Mundial. Ainda na página 64, Orwell aponta a guerra – e a necessária vitória
sobre Hitler – mais uma vez, como catalizadora das transformações sociais
e econômicas necessárias. Porém, ele acrescenta que ela é também a força
motriz do denitivo rompimento com o passado e a tradição liberal vitoriana da
Inglaterra – numa guerra, também, entre o “passado” e o “futuro”. Para Orwell,
como aparece na sequência (ORWELL, 1982, p. 65), as bases constitutivas
desse processo em marcha, devem ser assumidas, porém, por um movimento
social popular, ao mesmo tempo que se deve reconhecer as “falhas” do
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Matheus Cardoso da Silva
“socialismo inglês”. O que ca claro, ao menos na leitura que propomos aqui, é
o caráter de rompimento com as correntes políticas de esquerda hegemônicas
na Inglaterra – comunistas e trabalhistas – sem, porém, abandonar a ideia da
possibilidade de uma “revolução socialista”.
Orwell, da mesma forma que Macdonald fez, seria duro em suas
críticas a Burnham e a sua ideia da managerical revolution.
12
Em dois textos
da segunda metade da década de 1940, Orwell seria enfático em classicar
a projeção de Burnham de uma sociedade controlada por técnicos, como um
plano autoritário. O primeiro, intitulado James Burnham and the Managerical
Revolution, publicado na Inglaterra pela revista Polemic em maio de 1946 e
pelo Socialist Book Center, no verão de 1946 (e mais tarde nos EUA, pela
revista University Observer, Chicago, no verão de 1947), refere-se à analise
do livro do autor, de mesmo nome, publicado em 1940. O segundo, intitulado
Burnham’s view of the Contemporary world struggle, publicado nos EUA pela
revista New Leader (NY), em 29 de março de 1947, refere-se à análise do livro
The Struggle of the World, publicado nos EUA.
Como vimos antes, até 1939, quase nenhum dos intelectuais ligados
a Partisan defendia a entrada dos EUA na Guerra Mundial. No nal de 1941,
contudo, essa coesão contrária à guerra já havia se fragmentado drasticamente
e o debate que melhor simbolizou esse rompimento dentro da Partisan Review
se deu entre Philip Rahv e Dwight Macdonald.
A invasão da Wehrmacht ao território russo, em junho de 1941, e a
quebra do pacto Nazi-Soviético, trouxeram outra reviravolta para as posições
soviéticas na guerra mundial, forçando Stalin a se alinhar com Churchill.
Para Macdonald, no entanto, nada havia mudado e ele expressou isso, junto
com Clement Greenberg, em um artigo intitulado 10 Prepositions on the
War, Partisan Review 8, julho-agosto de 1941, p. 271-278. Nesse artigo, a
linha radical de Macdonald estava estritamente expressa: 1) a única solução
efetiva para a guerra seria desviar o caminhar da história do fascismo para
o socialismo; 2) o isolacionismo seria uma idiotia provinciana; 3) o suporte
aos governos existentes resultaria ou na derrota militar (porque o fascismo era
mais eciente) ou na construção de um fascismo à “moda-da-casa”; 4) uma
revolução social poderia ser, provavelmente, um caminho mais fácil e pacíco;
5) a falta de uma liderança para conduzir uma política revolucionária não seria
12 As críticas a Burnham seriam motivo de comentário numa carta que Orwell envia para
Dwight Macdonald, em 20 de Julho de 1946. Nessa carta, Orwell comenta a publicação do
ensaio James Burnham and the Managerical Revolution. Em carta-reposta, enviada em 10
de setembro de 1946, Macdonald, no entanto, arma que o texto de Burnham não havia
sido levado tão a sério nos EUA como havia sido na Inglaterra e que o novo texto de Orwell
não teria tanto impacto quanto à resenha de Macdonald do livro de Burnham já publicada
na Partisan Review, em 1942.
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As cartas de Londres: a participação de George Orwell nas páginas da revista nova-
iorquina Partisan Review durante a Segunda Guerra Mundial (1941-1946)
o problema central; 6) e qualquer apoio a Churchill e Roosevelt deveria ser
retirado (COONEY, 1986, p. 186).
Após o que parece ter sido um hiato reexivo, Rahv responde
duramente ao artigo de Macdonald e Greenberg. Seu texto, intitulado 10
Preposition on the War and 8 errors, publicado dois números depois do texto
com o qual ele debatia, não apenas criticou aquilo que Rahv chamou de uma
posição “absolutista” de ambos na tentativa de colocar a Partisan Review em
uma posição isolacionista, mas de insistir no mesmo tipo de análise “ortodoxa”
que a Partisan havia se colocado contra. Dessa posição é que resultava a
visão “apocalíptica” de Macdonald e Greenberg sobre o desenrolar da guerra e
seus efeitos nos EUA. O mais interessante na resposta de Rahv era o uso das
palavras, “absolutismo”, “ortodoxia” e “apocalíptica” em seu contra-argumento,
por meio do qual Rahv não apenas criticava a linha reexiva dos autores, mas
todo um padrão de pensamento que a Partisan Review assumira combater
desde sua fundação (COONEY, 1986, p.187).
Ao contrário do que propunham Macdonald e Greenberg, Rahv
acreditava que apenas a destruição do fascismo é que poderia revitalizar
qualquer tipo de política radical e que era fundamental, para derrotar Hitler,
estabelecer uma aliança entre o “imperialismo Anglo-americano e o Exército
vermelho”. Para Rahv, era apenas a subestimação das forças militares de Hitler,
que permitia a seus interlocutores superestimar as forças de uma revolução
socialista, colocando sua crença numa revolução em um futuro próximo, como
romantismo puro. Por m, Rahv insistiu que não se colocava contra a revolução
socialista em si, mas elencava que era sob a derrota do fascismo que ela
poderia ganhar força, dando chance para o movimento operário se reagrupar.
Como vimos acima, essa visão apresentada por Rahv, se parece
muito com as preposições de Orwell no caminhar da guerra mundial. Mesmo
sob intenso bombardeio da Luftwaffe sobre Londres, entre 1940 e 1941, Orwell
ainda defendeu, no The Lion and The Unicorn (1941), a necessidade da
revolução socialista guiar a derrota do fascismo dentro e fora da Grã-Bretanha.
No entanto, Orwell acreditava, como Rahv, que a guerra direta era a única
resposta possível contra o avanço fascista e o perigo que ele representava.
Com isso, e aí mais uma vez o pensamento de Orwell aparece como uma
espécie de ponte entre as argumentações de Rahv e Macdonald, a revolução
socialista (como defendia Macdonald) deveria conduzir a derrota militar (como
defendia Rahv) do fascismo.
Coube então uma tréplica de Macdonald e Greenberg, publicada sob
o título, Reply by Greenberg and Macdonald, Partisan Review 8, novembro-
dezembro de 1941, p.506-508. Nesse texto, ambos argumentaram que Rahv
havia sido demasiado vago na apresentação de suas ideias. Se aquela,
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Matheus Cardoso da Silva
efetivamente, ainda não era a guerra dos EUA, então sobre o que Rahv
falava? No entanto, Rahv não havia sido indagado sobre a guerra em si, e por
isso não a havia analisado efetivamente. Macdonald criticara Rahv também
por seu suposto “nacionalismo” quando Rahv defendera a superioridade
do exército estadunidense frente ao exército nazista – como incapacidade
em reelaborar uma linguagem radical o suciente para suportar um apoio
crítico da guerra. (COONEY, 1986, p.188) Para encerrar o debate, em 1942,
aparece uma espécie de declaração ocial dos editores-fundadores da
Partisan, William Phillips e Philip Rahv, sobre os debates com Macdonald
e Greenberg. O título do editorial foi, A Statement by the Editors, Partisan
Review 9, janeiro-fevereiro de 1942, p. 2.
Mais uma vez, Orwell estava inserido nesses debates com suas
cartas para a Partisan Review. Em especial, em 1942, em torno da controvérsia
criada pelas criticas de Orwell aos pacistas, em um momento em que Orwell
acreditava que o pacismo era perigosamente pró-Eixo. Na edição da London
Letter, de 1 de janeiro de 1942. p. 107-114, publicada na Partisan Review de
Março-Abril de 1942, Orwell associa o discurso anti-guerra pacista às linhas
incertas daquilo que ele classicava como “derrotismo” que, no nal das contas,
beneciava o fascismo e Hitler.
[...] não são muitos os pacistas ingleses que têm a coragem
intelectual para reetir até as raízes do pensamento, e uma vez que
não uma resposta real para a acusação de que o pacismo é
objetivamente pró-fascista quase toda a literatura pacista é forense
[aqui Orwell usa a palavra “forensic” para uma expressão popular que
não tem tradução direta para o português] - ou seja, especializada
em evitar perguntas embaraçosas. Para dar um exemplo, durante
o período anterior à guerra, o periódico mensal Adelphi, editado por
Middleton Murry, aceitou pelo seu valor nominal a alegação alemã
de ser um Estado “socialista” lutando contra a “plutocrática” Grã-
Bretanha, e mais ou menos equiparando a Alemanha com a Rússia.
A Invasão da Rússia por Hitler ridicularizou essa linha de pensamento
e nos cinco ou seis números subsequentes da Adelphi, há um medo
surpreendente de não mencionar a guerra russo-alemã (ORWELL
apud DAVISON, 1998, v.13, p.111).
Na sequência, Orwell faz uma relação mais direta (e perigosa) entre
o discurso pacista desses periódicos e o fascismo.
[...] Eu tenho diante de mim uma cópia do paneto anti-guerra Now
que contém contribuições de, entre outros, o Duque de Bedford,
Alexander Comfort, Julian Symons e Hugh Ross Williamson.
Alexander Comfort é um pacista “puro”. O Duque de Bedfort tem
sido durante anos um dos principais apoiadores do Douglas Credit
Movement, e também é um devoto anglicano, um pacista ou quase
pacista, e um proprietário de terras de grande escala. Nos primeiros
meses da guerra (o então Marquês de Tovistock) foi para Dublin por
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As cartas de Londres: a participação de George Orwell nas páginas da revista nova-
iorquina Partisan Review durante a Segunda Guerra Mundial (1941-1946)
sua própria iniciativa e obteve ou tentou obter um projeto de termos de
paz com a Embaixada alemã. Recentemente, ele publicou panetos
armando sobre a impossibilidade de vencer a guerra e sobre como
Hitler tinha uma fé incompreendida que nunca havia sido realmente
testada. Julian Symons escreve em um estilo vagamente fascista, mas
também é dado a citar Lênin. Hugh Ross Williamson esteve dentro do
movimento fascista por algum tempo. […] Pouco antes da guerra, ele
e outros formaram um partido fascista novo autodenominado Partido
Popular, do qual o Duque de Bedford era membro. O Partido Popular,
aparentemente, não deu em nada, e no primeiro período da guerra,
Williamson devotou-se à tentativa de fazer uma reunião entre os
comunistas e os seguidores de [Oswald] Mosley. Você vê aqui um
exemplo do que quero dizer com a sobreposição entre o fascismo e o
pacismo. (ORWELL, apud DAVISON, 1998, v.13, p.111).
As opiniões de Orwell apresentadas na London Letter de março-abril
de 1942, rapidamente repercutiram na Inglaterra, principalmente entre alguns
dos nomes citados por ele em torno da questão do pacismo. A “resposta”
foi publicada em formato de “controvérsia” nas páginas da Partisan, no
número de setembro-outubro de 1942, e contou com um debate entre D.S.
Savage, Alex Comfort, George Woodcoock e Orwell, publicado sob o título
de Pacism and the War: A Controversy By D.S. Savage, George Woodcock,
Alex Comfort, George Orwell. p. 392-400. (publicada na Partisan Review de
setembro-outubro de 1942. A contribuição de Orwell para esta “controvérsia”
é datada de 12 de julho de 1942).
O primeiro a responder foi Derek Stanley Savage, em 11 de maio de
1942. Poeta e crítico, Savage contribuiu com várias revistas britânicas: Now,
Focus, Horizon e Politics (nos EUA). Trabalhou para o Transport and General
Workers Union e para a Anglican Pacist Fellowship e, na década de 1980,
contribuiu com um capítulo pouco amigável sobre Orwell para a The New
Pelican Guide to English Literature (1983)
13
. Woodcock, teórico anarquista
canadense, radicado na Inglaterra, fora menos “conceitual” que Savage, em
sua resposta à controvérsia levantada por Orwell. Sua intenção, a primeiro
momento, era defender a revista Now, da qual era editor, e seus colaboradores
das “acusações” de Orwell. Woodcock justica que a revista, criada durante
a guerra como um fórum de debates literários e de controvérsias acerca dos
temas do período, reunia uma gama ampla de colaboradores, entre eles
pacistas, anarquistas, stalinistas, trotskystas, moderados etc. Entre esses
muitos, dois de seus principais colaboradores, lembra Woodcock, eram Julian
Huxley e Herbert Head, que, nem de longe, “podiam ser classicados como
fascistas”, conclui (DAVISON, 1998, p.394).
Comfort começa sua resposta a Orwell de maneira muito mais
elogiosa do que se suporia, mesmo que admitisse que a fama de Orwell
13 Informações fornecidas por Peter Davinson, 1998, v.13, nota 1, p.399.
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Matheus Cardoso da Silva
estivesse, a seu ver, suplantando sua capacidade analítica nesse caso. Na
sequência de sua resposta, Comfort parece seguir a mesma linha de Savage,
contra argumentando que a linha analítica de Orwell parecia ignorar o fato
do fascismo (muito mais como um modelo supra-autoritário de governo) se
desdobrar em outras formas políticas que não o modelo italiano e alemão. A
associação do discurso pacista (da maneira como Orwell o interpreta), com
isso, encobriria a própria ingenuidade de Orwell, já que, ao contrário, parecia
defender o modelo da “democracia britânica” em oposição à “ditadura alemã”.
Conclusão
A participação de Orwell, por meio de seus textos para a Partisan
Review, desempenhou uma dupla importância para sua carreira (MARKS, 1995,
p. 280). A primeira delas, foi a de reintroduzir Orwell nos meios intelectuais de
Nova York – e consequentemente, no cenário público dos EUA, do qual Orwell
se mantinha afastado desde 1936 e a publicação de seu romance A Clergyman’s
Daughter, seu último trabalho publicado lá. Essa reinserção permitiu-lhe
grande ampliação de seus contatos, principalmente com o grupo da esquerda
anti-stalinista que se formara nos últimos anos em torno da Partisan Review
(RODDEN, 2006). A segunda consequência, foram os próprios debates aos
quais Orwell se inseriu, graças a esses, novos contatos estabelecidos do outro
lado do Atlântico, principalmente com outros intelectuais cujas visões sobre o
socialismo eram muito próximas a suas.
Como vimos, o ideal da revolução socialista estava presente, tanto
na reelaboração do discurso político da Partisan Review, quanto nos textos de
Orwell. Esse é o teor de crítica à intelligentsia de esquerda britânica, presente
na primeira das London Letters, publicada por Orwell na Partisan Review,
em março-abril, de 1941, como vimos acima. O ponto central daquele texto
tratava da manutenção da ideia da luta contra Hitler e o fascismo representar o
caminho para a promoção da revolução socialista na Inglaterra, argumentação
semelhante àquela apresentada em seu primeiro grande trabalho da década
de 1940, o The Lion and The Unicorn, publicado um mês antes.
Em outra edição de sua London Letter to Partisan Review, agora em
julho-agosto de 1943, tendo como tema central a dissolução do Comintern,
Orwell começou a esboçar uma crítica que assumiria uma forma consistente em
seus textos ao longo da década de 1940: a imagem da URSS e do stalinismo
(e sua representação “mística da Revolução”[de Outubro]) como “mitos” diante
da intelligentsia de esquerda britânica, esfacelado gradualmente entre muitos
intelectuais comunistas (ORWELL apud DAVISON, 1998, v. 14, p. 286).
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As cartas de Londres: a participação de George Orwell nas páginas da revista nova-
iorquina Partisan Review durante a Segunda Guerra Mundial (1941-1946)
A ideia de “mito” rearmada anos mais tarde, na edição da London
Letter, de 05 de junho de 1945, quando Orwell reetiu sobre a permanência de
um sentimento pró-URSS entre os intelectuais da esquerda britânica, inclusive
a manutenção de uma imprensa extremamente favorável ao stalinismo –
ignorando os crimes já revelados do regime, como os expurgos, a perseguição
política a sua dissidência etc.. Ele escreveu, por exemplo, sobre isso:
[...] Eu sempre entendi que a manutenção desse sentimento pró-
russia na Inglaterra durante os últimos dez anos foi devido muito mais
à necessidade de um paraíso externo do que qualquer interesse real
no regime soviético, e que não pode ser combatido por um apelo aos
fatos, mesmo quando estes são conhecidos (ORWELL apud ANGUS
e ORWELL, 1968, v. 3, p. 382).
Na crítica apresentada em seus artigos para a Partisan Review,
desde meados da década de 1940, Orwell dene o regime stalinista como
um “mito”, que se apropria da memória coletiva do movimento socialista
internacional sobre a Revolução Russa de 1917, tomando-a como evento
fundador do stalinismo – e, dessa forma, Stálin, como continuador histórico de
Lênin. Arma, também, a condição inevitável da necessidade de “destruição”
do “mito” soviético, para que o movimento socialista reassumisse suas bases
democráticas na luta pela igualdade e justiça social. Esse duplo movimento
caria explícito na crítica de Orwell, por exemplo, na introdução para a tradução
ucraniana do Animal Farm, publicada em novembro de 1947, e distribuída em
Munique, na Alemanha, pela Ukranian Displaced Persons Organisation. Lá,
Orwell seria taxativo ao armar:
[...] Eu entendo, mais claramente do que nunca, a inuência negativa
do mito soviético sobre o movimento socialista ocidental. (...) E
até agora desde os últimos dez anos eu fui convencido de que a
destruição do mito soviético era essencial se quiséssemos reviver o
movimento socialista (ORWELL apud ANGUS e ORWELL 1968, v. 3,
p. 404-405).
Ideal que parecia conuir com os ensejos da esquerda anti-stalinista
situada em torno da Partisan Review, em Nova York, em meios aos novos
projetos políticos traçados como alternativas às narrativas políticas em disputa
durante os anos da Segunda Guerra Mundial.
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