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FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.1, nº2, p. 81-89, jul.-dez., 2014.
Rodrigo Bianchini Cracco
Tiago Viotto Da Silva
consequências para ambas as disciplinas. Como renomado pesquisador
da área, o senhor poderia nos apresentar um panorama dessa questão,
considerando a sua formação mista entre história e losoa e baseado em
seus estudos e publicações?
José Carlos Reis (JCR): Seria preciso distinguir as relações entre
história e losoa das relações entre historiadores e lósofos, embora possa
parecer uma falsa distinção na medida em que não pode haver relação
entre história e losoa sem a mediação dos seus prossionais. Contudo,
isso seria verdade se os historiadores detivessem o monopólio do estudo da
história-realidade, que, na verdade, é muito maior do que qualquer escola
historiográca. Todo homem vive na história e, imerso nela, torna-se um
lósofo e cronista da sua experiência. Todo homem é, em germe, lósofo e
historiador e, nesse nível, as relações entre história/experiência e losoa/
reexão sobre a vivência são intensas.
Mas, a pergunta é sobre as relações entre historiadores e lósofos,
que são tensas. A tensão é maior, beirando a aversão total, por parte dos
historiadores, que não entendem o modo losóco de abordar o objeto “história”.
Para eles, o lósofo o aborda com “ideias”, com “a priori”, com “pontos de
vista fechados”, como se a história tivesse uma forma, um o, uma trama,
um sentido. O lósofo aborda a história sem frequentar arquivos, sem citar
fontes primárias, sem descer ao chão da experiência e com uma uência, uma
eloquência, digna de um gênio ou de um hospício. Para o historiador, o lósofo,
não importa qual a sua tendência, trata o tema da experiência temporal de
forma irresponsável. Não é assim, como eles dizem, que os homens viveram,
vivem e muito menos viverão. Essa resistência dos historiadores à especulação
em história, por um lado, faz sentido.
Os lósofos, por sua vez, ignoram as objeções e censuras dos
historiadores e realizam, intensamente, aquela situação inicial do homem diante
da sua experiência. Para eles, os historiadores são técnicos competentes, mas
não têm o monopólio do conhecimento histórico e não podem impedi-los de
fazerem o seu trabalho. O historiador quer resolver com métodos e técnicas
problemas que exigem “reexão”, “perlaboração”, “pensamento” e operações
cognitivas que não conhecem. É necessário e urgente pensar a história,
atribuir-lhe alguma ordem e sentido, pois é preciso fazer escolhas e agir. A
existência e a práxis desaam a reexão. Até mesmo um genealogista, que
insiste em rupturas, descontinuidades, ausência, inessência, está procurando
atribuir alguma ordem e sentido à experiência temporal. Eu diria que a história
tem sido um dos temas maiores dos grandes lósofos, sobretudo, dos séculos
XVIII, XIX e XX: Voltaire, Hegel, Marx, Comte, Nietzsche, Heidegger, Sartre,
Foucault, Ricoeur e muitos outros.