SOUSA, Fábio da Silva
*
https://orcid.org/0000-0001-9767-9248
RESUMO: A Ditadura do Chile, implantada em
11 de Setembro de 1973, foi um evento
dramático e traumatizante não apenas para a
sua população, como também para a América
Latina. A partir da análise de três obras
literárias de Roberto Bolaño, o verbete Carlos
Ramírez Hoffmann, o Infame de A Literatura
Nazista na América, e dos romances Estrela
distante e Noturno do Chile, o presente artigo
tem como objetivo analisar o contexto de
produção desses escritos, as suas narrativas e
como o escritor chileno trabalhou com a
memória, o esquecimento e, por fim, com a
resistência oculta, em transpor, para a ficção,
todo o impacto da queda de Salvador Allende e
do governo de exceção do Gen. Augusto
Pinochet.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura; Ditadura
Chilena; Roberto Bolaño; América Latina.
ABSTRACT: The Dictatorship of Chile
established on September 11, 1973, was a
dramatic and traumatic event not only for its
population, but also for Latin America. Based
on an analysis of three literary works by
Roberto Bolaño, the entry Carlos Ramírez
Hoffmann, the Infamous of Nazi Literature in
America, and the novels Distant Star and
Night of Chile, this article aims to analyze the
context of production of these writings, their
narratives and how the Chilean writer worked
with memory, oblivion and, finally, the hidden
and literary resistance, in transposing, to
fiction, all the impact of the fall of Salvador
Allende and the government of exception of
Gen. Augusto Pinochet.
KEYWORDS: Literature; Chilean Dictatorship;
Roberto Bolaño; Latin America.
Recebido em: 21/08/2020
Aprovado em: 13/10/2020
* Doutor em História e Sociedade pela Unesp/Assis, SP. Docente e coordenador do curso de História
UFMS/CPNA, Nova Andradina, MS e do curso de pós-graduação stricto sensu interdisciplinar de Mestrado
em Estudos Culturais da UFMS/CPAq/PPGCult, Aquidauana, MS. E-mail: fabio.sousa@ufms.br. O presente
trabalho foi realizado com apoio da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul UFMS/MEC Brasil.
Agradeço a leitura prévia do original feita pela Profa. Dra. Rejane Aparecida Rodrigues Candado, cujos
apontamentos enriqueceram a escrita final do artigo.
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
Vejam como são as coisas: Mauricio Silva,
vulgo o Olho, sempre tentou escapar da
violência, mesmo com o risco de ser
considerado covarde, mas da violência, da
verdadeira violência, não se pode escapar,
pelo menos não nós, os nascidos na América
Latina na década de cinqüenta, os que
rondávamos os vinte anos quando morreu
Salvador Allende.
(BOLAÑO, 2008, p. 11).
Introdução: ventos chilenos
Em 25 de outubro de 2019, a atriz chilena Susana Hidalgo registrou com suas
lentes uma imagem das impactantes manifestações ocorridas na terra de Nicanor Parra e
Pablo Neruda e que, posteriormente, se tornou emblemática. Neste dia, em Santiago do
Chile, Hidalgo eternizou o momento no qual uma bandeira com o mbolo dos Mapuches
foi empunhada no topo da estátua do General Baquedano, localizada na praça central
batizada com o seu nome, e que estava ocupada por milhares de manifestantes.
Rapidamente, essa foto viralizou e tornou-se um símbolo das jornadas que colocaram em
xeque o modelo econômico chileno.
O ponto inicial dos protestos do Chile foi a insatisfação popular contra o aumento
de 3,75% das tarifas de metrô, decretada em outubro de 2019. Imediatamente, outras
demandas questionadoras do universo político, econômico e social foram colocadas nas
ruas. O repúdio social ao referido aumento foi somado à insatisfação do sistema de
seguridade social, que não contemplava a todos, ao modelo socioeconômico neoliberal
vigente desde a década de 1970, ao alto custo de vida, à corrupção governamental, entre
outros. Uma Caixa de Pandora de revolta popular foi aberta, e a reação violenta,
comandada pelo presidente Miguel Juan Sebastián Piñera Echenique, não tardou em
demonstrar a sua face, com toques de recolher, com a implantação do Estado de
Emergência e com centenas de manifestantes que ficaram cegos de um olho, ocasionado
por balas de borracha ou chumbo disparadas pela polícia. Todavia, apesar dessa violenta
repressão, o governo de Piñera foi obrigado a recuar e atendeu a algumas das demandas
dos manifestantes. O aumento da tarifa do metrô foi suspenso, 50% do salário dos
deputados foram reduzidos e, pode-se considerar um dos pontos mais altos dessa
reconsideração, foi aprovada a abertura de um plebiscito, no qual seria definida, pela
população chilena, a possibilidade de criação de uma nova Constituição. A lei de
convocação popular para definir uma nova Carta Magna foi sancionada pelo presidente
Piñera em dezembro de 2019 e a consulta seria realizada inicialmente em 26 de abril de
2020. Em virtude das medidas sanitárias de isolamento, com o objetivo de conter a
proliferação do novo coronavírus, o plebiscito foi adiado para 25 de outubro de 2020.
Em uma votação histórica, 78% da população chilena aprovou a mudança da Carta
Magna, herança de seu período ditatorial.
O que esteve em jogo no Chile foi a validade de um modelo socioeconômico cujas
raízes remontam à fatídica data de 11 de setembro de 1973, quando o governo
democrático e de perspectiva socialista do então presidente Salvador Allende Gossens
foi deposto pelo Gen. Augusto José Ramón Pinochet Ugarte. O Golpe de Estado, que
colocou o país chileno no caminho ditatorial dos outros países do cone sul, foi um dos
espetáculos mais sangrentos do continente latino-americano no Século XX. As imagens
do palácio de La Moneda em chamas, de Allende empunhando uma metralhadora em
seus últimos momentos de vida, e de tanques transitando pelas ruas de Santiago
sepultaram o processo de implantação do Socialismo pelas vias democráticas, o principal
projeto da Unidad Popular (UP). Testemunha do calor desse momento, Eric Hobsbawm,
em artigo datado de 1971, apresentou uma análise sobre os desafios desse projeto da UP,
com destaque à pluralidade da sociedade chilena:
A experiência chilena é, portanto, muito mais do que uma peça de exotismo
político para os observadores dos países desenvolvidos. O socialismo nunca
chegará, digamos à Europa Ocidental à maneira chinesa ou vietnamita, mas é
pelo menos possível reconhecer no Chile os contornos de situações políticas
que podem ocorrer nas sociedades industrializadas e as estratégias que podem
ser aplicadas nelas, bem como os problemas e as dificuldades do ‘caminho
pluralista’. Isso não significa que o caminho deva fracassar e, certamente, que
não deva ser tentado. (HOBSBAWM, 2017, p. 419).
Para o historiador marxista britânico, o principal desafio de Allende e da UP
esteve na conquista desta pluralidade chilena, considerado um caminho tortuoso,
contudo, não impossível. Apesar do esboço otimista apresentado por Hobsbawm, a
efetivação de um Socialismo democrático não seria uma tarefa fácil, consequência das
adversidades que o governo de Allende enfrentou em seus primeiros dias. Ao analisar
esse período, Peter Winn definiu em três momentos a turbulência política enfrentada
pelo governo da UP, a saber: 1-) Salvador Allende elegeu-se com uma “vitória marginal”
de 36% dos votos, o que fragilizou a sua possível liderança em promover “[...] uma
mudança tão radical como uma transição para o socialismo” (WINN, 2010, p. 75); 2-) A
UP era minoria no Congresso; 3-) O Judiciário, as Forças Armadas, a Igreja Católica e a
elite não estavam dispostos a abrir mão dos seus privilégios e não eram entusiastas de
um governo socialista no Chile, por mais que ele fosse ratificado por vias democráticas
(WINN, 2010, p. 76).
Após a performática e violenta queda de Allende, o governo do Gen. Pinochet
deparou-se com o desafio de reestruturar a economia chilena e adotou a política do
neoliberalismo laissez-faire. De acordo com Alan Angell, a reconstrução do campo
econômico ficou a cargo de jovens oriundos da Universidade Católica do Chile e de
Chicago, grupo que ficou conhecido como Chicago boys, expressão emprestada do nome
da segunda instituição. O principal objetivo desse grupo esteve na regulamentação de
abertura do livre mercado, com grande apoio ao capital estrangeiro e na austeridade dos
gastos do setor público, com destaque à redução salarial e na atomização dos
movimentos sindicais e trabalhistas (ANGELL, 2015, p. 911-912). Em outras palavras, o
Gen. Pinochet promoveu o esvaziamento de poder do Estado e abriu as portas do Chile
para o setor privado internacional, que, nesta política econômica neoliberal, encontrou
terra fértil para fortalecer as suas raízes e crescer exponencialmente:
O Estado retirou-se de muitas áreas nas quais anteriormente havia
desempenhado um papel importante. Os gastos fiscais em relação ao PIB caíram
de 29,1% em 1972 para 19,7% em 1978. Houve redução significativa dos gastos
sociais per capita em educação, saúde, seguro social e habitação. Os
investidores do governo diminuíram drasticamente para quase a metade entre
1970 e 1978. Os fundos de pensões foram transferidos para o setor privado num
afluxo maciço de liquidez que foi parar nos cofres de empresas que em grande
parte eram propriedade de conglomerados. A intenção política dessa proposta,
é claro, era que o destino dos trabalhadores estivesse ligado à sorte do setor
privado: o ‘socialismo’ se tornaria uma ameaça aos direitos de pensão. Ao
mesmo tempo, leis trabalhistas introduzidas em 1979 limitavam estritamente a
eficácia das negociações sindicais coletivas. Os sindicatos perderam grande
parte do seu antigo poder. (ANGELL, 2015, p. 913).
O “paraíso” neoliberal chileno foi uma experiência inédita na América Latina no
decênio de 1970 e antecipou a política agressiva e econômica capitaneada, a posteriori,
pelos Estados Unidos de Ronald Reagan e pela Inglaterra de Margareth Thatcher.
Outrossim, apesar das promessas de colocar o Chile nos trilhos do progresso, o modelo
econômico dos Chicago boys acentuou as desigualdades sociais, cujo ápice foi
apresentado na introdução deste texto.
Os ventos chilenos que varreram o Socialismo democrático sonhado por Salvador
Allende e que chegaram ao neoliberalismo do Gen. Augusto Pinochet foram sentidos por
todos na América Latina. Este processo traumático foi cantado em músicas, visualizado
em filmes, documentários e exposições fotográficas, e, principalmente, lido em obras
literárias. No desenvolvimento das correntes literárias latino-americanas, a década de
1970 representou o surgimento de uma escrita política, engajada e de testemunho, em
contraste com o Boom literário dos anos anteriores. No caso chileno, foram publicadas
as obras Tejas Verdes, em 1974, de Hernán Valdés e Mis primeros minutos, de 1989, por
Emilio Rojas. A primeira, editada na Espanha, apresentou um testemunho de Valdés
durante o Golpe de 1973 e, a segunda, foi publicado quinze anos após a prisão de Rojas
pelo governo do Gen. Pinochet (SERRÃO, 2014, p. 59). Ademais desses, Gerald Martin
listou outros autores e obras do Chile, Uruguai e Argentina, que configuraram o exílio
como um componente peremptório na expressão literária de oposição aos regimes
ditatoriais:
A partir da década de 1970, a literatura do Chile, Uruguai e Argentina teve que
compor-se com uma série de perturbadoras experiências políticas. No Chile, os
bem-sucedidos experimentos metafísicos de [José] Donoso em El obsceno
pájaro de la noche, publicado em 1970, ano da eleição de Allende, logo iriam
afigurar-se insignificantes. Após a queda de Allende em 1973, Antonio Skármeta
(n. 1940), com Soñé que la nieve ardia (1975) e Ardiente paciencia (1985), e Ariel
Dorfman (n. 1942) com Viudas (1981) e La última canción de Manuel Sendero
(1982), entre outros, fizeram do exílio chileno uma resposta ao golpe. (MARTIN,
2011, p. 414).
Aos nomes e obras listados acima por Serrão e Martín, podemos adicionar mais
um, cuja escrita literária dialogou tanto com um estilo testemunhal, como também foi
impactada pelo exílio chileno após 1973. Trata-se de Roberto Bolaño e de seu olhar
visceral sobre o Chile de Allende e do Gen. Pinochet, as quais nos permitem observar um
amálgama entre Literatura, História e Memória.
História e Literatura: pistas para o labirinto literário bolañesco
Literatura e História travaram um intenso debate epistemológico, no qual
tivemos de um lado a defesa da sobreposição da narrativa ficcional na escrita da história,
por parte de Hayden White, e de outro, o contraponto da prova histórica protagonizado
por Carlo Ginzburg. Os livros, artigos e análises que foram produzidos desse embate sem
vencedores foram fundamentais para colocar em discussão o importante papel da
linguagem nas produções históricas. A imaginação, a trama e a prova não são códigos
estanques e podem estar presentes tanto em obras literárias, como também em análises
historiográficas. De acordo com Júlio Pimentel Pinto, o leitor de tais produções escritas
deve desvendar as entrelinhas e as estratégias destas narrativas, somadas com os
sentidos das palavras, elaboradas tanto por ficcionistas, quanto por historiadores:
[...] O compromisso do ficcionista é com a imaginação: ele pode inventar uma
versão alucinada da vida nos engenhos, da Revolta Praieira ou da Guerra do
Paraguai, pode criar uma trama incrivelmente rocambolesca sobre o suicídio de
Vargas, sobre a trajetória de Xica da Silva, sobre o assassinato de Kennedy ou
sobre a ditadura civil-militar brasileira. o compromisso do texto
historiográfico é com uma verdade que não é absoluta, plena ou pura, mas é a
verdade possível, que podemos adjetivar ou metaforizar de muitas maneiras:
‘verdade relativa’, verdade provisória’, ‘verdade comunicativa’, ‘verdade
tangível’, ‘linha do horizonte’. Ao leitor cabe reconhecer esses códigos e
distintos compromissos e trabalhar dentro da lógica e da dinâmica da escritura
que eles orientam. (PINTO, 2020, p. 30).
O leitor das obras latino-americanas que tematizaram as ditaduras do cone sul
teve que lidar, em alguns casos, com um jogo narrativo no qual autores lançaram mão de
vários estilos para confrontar essas terríveis realidades de exceções. Os apelos e
fascínios dessas produções literárias condisseram com o seu caráter de denúncia social,
vinculado a uma escrita testemunhal, em que as paredes entre a ficção e a verdade
histórica apontada por Pinto no excerto acima, simplesmente foram derrubadas. Como
exemplo, temos o romance clássico Yo El Supremo, do paraguaio Augusto Roa Bastos,
publicado em 1974. Exilado em Buenos Aires nos primeiros anos do decênio de 1950, em
virtude da ditadura de Alfredo Stroessner Matiauda (1954-1989), Roa Bastos romanceou
a saga do Dr. José Gaspar Rodrígues de Francia, que comandou a independência do
Paraguai entre as décadas de 1810 a 1840. Ficção e verdade histórica se mesclaram nessa
obra, pois a partir da narrativa histórica de Rodrígues de Francia, que governou o
Paraguai com mãos de ferro, a tal ponto que ficou conhecido como El Dictador Supremo,
Roa Bastos mirou a sua pena crítica para a ditadura de Stroessner (ROA BASTOS, 1991).
Isto posto, o Paraguai do Século XIX apresentado nas páginas de Yo El Supremo
converteu-se em uma metáfora do Paraguai do Século XX, e a personagem de Rodrígues
de Francia era uma imagem espelhada de Stroessner. Passado e presente se fundiram
neste romance que se tornou um clássico da literatura latino-americana e dos livros que
receberam a categorização de Las novelas de los Dictadores. A obra-prima de Augusto
Roa Bastos é um exemplo do desafio de interpretação que alguns escritos apresentam
aos seus leitores, no qual, às vezes, a escrita do real, das obras históricas e, a liberdade
ficcional dos textos literários, mesclam-se em uma única narrativa (SEVCENKO, 2003, p.
30).
Dito isto, os estratagemas e intencionalidades das obras literárias são enigmas
que o historiador busca decifrar. Nem sempre é um caminho fácil, haja vista que alguns
romancistas se apresentam como verdadeiros labirintos em seus projetos literários. Ao
discorrer acerca da importância da literatura na sociedade, Antonio Candido argumentou
que “[...] o poeta ou o narrador nos propõem um modelo de coerência, gerado pela força
da palavra.” (CANDIDO, 2011, p. 179). Todavia, nem sempre tais modelos são seguidos à
risca pelo olhar dos leitores, uma vez que, ao serem publicadas, as produções literárias
são passíveis de serem lidas por diversos ângulos, aquém das intencionalidades dos seus
criadores. À vista disso, vou ao encontro da análise que George Packer elaborou sobre a
disputa ideológica que o clássico político 1984, de George Orwell, suscitou após a sua
publicação em 1948:
[...] A luta reivindicando 1984 começou logo depois do lançamento, com disputas
sobre seu significado político. Os resenhistas americanos conservadores
concluíram que o alvo principal de Orwell era não apenas a União Soviética,
mas a esquerda em geral. Orwell, que definhava rapidamente, interveio com
uma declaração explicando que o romance não era um ataque a qualquer
governo em particular, mas uma sátira das tendências totalitárias na sociedade
ocidental e dos intelectuais: ‘A moral a se extrair desse pesadelo perigoso é
simples: o deixe que aconteça. Depende de você’. Mas toda obra de arte
escapa ao controle do artista quanto mais conhecida e complexa, maiores
os mal-entendidos. (PACKER, 2019, p. 527, grifo nosso).
No que pese as ressalvas apresentadas acima, o texto literário apresenta uma
interpretação angustiante e vigorosa do seu tempo histórico descrito, no qual “A
literatura, portanto, fala ao historiador sobre a história que não ocorreu, sobre as
possibilidades que não vingaram, sobre os planos que não se concretizaram.”
(SEVCENKO, 2003, p. 30). Os contextos socioculturais das obras elencadas nas
investigações históricas, somadas com a biografia dos seus respectivos autores,
tornaram-se um caminho interessante para que o historiador iniciasse o seu percurso
neste labirinto do mundo das letras ficcionais. Vejamos agora como Roberto Bolaño
enquadra-se nessa proposta.
Roberto Bolaño Ávalos nasceu no mês de abril de 1953 em Santiago do Chile. Aos
15 anos, em 1968, mudou-se com sua família para a Cidade do México, onde, ao
abandonar os estudos, tornou-se autodidata e trabalhou em diversos empregos
esporádicos. Influenciado pelos movimentos de esquerda latino-americanos e convertido
ao pensamento trotskista, regressou ao Chile nos últimos momentos do governo de
Salvador Allende, em agosto de 1973. Presenciou o Golpe de 11 de setembro e ficou
encarcerado por oito dias, em Concepción, acusado de ser um terrorista mexicano.
Como se estivesse dentro de um romance latino-americano, Bolaño foi libertado por dois
ex-colegas do Liceo de Hombres de Los Ángeles, um deles chamado Fernando
Fernández, que o reconheceu de imediato (BOLAÑO, 2008, p. 206). Saiu do Chile em
janeiro de 1974 e regressou ao seu país natal brevemente em 1998, como jurado do
Concurso de contos da revista literária Paula. Nesse mesmo ano, o seu romance Os
Detetives Selvagens foi consagrado com o XVI Premio Heralde de Novela e um ano
depois, recebeu do governo venezuelano o XI Premio Rómulo Gallegos, pela mesma
obra.
1
Em 1974, após sua partida do Chile, Bolaño peregrinou pela América Latina,
passou por El Salvador e conheceu o poeta Roque Dalton, membro do Partido Comunista
Salvadoreño (PCS), que um ano depois foi justiçado pelo próprio grupo guerrilheiro que
ajudou a fundar, o Exército Revolucionário do Povo (ERP). Ao desembarcar no México,
ainda no ano de 1974, Bolaño conheceu os poetas Mario Santiago Papasquiaro e Bruno
Montané, e o trio fundou o movimento literário Infrarrealismo. Com o objetivo de
renovar a poesia latino-americana, o Infrarrealismo propôs uma nova estética diante de
um universo cultural das letras que estava dominado por Octavio Paz e Pablo Neruda.
Inclusive, o autor de El Labirinto de la Soledad foi considerado o inimigo número um dos
infrarrealistas.
2
A aventura de Bolaño em terras mexicanas encerrou-se em 1977, quando o poeta
chileno viajou com destino à Europa. Instalou-se na Espanha em 1978, onde exerceu
diversos ofícios, como cozinheiro, lavador de janelas, guarda, entre outros. Conheceu
Carolina pez, com quem teve dois filhos e iniciou a sua trajetória literária, com a
publicação em colaboração de Antoni García Porta, da novela Consejos de un discípulo
de Morrison a un fanático de Joyce, em 1984 (ALONSO, 2014, p. 21).
O reconhecimento dos pares não tardou a chegar e suas obras passaram a
despertar o interesse da crítica especializada. Em vida, Bolaño presenciou a anuência de
Os Detetives Selvagens entre o universo literário, como apresentado linhas acima.
Produzindo freneticamente, faleceu em 2003, aos 50 anos, diagnosticado com falência
hepática, enquanto estava na fila para um transplante de fígado. Sua consagração em
nível internacional ocorreu postumamente, com a publicação em 2004 do romance 2666.
Com grande receptividade entre a crítica e sucesso editorial, essa obra alçou Bolaño na
categoria de um dos principais escritores do Século XX e o colocou ao lado dos grandes
nomes da literatura latino-americana, como Jorge Luis Borges, Gabriel García Márquez,
Julio Cortázar, entre outros.
1
Parte da biografia de Bolaño pode ser consultada no seguinte endereço:
http://www.memoriachilena.gob.cl/602/w3-article-3688.html#cronologia. Acesso em: 16 abr. 2020.
2
Esse ambiente literário da juventude de Roberto Bolaño no México da década de 1970, o surgimento do
movimento infrarrealista e os embates poéticos com Octavio Paz transparecem em Os Detetives
Selvagens. Inclusive, cabe mencionar que os “dois detetives” do romance, Arturo Belano e Ulisses Lima
foram inspirados, o primeiro na figura do próprio Bolaño, e o segundo em Mário Santigo (BOLAÑO, 2006).
Santiago foi um dos melhores amigos do escritor chileno e faleceu em 1998, atropelado na Cidade do
México e não teve a oportunidade de ler a sua inspiração na personagem de Ulisses Lima. a personagem
de Arturo Belano apareceu em outros escritos de Bolaño, como Estrela Distante, que analisarei adiante.
Esse itinerário biográfico exposto de Bolaño apresenta algumas pistas acerca do
seu labirinto. A juventude romântica, errante e boêmia de sonhos revolucionários em
uma América Latina convulsionada pelos regimes ditatoriais, a rebeldia estética contra
os grandes cânones literários, a morte precoce no auge de sua criatividade artística,
somado com o sucesso póstumo, são ingredientes que alimentaram, e ainda alimentam, o
fascínio pela sua figura e obra. Sem deixar de lado a qualidade literária de sua escrita,
Matt Bucher, ao descrever a recepção positiva de Bolaño nos Estados Unidos, chamou a
atenção para a sua inusitada biografia ao confrontar as críticas realizadas por Sarah
Pollack e Horácio Castellanos Moya:
[...] tanto [Sarah] Pollack quanto [Horácio Castellanos] Moya afirmam que uma
outra razão pela qual Bolaño se tornou urgente aos leitores e editores
americanos foi ele ter morrido relativamente jovem, além de ter tido uma
biografia interessante. Deve haver certa verdade nisso, pelo menos pela
peculiaridade sem precedentes do autor. Gabriel García Márquez não havia
morrido quando Cem anos de solidão foi publicado nos Estados Unidos. De
fato, nenhum grande autor latino-americano ganhou proeminência nos Estados
Unidos postumamente, exceto Bolaño. Moya e Pollack querem deixar de lado a
imagem de Bolaño como um beat, um adolescente de cabelos compridos e um
homem rebelde, e querem nos lembrar que, na verdade, Bolaño escreveu ficção
sobretudo como um homem de família uma figura enfadonha como um pai da
área nobre da cidade que não pode se tornar uma lenda! Bom, é possível, se ele
escrever como Roberto Bolaño. (BUCHER, 2016, p. 169, grifo nosso).
A despeito da produção literária de Bolaño ter florescido após o seu
estabelecimento na Espanha, “como um homem de família”, a experiência latino-
americana foi determinante na inspiração de sua escrita. A minha lupa se voltará para
uma parte deste passado labiríntico de Bolaño, no impacto que o Chile da década de 1970
exerceu nas criações literárias de Carlos Ramírez Hoffman, o infame de A Literatura
Nazista na América, passando por Carlos Wieder de Estrela distante e, finalmente,
concluindo com Sebastián Urrutia Lacroix de Noturno do Chile.
Uma trama latino-americana: o aviador e o padre
Lançado em 1996, A Literatura Nazista na América foi a terceira obra de Bolaño e
a primeira que chamou atenção da crítica literária. Traduzido e publicado no Brasil em
2019, não passou despercebido e foi tema de ensaios e análises assinadas por jornalistas,
críticos, literatos, entre outros.
3
Inspirado em Historia universal de la infamia de Jorge
3
Como exemplo, Schneider Carpeggiani de Queiroz Silva escreveu uma análise interessante no
Suplemento Cultural do Diário Oficial do Estado de Pernambuco, no qual, destaca “dois feitos especiais” da
publicação de A Literatura Nazista na América em solo brasileiro. O primeiro, o verbete de Amado Couto,
escritor e integrante nos Esquadrões da Morte carioca, cujo plano malfadado era sequestrar o torturar
Rubem Fonseca. No momento de escrita deste artigo, Fonseca faleceu em 15 de abril de 2020, aos 94 anos.
Luis Borges e La Sinagoga de los Iconoclastas de Juan Rodolfo Wilcock. Em sua
antologia, Bolaño apresentou 30 verbetes biográficos de personagens ficcionais que
aderiram ou flertaram com o fascismo, nazismo e outras ideologias violentas e
totalitárias, geograficamente localizadas desde a Argentina, Peru, Brasil, Estados Unidos,
entre outros países da América e, cuja temporalidade alterna entre o passado de 1894 até
o futuro de 2029 (ALONSO, 2014, p. 37-44). Dentre essas biografias imaginárias, o foco
do presente artigo será na história de Carlos Ramírez Hoffman, o infame, que encerra a
obra.
Ramírez Hoffman nasceu em Santiago do Chile, em 1950. Iniciou a sua carreira em
1970 ou 1971, quando Salvador Allende subiu ao poder. Adotou o nome de Emilio Stevens
e frequentou oficinas de poesia em Concepción. Desapareceu após o Golpe de Setembro
de 1973 e ressurgiu nos céus de Santiago, escrevendo poesias de fumaças, ao pilotar um
Messerschmitt da Luftwaffe, linha de caças que foram utilizadas pela Alemanha Nazista
(BOLAÑO, 2019, p. 185-189).
As primeiras notas biográficas de Ramírez Hoffman destoam dos outros verbetes
de A Literatura Nazista na América por algumas características que devem ser
ressaltadas, a ver: primeiro, ao contrário das outras narrativas ficcionais apresentadas
entre duas a quatro páginas, a trajetória do Infame é descrita em 25 laudas; segundo,
Bolaño retratou a história de Ramírez Hoffman no estilo de um conto, cujo uso de
diálogos destoa do caráter enciclopédico das outras biografias; terceiro e último, o
próprio autor, ou seja, Bolaño mergulhou na história. Ele é o narrador principal deste
verbete e aparece no próprio conto de encerramento desta antologia ficcional.
Saudado como integrante da Força Aérea Chilena (FACH), Ramírez Hoffman
revela-se no conto como um assassino a serviço do governo do Gen. Pinochet, cujas
vítimas são adolescentes, nem todos vinculados à ideologia comunista, que conheceu e
estabeleceu laços quando assumiu a identidade de Emilio Stevens. Caiu em desgraça
quando inaugurou, para a elite chilena, uma exposição fotográfica com as imagens de
suas timas mortas e esquartejadas. O choque das imagens foi insuportável. Ramírez
Hoffman foi afastado do governo militar, saiu do Chile e participou de diversas revistas e
antologias poéticas fascistas publicadas no Uruguai, Chile e Brasil. Novamente, todos os
títulos são frutos da mente criativa de Bolaño.
o segundo, “[...] ainda mais importante, é o timing de lançamento do livro, que chega em meio a uma
crise de representação política e de tomada de poder pela extrema direita. É A literatura nazista na
América em meio a um noturno do Brasil.” (CARPEGGIANI, 2019). Neste artigo, trabalhei com a edição
brasileira de 2019.
O conto apresenta outra personagem. Cecilio Macaduck, poeta, que também
frequentou as oficinas literárias junto com Emilio Stevens no início do governo de
Allende. Essa personagem decidiu seguir os rastros de Stevens, agora como Ramírez
Hoffman e, a partir de uma intensa pesquisa em revistas e antologias poéticas, o
encontra em um pequeno livro chamado Entrevista com Juan Sauer, publicado pela
Editora Cuarto Reich Argentino. Revela-se que Sauer foi outra identidade utilizada por
Ramírez Hoffman. Apesar das poesias de qualidades questionáveis, o poeta-aviador-
fascista torna-se uma figura atraente nos círculos literários: “[...] em certos meios
chilenos e sul-americanos sua passagem fulgurante pela poesia se transforma em objeto
de culto. Mas são poucos os que têm uma ideia cabal de sua obra” (BOLAÑO, 2019, p.
199). Diante dessa mítica cultural, um grupo de jovens escritores partiu em uma
infrutífera busca pelo seu paradeiro que, aos poucos, despareceu do círculo cultural
chileno: “A ideia, no fundo tranquilizadora, de que Ramírez Hoffman também está morto
faz seu caminho entre os meios literários chilenos” (BOLAÑO, 2019, p. 200). Seu nome
foi ressuscitado quando investigações inauguradas após a reabertura democrática, a
partir da década de 1990, o colocaram como um dos principais membros de esquadrões
da morte da ditadura chilena, além de figurar em publicações de livros, revistas, teses,
entre outros, cujo foco foi a produção cultural do período de exceção inaugurado em
setembro de 1973. Outrossim, além de acusações, apoios também foram realizados sobre
a sua figura:
[...] Evidentemente, não faltam vozes que se levantam em sua defesa. Um
sargento da Inteligência Militar declara que o tenente Ramírez Hoffmann era
meio estranho, meio maluco e com explosões inesperadas, mas cumpridor como
poucos de suas obrigações na luta contra o comunismo. Um oficial do Exército
que participou com ele de certas atividades de repressão em Santiago vai mais
longe e afirma que Ramírez Hoffmann tinha toda razão quando dizia que não se
devia deixar vivo nenhum prisioneiro previamente torturado: ‘Tinha uma visão
da História, como posso lhe dizer, cósmica, em perpétuo movimento, com a
Natureza no meio de tudo, devorando-se e renascendo, uma visão repugnante,
mas brilhante com um portento, cavalheiro [...] (BOLAÑO, 2019, p. 200).
Na terceira e última parte da história, somos agraciados com o surgimento do
detetive Abel Romero, “[...] um dos policiais mais famosos da época de Allende.”
(BOLAÑO, 2019, p. 201). Contratado por uma personalidade chilena anônima, Romero
rastreou o paradeiro de Ramírez Hoffmann por meio de revistas literárias espanholas e
francesas, e por vídeos pornográficos caseiros de hard core. O detetive o localizou na
Espanha, agora com a identidade de Jules Defoe e entrou em contato com o próprio
Bolaño. O detetive necessitava de uma confirmação visual de que Defoe realmente era
Ramírez Hoffmann e o único que poderia fazer tal verificação era Bolaño, que no início
do verbete, revela um encontro com o poeta-aviador-fascista na identidade de Emilio
Stevens, no início da década de 1970. Hesitante, o narrador/autor aceitou a incumbência
e confirmou o reconhecimento que estava em questão, ao avistá-lo em uma cafeteria.
Defoe/Hoffmann partiu em direção ao seu prédio e, no entardecer, o detetive avisou a
Bolaño que deveria esperá-lo num banco de um parque. Pela estrutura narrativa da
história, somos, como leitores, conduzidos a crer que o objetivo de Romero era executar
Defoe/Hoffmann. Esta sensação foi compartilhada pelo narrador/autor em uma última
súplica:
[...] Não o mate, por favor, esse homem não pode fazer mal a ninguém, disse
eu [Bolaño]. Isso você não pode saber, disse Romero, e eu também não. Não
pode fazer mal a ninguém, disse eu. No fundo, eu não acreditava. Claro que
podia fazer mal. Nós todos podíamos fazer mal [...] (BOLAÑO, 2019, p. 208).
O verbete em formato de conto se encerra com Romero voltando do apartamento
de Defoe/Hoffmann e, depois, entregando uma pasta com documentos para Bolaño. Não
fica explicitado se a execução realmente aconteceu. No fim, Romero e Bolaño trocaram
poucas palavras e vão embora.
Com todos os detalhes apresentados acima, essa é a trajetória mais estruturada
de todas as biografias fictícias de A Literatura Nazista na América. Além da sua própria
ficha, Ramírez Hoffmann foi referenciado na história de Willy Schürholz, considerado seu
discípulo, nascido no Chile em 1956 e falecido futuramente, no ano de 2029, em Uganda
(BOLAÑO, 2019, p. 98). Todavia, a saga dessa personagem não se encerrou nesta
antologia e Bolaño realizou uma releitura de Ramírez Hoffmann em outra obra, no
formato de um romance, lançado em 1996. Trata-se de Estrela distante.
4
Logo no início,
como um prólogo, Bolaño avisou ao leitor que o livro é uma ampliação da história de
Carlos Ramírez Hoffmann:
[...] no último capítulo de meu romance La literatura nazi en América, narrava-
se de modo talvez esquemático demais (não passavam de vinte páginas) a
história do tenente Ramírez Hoffman, da FACH. Essa história me foi contada
pelo meu compatriota Arturo B, veterano das guerras floridas e candidato
suicida na África, que não ficou satisfeito com o resultado final. O último
capítulo da Literatura nazi servia como um contraponto, ou talvez como
anticlímax, para todo o conteúdo literário grotesco que o precedia, e Arturo
queria uma história mais longa, não como um reflexo ou um resultado da
explosão de outras histórias, e sim como reflexo e explosão em si mesma.
Portanto, isolamo-nos durante um mês e meio em minha casa de Blanes e, a
4
No Brasil, Estrela distante foi publicado em 2009 pela Companhia das Letras e uma nova edição saiu pela
Coleção Folha, Literatura Ibero Americana no ano de 2012. Ambas se encontram esgotadas e podem ser
encontradas apenas em sebos ou sites similares de livros usados. Como no caso de A Literatura Nazista
na América optei por analisar a edição brasileira de Estrela distante.
partir do último capítulo, ao embalo de seus sonhos e pesadelos, compusemos o
romance que o leitor tem em mãos agora. Minha função limitou-se a preparar
bebidas, consultar alguns livros e discutir, com ele e com o fantasma cada vez
mais vivo de Pierre Menard, a pertinência da repetição de vários parágrafos.
(BOLAÑO, 2009, p. 10).
No excerto acima, alguns trechos merecem ser destacados. A partir do uso da
metalinguagem, Bolaño revelou aos leitores que o subproduto descrito em Estrela
distante foi um desejo de Arturo Belano que, como destacado, é um autor-ego literário
criado pelo escritor chileno e utilizado em outras de suas obras. Bolaño colocou-se num
papel passivo, de apenas ouvir, anotar e escrever as lembranças de Belano, ou seja, um
jogo no qual ele dialogou consigo mesmo. A referência a Pierre Menard é um detalhe que
deve ser levado em consideração. Escrito por Jorge Luis Borges em 1939, o conto Pierre
Menard, el autor del Quixote, narrou a história da personagem do título que, ao estudar
o clássico de Miguel de Cervantes, recriou linha por linha a trajetória do Cavaleiro da
Triste Figura (BORGES, 2005). Sem me prolongar nos temas essenciais que tal conto
suscita, como a questão da autoria, tradução e plágio, cabe destacar que Bolaño investiu-
se no papel de Menard ao recriar, quase linha por linha, a saga de Carlos Ramírez
Hoffman.
Em Estrela distante Carlos Ramírez Hoffman assumiu o nome de Carlos Wieder e
sua identidade inicial de Emilio Stevens passou a ser de Alberto Ruiz-Tagle. A saga de
Wieder seguiu a mesma estrutura da narrativa apresentada em A Literatura Nazista na
América, como o seu envolvimento com jovens poetas no início do governo de Allende, a
sua passagem para tenente da FACH, os poemas escritos nos céus chilenos após o Golpe
de 1973, a sua queda com a polêmica exposição fotográfica seguida do seu
desaparecimento e, por fim, o seu encontro com o detetive Abel Romero que manteve
o seu mesmo nome no verbete de Ramírez Hoffman na Espanha. Para transformar um
conto de 25 páginas em um romance de 157 laudas, Bolaño acrescentou muitos trechos e
expandiu diversos episódios. Como exemplo, o encontro de Belano/Bolaño com o
detetive Romero foi mais detalhado e ambos, inclusive, debateram diversos trechos de
“Os Miseráveis”, romance clássico de Victor Hugo (BOLAÑO, 2009, p. 115). A exposição
fotográfica ganhou contornos mais detalhados, no qual foi descrita a imagem de muitas
mulheres desmembradas e destroçadas, como peças de manequins e um dos
observadores supôs que muitas das timas ainda estavam vivas no momento em que
foram fotografadas e desfiguradas por Wieder (BOLAÑO, 2009, p. 88). Em suma, o
horror e a violência do poeta-aviador-fascista ganharam proporções densas em Estrela
distante. Inclusive, Bolaño apresentou uma referência de sua antologia fascista,
publicada anteriormente, na personagem de Bibiano O’Rien antes Cecilio Macaduck
que, em conversa com Belano, revelou o seguinte projeto:
[...] escrever um livro, uma antologia nazista americana. Um livro grandioso [...]
que conteria todas as manifestações da literatura nazista no nosso
continente, desde o Canadá (onde os quebequenses podiam render muito) até o
Chile, onde certamente encontraria tendências para todos os gostos. (BOLAÑO,
2009, p. 47, grifo nosso).
Exercida com êxito a função de Pierre Menard, Bolaño jogou aos leitores dois
pontos interessantes em Estrela distante. Primeiro, a questão da arte e política. De
acordo com Luciano Alonso, a performance vanguardista exercida por Carlos Wieder no
romance, seja com os poemas escritos nas fumaças dos céus ou a sangrenta exposição
fotográfica, colocou em debate um eventual diálogo da arte com a violência: “Será que a
arte está ligada à moralidade? Existe uma arte ética e uma arte antiética? Uma arte boa e
uma arte ruim? Embora essas questões não sejam levantadas diretamente, eles pairam
sobre sua leitura.” (ALONSO, 2014, p. 59, tradução nossa).
5
A partir desta discussão,
Kahlil Chaar Pérez argumentou que Bolaño poderia ter se inspirado no poeta Raúl Zurita
para criar as performances de Wieder (PÉREZ, 2011, p. 654). Zurita nasceu em Santiago
do Chile em 1950 e, assim como muitos de sua geração, também foi impactado pelo
Golpe de Setembro de 1973. Queimou a face esquerda do próprio rosto quando foi detido
por militares chilenos em 1975 e sempre exerceu uma escrita ácida sobre o Chile, as
artes, a poesia, a política e o sentido da vida. Em 1982, na cidade de Nova Iorque, cinco
aviações realizaram uma exibição na qual traçaram 15 versos de seu poema La Vida
Nueva. Para Pérez:
As performances aéreas de Wieder e seu simbolismo judaico-cristão de
sacrifício e ressurreição são alusões claras às performances de Zurita [...].
Estrela distante problematiza a proposta de vanguarda de Zurita para sintetizar
arte e vida de uma política de esquerda, sugerindo assim que o absolutismo
desse projeto utópico pode corresponder também a práticas culturais não só de
direita, mas também aliadas ao poder ditatorial. (PÉREZ, 2011, p. 654-655,
tradução nossa).
6
5
[No original] “¿Es que el arte está ligado a la moral? ¿Existe un arte ético y un arte no ético? ¿Un arte
bueno y un arte malo? Aunque estos interrogantes no llegan a plantearse de manera directa, sobrevuelan a
su lectura.” (ALONSO, 2014, p. 59).
6
[No original] Las performances aéreas de Wieder y su simbología judeo-cristiana de sacrificio y
resurrección son claras alusiones a las performances de Zurita […] Estrella distante problematiza la
propuesta vanguardista de Zurita de sintetizar el arte y la vida a partir de una política izquierdista,
sugiriendo así que el absolutismo de este proyecto utópico puede corresponder también a prácticas
culturales no sólo de derecha, sino también aliadas al poder dictatorial.” (PÉREZ, 2011, p. 654-655).
Segundo Alonso, Bolaño não atribuiu uma ligação direta entre Wieder e Zurita ao
defender que a sua personagem “[...] opera como uma espécie de reflexo de espelho,
deformado e reinventado” (ALONSO, 2014, p. 58, tradução nossa).
7
Ambos os autores,
Alonso e Peréz, detectaram essa relação da arte como um instrumento de legitimação
cultural utilizada por diversas formas de governo, e cabe destacar que a personagem
literária de Wieder não caiu em desgraça porque perseguiu ou matou potenciais
opositores do governo do Gen. Pinochet, e sim, porque expôs nas fotografias todo o lado
selvagem e repressor desse regime, no qual a grande burguesia não queria se vincular
quando colocada ao lume. O Chile do Gen. Pinochet representou a contradição em que o
poeta-aviador-fascista lidou com grande desenvoltura: “[...] Ruiz Tagle, poeta
encantador, também é Carlos Wieder, assassino fascista” (ALONSO, 2014, p. 62,
tradução nossa).
8
Para encerrar essa análise, um detalhe merece destaque: o nome de
Alberto Luiz-Tagle, identidade de Wieder no início de Estrela distante. Peréz vinculou
esse sobrenome com Eduardo Frei Ruiz-Tagle, segundo presidente chileno eleito após o
período da redemocratização (1994-2000), que, em sua análise, Bolaño utilizou para
expressar um descontentamento com os rumos que o seu país natal tomou após o
período ditatorial, quando, ao fim do romance, o detetive Abel Romero revelou para
Belano/Bolaño que voltaria ao Chile para abrir um estabelecimento funerário, destinados
a ricos e empresários:
Por meio dessa referência à casa funerária, não o caráter letal da exploração
da ordem capitalista é ironicamente enfatizado, mas também a relação implícita
que o texto traça entre o trauma ditatorial e essa ordem. Essa relação é
evidenciada ao notar que o nome original de Wieder é Alberto Ruiz-Tagle, o
mesmo sobrenome do presidente chileno que liderou o “enriquecimento” de seu
país durante a onda neoliberal dos anos 1990. Ao vincular o governo de Ruiz-
Tagle ao de Pinochet, Estrela distante questiona a concepção do período pós-
ditatorial como uma ruptura com os horrores da ditadura ou, por outro lado,
como um momento de transição para os valores igualitários da democracia. A
ditadura deixa de ser concebida como um acontecimento singularmente ilógico
a ser repensado a partir da lógica do mercado. O catastrófico passa a ser
indicado nas redes do capital, espectro que determina a outra catástrofe
sugerida no romance: a violência sistêmica perpetrada pelo neoliberalismo.
Desse modo, o romance se distancia criticamente da obsessão melancólica com
o trauma da ditadura, confronta e processa a fantasia de enquadrar o golpe de
Pinochet como uma catástrofe singular efetuada por forças irracionais além do
quadro histórico. (PÉREZ, 2011, p. 657-658, tradução nossa).
9
7
[No original] “[...] opera como una suerte de reflejo especular, deformado y reinventado.” (ALONSO, 2014,
p. 58).
8
[No original] “[...] Ruiz Tagle, poeta encantador, también es Carlos Wieder, asesino fascista.” (ALONSO,
2014, 62).
9
[No original] A través de esta referencia a la empresa funeraria se enfatiza irónicamente no sólo el
carácter letal de la explotación del orden capitalista, sino también la relación implícita que el texto traza
entre el trauma dictatorial y dicho orden. Esta relación se evidencia al notar que el nombre original de
Wieder es Alberto Ruiz-Tagle, el mismo apellido del presidente chileno que encabeel ‘enriquecimiento’
Vejamos agora o caso de Noturno do Chile.
Publicado no ano 2000, em Noturno do Chile Bolaño revisitou o Chile de Allende
e do Gen. Pinochet.
10
A estrutura desse romance é bastante distinta, pois Bolaño o
escreveu em apenas dois parágrafos. O primeiro perpassa toda a narrativa da história em
109 páginas e o último, bem provocador, encerra com apenas oito palavras: “E depois se
desencadeia a tormenta de merda” (BOLAÑO, 2004, p. 118).
11
O romance, em formato de
monólogo, narrou as memórias do padre Sebastian Urrutia Lacroix, que, em seu leito de
morte, recordou toda a sua vida. Em primeira pessoa, Lacroix relatou a sua infância, a
sua formação clerical, a consagração de Pablo Neruda com o Nobel de Literatura, a
chegada de Salvador Allende ao poder, o Golpe de Estado e a implantação da ditadura do
Gen. Pinochet (BOLAÑO, 2004).
Após a derrocada de Allende, Lacroix foi procurado por dois agentes do governo
ditatorial, Oidó e Odem
12
, e foi convocado para ministrar aulas dos clássicos marxistas
para o Gen. Pinochet e sua junta militar. Quando indagou o General usurpador sobre as
motivações destas aulas, recebeu como resposta que o objetivo era tornar-se um
intelectual de envergadura para neutralizar uma aura que Allende recebeu após o seu
suicídio:
[...] Um intelectual tem de ler e estudar, ou não é um intelectual, disso até os
mais idiotas sabem. Que o senhor acha que Allende lia? Meneei levemente a
cabeça e sorri. Revistas. lia revistas. Resumos de livros. Artigos que seus
sequazes recortavam. Sei de boa fonte, acredite. (BOLAÑO, 2004, p. 90).
As aulas transcorreram normalmente, foram finalizadas, Lacroix questionou o seu
papel neste governo de exceção, abriu o seu coração e comentou as suas angústias para
de su país durante la ola neoliberal de los noventa. Al vincular el gobierno de Ruiz-Tagle y el de Pinochet,
Estrella distante pone en cuestión la concepción del periodo posdictatorial como una ruptura con los
horrores de la dictadura o, por otro lado, como una época de transición hacia los valores igualitarios de la
democracia. La dictadura deja de ser concebida como un evento singularmente ilógico para ser repensada
a partir de la lógica del mercado. Lo catastrófico está señalado entonces bajo las redes del capital, espectro
que determina la otra catástrofe que se sugiere en la novela: la violencia sistémica efectuada por el
neoliberalismo. De esta manera la novela se distancia críticamente de la obsesión melancólica con el
trauma de la dictadura, y confronta y procesa la fantasía de fijar el golpe de Pinochet como una catástrofe
singular efectuada por fuerzas irracionales más allá del marco histórico.” (PÉREZ, 2011, p. 657-658).
10
Traduzido para o português em 2004, Noturno do Chile foi a primeira obra de Ricardo Bolaño publicada
em solo brasileiro, pela Companhia das Letras e atualmente encontra-se esgotada. Como nos outros casos,
utilizei no artigo a edição brasileira. É interessante destacar que as obras de Bolaño começaram a ser
publicadas no Brasil após o seu falecimento em 2003 e, quando a crítica especializada o havia alçado à
categoria de um dos nomes mais importantes da literatura latino-americana no Século XX.
11
Em sua última entrevista para Mónica Maristain, Bolaño revelou que inicialmente Noturno do Chile iria
ter o título de Tormentas de mierda. Mudou de ideia após sugestão de Juan Villoro e Jorge Herralde.
(MARISTAIN, 2010, p. 32).
12
Ambas as personagens, Oidó e Odem, são anagramas das palavras ódio e medo. (SOUSA, 2019, p. 130).
Farewell, um famoso crítico literário e seu amigo. A partir deste ponto, o romance seguiu
para o seu terceiro ato com a entrada da personagem de María Canales. Casada com o
estadunidense James Thompson, Canales foi uma grande socialite e, em sua mansão
luxuosa localizada na capital chilena, promoveu saraus e encontros com a
intelectualidade cultural do país de Pablo Neruda. Em suas memórias, Lacroix recordou-
se que um amigo lhe contou que, um dia, quando estava nesses encontros, ficou bêbado
e, ao procurar o banheiro, deparou-se com uma cena violenta:
[...] Finalmente [ele] chegou a um corredor mais estreito que todos os outros e
abriu uma última porta. Viu uma espécie de cama metálica. Acendeu a luz. Sobre
a cama havia um homem nu, amarrado pelos pulsos e tornozelos. Parecia
dormir, mas essa observação é difícil de verificar, pois uma venda lhe cobria os
olhos. O extraviado ou extraviada, sumida instantaneamente a bebedeira,
fechou a porta e tornou em silêncio sobre seus passos. Quando chegou à sala,
pediu um uísque, depois outro, e não disse nada. (BOLAÑO, 2004, p. 109).
Na mesma linha de contos ou filmes de terror e suspense, a casa de Canales, que
em seu piso superior era recheada de alegria, bebidas e discussões sobre poemas e artes,
nas sombras, no porão, funcionava uma sala de tortura e esse era o seu grande segredo.
Com o retorno democrático em 1990, Lacroix decidiu visitar Canales. Encontrou a
socialite sozinha em sua mansão luxuosa, vazia e abandonada. Muitos intelectuais,
artistas, poetas, entre outros, que frequentaram esse local, com a democracia chilena,
passaram a ignorar a sua existência. Em suas memórias, o sacerdote mostrou-se
estarrecido com o abandono que Canales sofreu. As festas abundantes de sua mansão se
tornaram lendas entre a burguesia e a intelectualidade chilena. Todavia, o terror ainda
residia nas memórias de sua dona, que recordou para o padre as mortes de um
funcionário espanhol da Unesco e de Cecília Sánchez Poblete: “[...] Às vezes eu estava
vendo televisão com os meninos, e faltava luz um instante. Não ouvíamos nenhum grito,
faltava eletricidade de repente e depois voltava.” (BOLAÑO, 2004, p. 115). O romance
terminou com o funeral solitário de Canales e com Lacroix, agonizando em sua cama e
repensando, melancolicamente, em como a sua vida esteve interligada com esses dois
Chiles, um que nasceu no sonho de um socialismo pela democracia e do outro que se
tornou um pesadelo pelas armas da ditadura neoliberal.
Noturno do Chile é um romance que apresenta uma estrutura mais elaborada em
comparação com Estrela distante, tanto em sua narrativa, como em sua condução
literária. Ao contrário da trajetória de Carlos Wieder, personagens históricos apareceram
com destaque na saga de Lacroix, como já exposto acima, em referências a Pablo
Neruda, Salvador Allende e o Gen. Augusto Pinochet. É interessante frisar que apenas o
ditador tem diálogos próprios no romance e, ao contrário de Zurita, cuja inspiração para
a criação de Wieder foi contemporizada por Bolaño, as personagens principais de
Noturno do Chile foram sugestionadas em pessoas reais. O protagonista, Sebastian
Urrutia Lacroix foi inspirado em José Miguel Ibáñez Langlois. Nascido em 1936 e membro
da Opus Dei, Ibáñez Langlois é autor de diversos ensaios políticos, filosóficos e, sob o
pseudônimo de Ignacio Valente, escreveu críticas literárias para o periódico El Mercurio.
Atualmente, exerce a função de capelão e é docente de Teologia Moral na Universidad de
los Andes, no Chile (SOUSA, 2019, p. 130). No caso de María Canales, a mecenas foi
criada a partir de Mariana Inés Callejas. Nascida em 1932 e falecida em 2016 no Chile,
Inés Callejas foi uma intelectual chilena e participou ativamente do governo do Gen.
Pinochet. Foi casada com Michael Vernon Townley, nascido em 1942, ex-agente
estadunidense e integrante da polícia secreta do governo ditatorial chileno. Townley
surgiu no romance bolañesco na pele de Jimmy Thompson, o cônjuge de Maria Canales
(SOUSA, 2019, p. 130). Dito isto, Noturno do Chile possui elementos que poderiam defini-
la como um romance ou novela histórica. Todavia, Luciano Alonso ponderou que a
leitura dessa obra vai além dessas categorizações literárias:
Os chamados Romances Históricos fazem ficção a partir de acontecimentos
reais. Ou seja, em dados documentados que podem ser verificados por meio de
depoimentos. Noturno do Chile é baseado em acontecimentos reais, mas não
pode ser considerado um romance histórico, porque o foco da atenção não está
nos acontecimentos, nem mesmo nos personagens, mas no fluxo da
consciência, nas digressões intelectuais e filosóficas. Inclusive nos jogos
estruturais. Impor história à ficção, impor política à arte, não desacredita a
ficção, ou a arte, mas reduz seu potencial mítico. E esse é um risco que deve ser
levado em conta, quando se pensa no Nocturno de Chile (e em toda a obra de
Roberto Bolaño).
É verdade que os episódios aludidos no romance referem-se à história do Chile.
A maior parte dos acontecimentos no romance são verdadeiros, o que pode ser
interpretado como testemunho, até mesmo como uma denúncia dos horrores da
ditadura. Mas não devemos esquecer que se trata de uma obra de arte e, como
tal, contém muito mais do que revela. Podemos ver em Noturno do Chile uma
espécie de ajuste de contas de Roberto Bolaño com a história do Chile, uma
espécie de reivindicação política. Mas corremos o risco de não ver mais do que
isso. Um libelo panfletário sujeito a um tempo e a um lugar específico.
(ALONSO, 2014, p. 104, tradução nossa).
13
13
[No original] Las, así llamadas, Novelas Históricas hacen ficción basada en hechos reales. Es decir, en
datos documentados que pueden verificarse a través de testimonios. Nocturno de chile se basa en hechos
reales, pero no puede ser considerada una novela histórica, porque el foco de atención no se pone en los
sucesos, ni siquiera en los personajes, sino en el fluir de la conciencia, en las digresiones intelectuales y
filosóficas. Incluso, en los juegos estructurales. Imponer la historia sobre la ficción, imponer la política
sobre el arte, no desacredita la ficción, ni al arte, pero reduce su potencial mítico. Y ese es un riesgo que
hay que tener en cuenta, a la hora de pensar Nocturno de Chile (y toda la obra de Roberto Bolaño). Es
cierto que los episodios aludidos en la novela hacen referencia a la historia de Chile. Son ciertas la mayoría
de las cosas a las que se alude en la novela, que puede interpretarse como testimonial, incluso como una
denuncia de los horrores de la dictadura. Pero no hay que olvidarse que es una obra de arte y, como tal,
contiene mucho más de lo que revela. Podemos ver en Nocturno de Chile una suerte de ajuste de cuentas
de Roberto Bolaño con la historia de Chile, una suerte de reivindicación política. Pero corremos el riesgo
de no ver más que eso. Un libelo panfletario sujeto a un tiempo y lugar específico.” (ALONSO, 2014, p. 104).
Ao colocar ambos os enredos lado a lado, Ignacio López-Vicuña realizou uma
crítica à literatura enquanto manifestação do progresso, da civilização e da modernidade:
“[...] É precisamente para desmantelar esta ideologia que visam os textos de Bolaño, que
se interessa em usar a escrita para levar o leitor a um lugar incômodo onde civilização e
barbárie, criação artística e violência, salvação e condenação são indistinguíveis.”
(LÓPEZ-VICUÑA, 2009, p. 201, tradução nossa).
14
Enquanto com Ramírez
Hoffmann/Wieder, Bolaño traçou uma trama que envolve oficinas literárias estudantis do
período de Allende, passando por performances artísticas e pelas ficcionais revistas
poéticas fascistas, em Lacroix, o escritor chileno apresentou ao leitor um sacerdote
intelectual e crítico literário, que acompanhou com indiferença o Golpe de 11 de setembro
de 1973, ministrou aulas para a junta militar usurpadora e presenciou saraus e encontros
poéticos em uma mansão, ao mesmo tempo era um templo de tortura, dor e morte. Se na
primeira personagem, um assassino fascista, o arrependimento e o perdão não seriam
sentimentos condizentes com a sua personalidade, o segundo, o padre, também não é
apresentado esses lampejos de consciência. Em seu encontro com Canales, após a
redemocratização chilena, a socialite revelou para Lacroix que gostaria de conversar
sobre literatura com os jornalistas. Contudo, a opinião pública chilena estaria interessada
apenas em política e nas torturas empregadas pelo seu ex-marido, Jimmy. Lacroix a
perdoou e, no caminho de volta para Santiago, pensou nas palavras de Canales sobre o
mundo cultural das letras:
[...] É assim que se faz literatura no Chile, mas não no Chile, também na
Argentina e no México, na Guatemala e no Uruguai, e na Espanha, na França e
na Alemanha, e na verde Inglaterra, e na alegre Itália. Assim se faz literatura. Ou
o que nós, para não cair na sarjeta, chamamos de literatura. (BOLAÑO, 2004, p.
115).
Evidencia-se a crítica de Bolaño à concepção de uma literatura enquanto
manifestação redentora e humanista, quando diversos países são colocados lado a lado
na produção de cidades das letras violentas e hipócritas. Em A Literatura Nazista na
América, além do verbete trabalhado neste artigo, o universo letrado convive
pacificamente com o fascismo, o nazismo e outras ideologias bestializadas, além de criar
raízes, crescer e florescer em frutas literárias como livros, revistas, editoras, entre
outros. O mesmo encontro da poesia com a maldade persiste em Estrela distante e em
14
[No original] “[...] Es precisamente a desmontar esta ideología que apuntan los textos de Bolaño, a quien
le interesa utilizar la escritura para llevar al lector a un lugar incómodo donde se indistinguen civilización y
barbarie, creación artística y violencia, salvación y condena.” (LÓPEZ-VICUÑA, 2009, p. 201).
Noturno do Chile, o único momento de autocrítica revela-se quando Lacroix indagou-se
se seria perdoado pelos seus pares após as aulas ministradas de marxismo para o Gen.
Pinochet e sua trupe: “[...] Se contasse aos meus amigos escritores o que havia feito,
teria sua aprovação? Alguns manifestariam uma rejeição absoluta ao que eu havia feito?
Alguns compreenderiam e perdoariam?” (BOLAÑO, 2004, p. 89).
Ao discorrer sobre os pressupostos teórico-metodológicos da Literatura com a
História, Júlio Pimentel Pinto teorizou sobre o cuidado que os profissionais de Clio têm
de ter com o contexto, pois o mesmo também é uma construção nos textos literários:
[...] Não pode, portanto, [o contexto] operar como garantia de verdade por trás
do enredo ficcional, nem atuar como balizador da precisão da representação
imaginativa. Da mesma maneira, não ‘reflete’ ou ‘espelha’ o que foi vivido,
independentemente do compromisso que o texto ostente. O texto dialoga (e o
leitor incorpora-se a esse diálogo e o desenvolve) com o passado e o representa
conforme suas convenções, enquanto o real continua apenas um retrato na
parede, e as dores vividas, expressas e lidas prosseguem paralelas. (PINTO,
2020, p. 32).
As ponderações elencadas por Pinto são importantes para evitarmos uma redução
analítica, seguida de uma conclusão prévia, de que as obras investigadas neste artigo são
apenas representações de Bolaño sobre o período em que esteve no Chile, de agosto de
1973 a janeiro do ano posterior. Contudo, devem-se evitar generalizações, e o contexto
da produção literária desses escritos não pode ser deixado de lado. Noturno do Chile foi
escrito após a visita de Bolaño ao seu país natal 25 anos depois, e o seu enredo
demandou muito de sua criatividade, como revelado para o jornalista Rodrigo Pinto, no
periódico Las Últimas Noticias, em 17 de dezembro de 2000: “[Noturno do Chile é...] o
maior desafio que enfrentei em termos de estilo” (BOLAÑO Apud. PINTO, 2000, p. 12,
tradução nossa).
15
Em outra entrevista, dois anos antes para o jornalista William
Haltenhoff, do periódico La Nación, de Santiago, Bolaño mostrou-se incomodado com
dois aspectos que testemunhou em sua passagem ao país chileno:
- A homofobia, por exemplo, não me lembro de um Chile tão homofóbico como
agora e com esse papel forte do clero como tinham me contado. Não recordo
que antes os curas tivessem tanto peso como agora.
- Como percebeu a homofobia?
- Conversando com amigos gays que se sentem muito fudidos. Além disso, não
me lembro, desde criança, que a Igreja tinha tanto poder quanto hoje. (BOLAÑO
Apud. HALTENHOFF, 1998, n/c, tradução nossa).
16
15
[No original] “[Nocturno del Chile es...] el mayor desafío que me he planteado en cuanto a estilo.”
(BOLAÑO Apud. PINTO, 2000, p. 12). Consultar em http://www.memoriachilena.gob.cl/602/w3-article-
92540.html. Acesso em: 28 abr. 2020.
16
[ No original] - La homofobia por ejemplo, no recuerdo que Chile sea tan homofóbico como es ahora o
ese rollo clerical que me han contado. No recuerdo que antes los curas tuvieran tanto peso como ahora.-
Bolaño encontrou um Chile homofóbico, influenciado pela Igreja Católica e
impactado pela prisão do Gen. Pinochet, decretado pelo juiz espanhol Baltasar Garzón
em outubro de 1998. Em suma, um país hipócrita do que recordava há 25 anos, quando se
juntou a UP de Salvador Allende. A hipocrisia presente na personagem de Lacroix, que
espera ser perdoada pelas aulas ministradas para os generais e nos letrados que
desprezaram a sua antiga mecenas, María Canales, pode ser uma releitura crítica de
Bolaño para o campo cultural chileno que se deparou em 1998. Patricia Espinosa vai ao
encontro dessa afirmação, ao analisar uma inércia da intelectualidade do Chile, herdada
desde o período da ditadura:
No Chile, acostumamo-nos ao monólogo e ao silêncio, as formas mais
consolidadas de marginalização [...] O horror da frontalidade, mais o discurso
desviante, o silêncio desconfiado diante do que se desloca: legados da ditadura
que a intelectualidade chilena internalizou de forma atroz. (ESPINOSA, 2003, p.
14-15, tradução nossa).
17
Seguindo para a conclusão, Ignácio López-Vacuña apresentou uma leitura da
epígrafe de Noturno do Chile, a ver: “Tire a peruca. Chesterton” (BOLAÑO, 2004, p. 07).
De acordo com a análise de López-Vacuña, com essa pequena frase Bolaño “[...] nos
convida a renunciar às pretensões de nobreza, imparcialidade e superioridade da
literatura, e a reconhecer que em toda a literatura também hipocrisia, má-fé e
traição.” (LÓPEZ-VACUÑA, 2009, p. 212, tradução nossa).
18
O conto, The Purple Wig, de
autoria de Gilbert Keith Chesterton (1874-1936), narrou, por meio das aventuras do seu
famoso personagem, o Padre Brown, o encontro do sacerdote com um impostor, que,
por meio de uma peruca ruiva, objetivava passar por um nobre, um duque. Ao forçar o
embusteiro a mostrar sua verdadeira face, o Padre Brown não descobre nada de especial
nele e a magia da farsa é totalmente anulada: “Tirar a peruca significaria, portanto,
renunciar às pretensões de distinção, de pertencimento a um grupo seleto, de
preservação de alguma aura que os literatos - independente de sua orientação política
¿Cómo notas lo de homofóbico?- Conversando con amigos homosexuales que se sienten bastante
jodidos. Además, no recuerdo desde niño que la Iglesia tuviera tanto poder como lo tiene hoy. (BOLAÑO
Apud. HALTENHOFF, 1998, n/c). Consultar em http://www.memoriachilena.gob.cl/602/w3-article-
76478.html. Acesso em: 22 nov. 2020.
17
[No original] En Chile nos hemos acostumbrado al monólogo y al silencio, las más consolidadas formas
de marginación. El horror a la frontalidad, más el discurso desviado, el silencio desconfiado ante lo que
descoloca: herencias de la dictadura que la intelligentzia chilena ha internalizado en forma atroz.”
(ESPINOSA, 2003, p. 14-15).
18
[No original] “[...] nos invita a renunciar a las pretensiones de nobleza, imparcialidad y superioridad de la
literatura, y a reconocer que em toda literatura hay también hipocresía, mala fe y traición.” (LÓPEZ-
VACUÑA, 2009, p. 212).
ainda conservam.” (LÓPEZ-VACUÑA, 2009, p. 212, tradução nossa).
19
Para Bolaño, essa
peruca ruiva é uma imagem hipócrita da literatura, não apenas chilena, como também de
diversos países.
Considerações parciais: entre a Memória e o Esquecimento, a Resistência Oculta
As diversas obras literárias produzidas sobre as ditaduras da América Latina, que
se enquadram na categoria de romances históricos, novelas de los dictadores, entre
outros estilos similares, trabalham em suas páginas com a Memória e o Esquecimento.
Esses dois conceitos cruciais para o labor histórico travam um duelo narrativo de
preservação do sombrio passado latino-americano. A Memória presente em romances
sobre o período ditatorial tem na vivência ou na perspectiva do passado de seus autores
uma batalha discursiva contra o Esquecimento que alguns governos, com destaque para
o Brasil, anseiam em moldar. As violências, arbitrariedades, censuras e as mortes dos
anos de chumbos da América Latina não podem cair no mar da abstração.
Concomitantemente, as tramas apresentam uma multiplicidade interpretativa que desafia
o historiador, como apresentado por Beatriz Sarlo: “Uma trama constitui uma sintaxe
cujos princípios são hipóteses e costuma estar regulada por uma idéia (sic) (ou por
várias, às vezes em conflito) de que seja uma história que vale a pena ser contada.”
(SARLO, 2016, p. 78).
Em uma entrevista resgatada no youtube, para o programa argentino Perfiles de
dos continentes, intitulada Roberto Bolaño: una mirada crítica provavelmente de
2003, mas sem informação precisa da data o escritor chileno relembrou da sua
participação no dia do Golpe de 1973: “Lembro que tem um momento, no dia 11 de
setembro, em que esperei que me dessem armas para sair, lutar, e ouvi Allende dizer em
seu discurso, nas entrelinhas, para casa, o tempo vai passar e voltaremos a andar
pelas avenidas.” (BOLAÑO, [?], tradução nossa).
20
A Memória deste momento de
resistência está presente em outra perspectiva na produção literária bolañesca do Chile
de Allende e do Gen. Pinochet. Tanto no verbete, quanto nos romances analisados neste
artigo, Bolaño traçou tramas focadas na saga dos colaboradores, voluntários ou não, do
regime do Gen. Pinochet. Da mesma maneira, quando Bolaño tornou-se personagem de
seus enredos, nas trajetórias de Hoffmann/Wieder, exerceu um papel secundário ou de
19
[No original] Por lo tanto, quitarse la peluca significaría renunciar a las pretensiones de distinción, de
pertenecer a un grupo selecto, de conservar algún aura, que los literatos independientemente de su
orientación política todavía conservan.” (LÓPEZ-VACUÑA, 2009, p. 212).
20
[No original]"Yo recuerdo que hay un momento, en el once de septiembre, en el que estoy esperando
que me den armas para salir a luchar, y escucho que Allende dice en su discurso, entre líneas, vayan a sus
casas, ya pasará el tiempo y volverá el hombre nuevo a caminar por las alamedas." (BOLAÑO, [?]).
coadjuvante. Todavia, quando expõem as mortes e torturas empregadas por tais
personagens e, somadas com as contradições da arte e da hipocrisia da intelectualidade
chilena, Bolaño, a partir de outro horizonte, denunciou e resistiu contra o Esquecimento
da era do Gen. Pinochet. Entramos neste universo literário pela visão dos torturadores,
dos colaboradores e supostos “vencedores” dessa “Batalha pelo Chile”.
Além dessa cumplicidade macabra, em outros contos que deixei de lado em minha
análise, como O Olho Silva, epígrafe que abriu o presente artigo, Bolaño deu vida para
uma juventude que fugiu do teatro do horror chileno iniciado em 1973.
Antonio Candido já afirmou que “A literatura confirma e nega, propõe e denuncia,
apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas.”
(CANDIDO, 2011, p. 177) e é possível localizar esse movimento na escrita de Bolaño,
contudo, a partir de uma resistência oculta. As principais investigações sobre Estrela
distante, Noturno do Chile e outros contos de Bolaño que apresentam referências sobre
o Chile da década de 1970, quase todas na área da linguística e literatura, analisam a
crítica do escritor chileno sobre o campo intelectual e o universo de letras, com ênfase
na exposição da violência e da maldade latino-americanas. Seria possível apresentar
outra interpretação dessas observações? Ouso dizer que sim. Além desses aspectos
referenciados, temos nas obras analisadas neste artigo uma resistência oculta no
universo criado por Bolaño. Ramírez Hoffmann/Wieder, após um passado de glórias,
encontrou o seu destino melancólico e solitário nas mãos de Abel Romero que,
representa o Chile democrático, e a vingança do seu passado violento, sangrento e
ditatorial. Lacroix encontra o seu fim também em um ambiente melancólico, procurando
redenção no Chile hipócrita, que antes celebrava na mansão de Canales, para depois
jogá-la no abismo do esquecimento. Em ambas as narrativas a resistência está presente,
mas não no embate explícito e, sim, nas estrelinhas, nas sombras, na exposição da
violência das personagens que celebraram o 11 de setembro de 1973, e que depois
pagaram por ter escolhido esse lado da história. É o que eu denomino de resistência
oculta.
Esse ato faz com que a literatura de Bolaño desnude as contradições e hipocrisia
da intelectualidade chilena no período do projeto socialista, da ditadura e da redenção no
retorno democrático, coloca em xeque uma suposta missão humanista da arte com
destaque à Literatura e demostra que as várias formas de violências se tornaram parte
de muitas sociedades latino-americanas. Indo ao encontro de Candido, é uma literatura
que confirma, nega e denuncia, mas a partir de outro olhar, de uma resistência oculta.
Por fim, em diálogo com Sarlo, as tramas de Bolaño são ideias em conflito, com enredos
que apresentam várias possibilidades de interpretação para os seus leitores. Aqui, lancei
apenas um caminho decodificador desta rica e intensa produção literária.
Referências
ALONSO, Luciano. Roberto Bolaño. Una guía de lectura. Argentina: Milena Caserola,
2014.
ANGELL, Alan. Chile, 1958-c.1990. In: BETHELL, Leslie (org.). História da América Latina
(Volume IX): A América Latina após 1930: xico, América Central, Caribe e Repúblicas
Andinas. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2015. p. 853-929.
BOLAÑO, Roberto. Noturno do Chile. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
BOLAÑO, Roberto. Os detetives selvagens. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
BOLAÑO, Roberto. O Olho Silva. In: BOLAÑO, Roberto. Putas assassinas. 1.ª ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 11-25.
BOLAÑO, Roberto. Carnê de baile. In: BOLAÑO, Roberto. Putas assassinas. 1.ª ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 201-210.
BOLAÑO, Roberto. Estrela distante. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
BOLAÑO, Roberto. Carlos Ramírez Hoffman. In: BOLAÑO, Roberto. A Literatura Nazista
na América. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. p. 185-208.
BOLAÑO, Roberto. Roberto Bolaño: una mirada crítica. [?] (24m33s). Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=XUXA6qH7asI. Acesso em: 28 mar. 2020.
BORGES, Jorge Luis. Pierre Menard, autor del Quijote. In: BORGES, Jorge Luis. Obras
Completas. Buenos Aires: Emecé Editores, 2005. p. 475-482. v. 4.
BUCHER, Matt. Coragem e verdade. Uma defesa do mito Bolaño. In: PEREIRA, Antonio
Marcos; RIBEIRO, Gustavo Silveira. Toda a orfandade do mundo: escritos sobre Roberto
Bolaño. Belo Horizonte - MG: Relicário Edições, 2016. p. 165-174.
CANDIDO, Antonio. O Direito à Literatura. In: CANDIDO, Antonio. Vários escritos. 5.ª
ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2011. p. 171-193.
CARPEGGIANI, Schneider. Bolaño, “A literatura nazista na América” e um Noturno do
Brasil. Pernambuco, Recife, p. 01, n/c, 03, abr. 2019. Suplemento Cultural do Diário
Oficial do Estado. Disponível em:
https://www.suplementopernambuco.com.br/artigos/2257-bola%C3%B1o,-a-literatura-
nazista-na-am%C3%A9rica-e-um-noturno-do-brasil.html. Acesso em: 20 abr. 2020.
ESPINOSA, Patricia. Territorios en fuga: estudios críticos sobre la obra de Roberto
Bolaño. Santiago: Frasis Editores, 2003.
HALTENHOFF, William. “Yo jodo mucha la paciencia”: Roberto Bolaño, escritor,
presentó su novela “La pista de hielo”. La Nación. Santiago: Talls. Graf. La Nación, n/c, v.
n/c, n. n/c. 21. nov. 1998. Disponível em: http://www.memoriachilena.gob.cl/602/w3-
article-76478.html. Acesso em 22 nov. 2020.
HOBSBAWM, Eric. Viva la revolución: a era das utopias na América Latina. São Paulo:
Companhia das Letras, 2017.
LÓPEZ-VICUÑA, Ignacio. Malestar en la literatura: escritura y barbarie en Estrella
Distante y Nocturno de Chile de Roberto Bolaño. Revista Chilena de Literatura,
Santiago, v. 01, n. 75, p. 199-215, nov. 2009. Disponível em:
https://scielo.conicyt.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0718-22952009000200010
Acesso em: 14 abr. 2020.
MARISTAIN, Mónica. La última entrevista a Roberto Bolaño y otras charlas con grandes
escritores. México - D.F.: Colofón S.A. de C.V., 2010.
MARTIN, Gerald. A Narrativa Latino-Americana, c. 1920-c. 1990. In: BETHELL, Leslie
(org.). História da América Latina (Volume VIII): A América Latina após 1930: Ideias,
Cultura e Sociedade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2011. p. 329-423.
MEMORIACHILENA. Biblioteca Nacional de Chile. Roberto Bolaño (1953-2003).
Disponível em http://www.memoriachilena.gob.cl/602/w3-article-3688.html. Acesso
em: 20 abr. 2020.
PACKER, George. O duplipensamento é mais forte do que Orwell imaginava: o que 1984
significa atualmente. In: ORWELL, George. 1984. 1.ª ed. São Paulo: Companhia das Letras,
2019. p. 524-532.
PÉREZ, Kahlil Chaar. La Lógica del Trauma: Dictadura, Posdictadura y Melancolía en
Estrella Distante. Revista Iberoamericana, Pittsburg, v. LXXVII, n. 236-237, p. 649-664,
jul./dez. 2011. Disponível em https://revista-
iberoamericana.pitt.edu/ojs/index.php/Iberoamericana/article/view/6846. Acesso em:
22 nov. 2020.
PINTO, Júlio Pimentel. Do fingimento à imaginação moral: diálogos entre história e
literatura. Tempo, Niterói, v. 26, n. 1, p. 25-42, jan./abr. 2020. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/tem/v26n1/1980-542X-tem-26-01-25.pdf. Acesso em: 29 mar.
2020.
PINTO, Rodrigo. Outro mandoble del samurai. Las Últimas Noticias. Santiago. p. 12, v.
n/c, n. n/c. 17. dic. 2000. Disponível em: http://www.memoriachilena.gob.cl/602/w3-
article-92540.html. Acesso em: 22 nov. 2020.
ROA BASTOS, Augusto. Yo El Supremo. Asunción: El Lector, 1991.
SARLO, Beatriz. Paisagens Imaginárias: Intelectuais, Arte e Meios de Comunicação. 1. ed.
São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2016.
SERRÃO, Raquel de Araújo. Ditadura e Testemunho: uma realidade na Literatura Latino-
Americana. Revista Olho d’água. São José do Rio Preto, v. 6, n. 1, p. 55-66, jan./jul. 2014.
Disponível em:
http://www.olhodagua.ibilce.unesp.br/index.php/Olhodagua/article/view/248 Acesso
em: 12 abr. 2020.
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na
Primeira República. 2.ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
SOUSA, Fábio da Silva. “E depois se desencadeia a tormenta de merda”: ficção, história e
horror em Noturno do Chile, de Roberto Bolaño. In: SOARES, Fabrício Antônio Antunes;
SILVA, Ricardo Oliveira da. História e Literatura: abordagens interdisciplinares.
Criciúma, SC: UNESC, 2019. p. 123-139.
WINN, Peter. A Revolução Chilena. São Paulo: Editora UNESP, 2010.