Farewell, um famoso crítico literário e seu amigo. A partir deste ponto, o romance seguiu
para o seu terceiro ato com a entrada da personagem de María Canales. Casada com o
estadunidense James Thompson, Canales foi uma grande socialite e, em sua mansão
luxuosa localizada na capital chilena, promoveu saraus e encontros com a
intelectualidade cultural do país de Pablo Neruda. Em suas memórias, Lacroix recordou-
se que um amigo lhe contou que, um dia, quando estava nesses encontros, ficou bêbado
e, ao procurar o banheiro, deparou-se com uma cena violenta:
[...] Finalmente [ele] chegou a um corredor mais estreito que todos os outros e
abriu uma última porta. Viu uma espécie de cama metálica. Acendeu a luz. Sobre
a cama havia um homem nu, amarrado pelos pulsos e tornozelos. Parecia
dormir, mas essa observação é difícil de verificar, pois uma venda lhe cobria os
olhos. O extraviado ou extraviada, sumida instantaneamente a bebedeira,
fechou a porta e tornou em silêncio sobre seus passos. Quando chegou à sala,
pediu um uísque, depois outro, e não disse nada. (BOLAÑO, 2004, p. 109).
Na mesma linha de contos ou filmes de terror e suspense, a casa de Canales, que
em seu piso superior era recheada de alegria, bebidas e discussões sobre poemas e artes,
nas sombras, no porão, funcionava uma sala de tortura e esse era o seu grande segredo.
Com o retorno democrático em 1990, Lacroix decidiu visitar Canales. Encontrou a
socialite sozinha em sua mansão luxuosa, vazia e abandonada. Muitos intelectuais,
artistas, poetas, entre outros, que frequentaram esse local, com a democracia chilena,
passaram a ignorar a sua existência. Em suas memórias, o sacerdote mostrou-se
estarrecido com o abandono que Canales sofreu. As festas abundantes de sua mansão se
tornaram lendas entre a burguesia e a intelectualidade chilena. Todavia, o terror ainda
residia nas memórias de sua dona, que recordou para o padre as mortes de um
funcionário espanhol da Unesco e de Cecília Sánchez Poblete: “[...] Às vezes eu estava
vendo televisão com os meninos, e faltava luz um instante. Não ouvíamos nenhum grito,
só faltava eletricidade de repente e depois voltava.” (BOLAÑO, 2004, p. 115). O romance
terminou com o funeral solitário de Canales e com Lacroix, agonizando em sua cama e
repensando, melancolicamente, em como a sua vida esteve interligada com esses dois
Chiles, um que nasceu no sonho de um socialismo pela democracia e do outro que se
tornou um pesadelo pelas armas da ditadura neoliberal.
Noturno do Chile é um romance que apresenta uma estrutura mais elaborada em
comparação com Estrela distante, tanto em sua narrativa, como em sua condução
literária. Ao contrário da trajetória de Carlos Wieder, personagens históricos apareceram
com destaque na saga de Lacroix, como já exposto acima, em referências a Pablo
Neruda, Salvador Allende e o Gen. Augusto Pinochet. É interessante frisar que apenas o
ditador tem diálogos próprios no romance e, ao contrário de Zurita, cuja inspiração para