família selvagem (...) Os caiapós, que me parecem ser a mais numerosa tribo dos
platôs centrais do Brasil, são um exemplo desta instituição. Estes índios,
subdivididos em tribos poderosas, debaixo dos nomes de Caiapós, Gradaús,
Gorotirés e Caraós, estendem seu domínio desde as florestas da Província do
Paraná, Mato Grosso, Goiás, Maranhão, até o Pará, onde, sob o nome de
Goratirés, possuem fortes aldeamentos à margem do Xingu. (...) Não trato, pois,
de uma pequena tribo, mas de uma grande e poderosa nação. O comunismo de
mulheres entre eles consiste no seguinte: a mulher, desde que atinge a idade em
que lhe é permitido entrar em relação com o homem, concebe daquele que lhe
apraz. No período da gestação e amamentação é sustentada pelo pai do menino,
o qual pode exercer igual encargo para com outras, as quais, durante períodos
idênticos, moram na mesma cabana. Desde que a mulher começa a trabalhar é
livre de conceber do mesmo homem, ou pode procurar outro, passando para
este o encargo da sustentação da prole anterior. Notarei que entre os selvagens
o menino começa a cuidar da própria subsistência desde os dez anos, sendo,
contudo, auxiliado pelos parentes até que baste a si mesmo. Os selvagens são
em geral mui caridosos para com todos os meninos, inclusive para os de tribos
inimigas que tomam na guerra, aos quais criam como se fossem próprios. Este
modo de entender as relações do homem com a mulher, isto é, fazê-las
exclusivamente depender da vontade dos dois, pode ter e efetivamente deve ter
grandes inconvenientes. Quaisquer, porém, que eles sejam, não é prostituição; é
um modo de ser da família, que eles julgaram melhor, segundo suas idéias (sic) e
meios de vida. (MAGALHÃES, 2013, p. 132-134).
Fazendo a distinção entre o “comunismo de mulheres indígenas”, semelhante aos
espartanos, e a prostituição, a “negação da família”, identifica os Caiapós ao longo de seu
território e especifica sua denominação no Pará, Goratirés. Esta “grande e poderosa
nação” teria organizado um certo tipo de comunismo feminino em que as mulheres
podem escolher os homens com os quais desejam manter relações. Não havendo a
instituição da família ao estilo cristão, os filhos das mulheres devem ser sustentados pelo
pai até o período da amamentação e esses podem sustentar ao mesmo tempo outras
mulheres. Após o período de amamentação, a mulher pode voltar ao trabalho e procurar,
ou não, outro homem que cuide de sua prole. Além disso, os filhos são cuidados por toda
a “tribo”, inexistindo a concepção europeia de pai e mãe como únicos responsáveis pela
criança. Assim, devido às suas teses, Gusmão parece perceber um comunismo indígena,
mas diferente do comunismo bolchevique, um comunismo do matriarcado, afinal
A teogonia dos índios assenta-se sobre esta ideia capital: todas as coisas criadas
têm mãe. É de notar-se que eles não empregam a palavra pai; esta palavra pai
não indica a origem de um homem (...) Esta crença ainda é vulgar entre o povo
do interior das Províncias de Mato Grosso, Goiás e sobretudo do Pará, e é
provável que também do Amazonas (...) O Sol é a mãe dos viventes, todo que
habitama terra; a Lua é a mãe de todos os vegetais. (MAGALHÃES, 2013, p.
144).
Assim, Gusmão parece refletir, a partir de um prisma amazônico, sobre um
comunismo da ordem do matriarcado e não do patriarcado, o “Matriarcado de
Pindorama”, pois “diante do imperialismo papal, o comunismo sadio dos morubixabas
sevagens. A lei de Jurupary” (GUSMÃO, 1929b).