incomoda, e mais, afronta Vitorino, levando-o a questionar, com o poder imagético que é
a sua maior arma, as ordens de seu mundo. Esse poder, que ele crê possuir, mas que
nunca aparece, é um traço da obra que chega ao humor. Utilizado como forma de
desmontar a regra, de descaracterizar o quadro social pelo viés da desobediência. Nós
temos a certeza de que a única força do Capitão é não calar, em todas as outras forças
foi fracassado. Nesse sentido, sua imagem é uma representação icônica do desmonte de
uma estrutura social que vem se modificando naquele contexto da história brasileira. “-
Estou chegando, compadre, do Itambé. O doutor Eduardo tinha um réu para defender e
me mandou chamar no Gameleira para ajudá-lo. [...] Quando cheguei no Itambé o júri já
tinha se acabado”. (REGO, 1997, p. 92-93).
Ao transcorrer de toda a narrativa de Fogo Morto é nesse jogo entre se sentir
poderoso e ser objeto de riso para todos que Vitorino se insere. Ele não tem consciência
de seu estado de loucura, dos exageros megalomaníacos de poder que não possui.
Vitorino é uma figura caricata que provocou o riso sobre a estrutura oligárquica
acreditando estar lutando pela renovação política. Um sintoma que transborda da vida
para a obra literária, muito dessa renovação era o próprio ambiente político de
reorganização da burguesia, no centro do país, durante a década de 1940, momento em
que o livro foi escrito e não o contexto do enredo de sua trama.
Na década de 1940 a reorganização do capital, iniciada pelas agitações de 1930,
reestruturou a cultura política. O avanço industrial, impulsionado pela política de Getúlio
Vargas, foi importante para a remodelagem das antigas oligarquias. Busco me apoiar na
perspectiva historiográfica de que essas forças não foram derrotadas em 1930, mas
buscaram novos espaços. Tal cenário dá sentido mais concreto ao anseio de Vitorino:
romper a força estruturante da história brasileira por via de uma nova força, que vê em
políticos de sua confiança uma saída para decompor o mandonismo do seu mundo.
Segundo Eunice Prudenciano de Souza:
Para esses heróis, a loucura é a forma encontrada para sobreviverem na
sociedade degradada que os cerca e, de alguma forma, cada um, ao seu modo,
afronta à ordem estabelecida. As ações desenvolvidas por eles são dissonantes
com a realidade e, por meio de gestos e entoações exageradas, hiperbólicas,
culminam em situações tragicômicas, provocando o riso. (SOUZA, 2015, p. 34).
A opinião sobre o cangaço aponta também para a força do humor burlesco de
Vitorino Carneiro da Cunha no romance. Segundo o capitão, os cangaceiros e os
coronéis são uma via de mão única que confluem e se ajudam para manter-se no poder.
“Este merda do Antônio Silvino pensava que me fazia correr. De tudo isto o culpado é
você mesmo. Deram gás a este bandido” (REGO, 1997, p. 219). Diz isso a José Paulino, um