ALMEIDA, Kézia
*
https://orcid.org/0000-0002-7338-862X
CASTRO SILVA, Jaison
**
https://orcid.org/0000-0002-5047-3725
RESUMO: As Histórias em Quadrinhos são
uma forma de arte que utiliza da sobreposição
de palavras e imagens em sequência e têm
alcançado espaço como objeto de diversos
campos do conhecimento. Os trabalhos
acadêmicos que focam neste tipo de arte
crescem frequentemente e seus autores,
mesmo que precisem lutar contra alguns
preconceitos ainda encontrados em algumas
áreas, se destacam principalmente pela
ousadia. Arnaldo Albuquerque foi um
quadrinista, cartunista, fotógrafo, pintor e
cineasta do Piauí que se evidenciou por seus
trabalhos pioneiros como, por exemplo, ter
sido o autor do primeiro quadrinho do estado,
Humor
Sangrento
(1977). A proposta deste
artigo é analisar o quadrinho
Carcará
,
publicado na revista previamente mencionada
e, para tal, a pesquisa apresenta recursos
gráficos comuns em HQs tais como página,
vinheta, balões e nível de fala. Este trabalho
busca incentivar o leitor a interpretar o
quadrinho apresentado e questionar a análise.
PALAVRAS-CHAVE: História em Quadrinhos;
Arnaldo Albuquerque; Quadrinhos piauienses.
ABSTRACT: Comic books are an art form that
uses the overlapping of words and images in
sequence and they have gained space as an
object of various fields of knowledge. The
academic works that focus on this kind of art
grow frequently and, even if the authors need
to fight against some prejudices still found in
some areas, they stand out mainly for their
boldness. Arnaldo Albuquerque was a
cartoonist, photographer and filmmaker from
Piauí
, in Brazil, who stood out for his
pioneering work. He is the author of the first
comic of the state,
Humor Sangrento
(1977).
The purpose of this article is to analyze the
Carcará
comic, published in the previously
mentioned magazine, and for such, this paper
presents graphic resources, which are
common in comic books, like page, balloons
and level of speech. This paper encourages the
reader to interpret the presented comic.
KEYWORDS: Comic Books; Arnaldo
Albuquerque; Comics of Piauí.
Recebido em: 14/08/2020
Aprovado em: 05/03/2021
* Mestra em História pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), Teresina - PI. e-mail:
keziaalmeida93@gmail.com.
**
Doutor em História pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza - CE, com doutorado sanduíche
de um ano nos Estados Unidos (Bloomington, Indiana University), bolsista Fullbright (CAPES). Email:
jaisoncastro@gmail.com.
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
O consumo e as histórias em quadrinhos
As histórias em quadrinhos m se destacado como objeto de estudo nas mais
variadas áreas do conhecimento. A rede de criação, produção e consumo das histórias
em quadrinho se mantém por conta das múltiplas formas de expansão de produto,
movimentando o mercado, gerando lucros e criando marcas. Além disso, na sua grande
maioria, as histórias em quadrinhos ocidentais estão relacionadas com “[...] as
necessidades de diversão e entretenimento de seus leitores.” (VERGUEIRO, 2009, p. 83),
que pode ser compreendida pelo conceito explicado por Douglas Kellner (2001)
conhecido como Cultura da mídia:
[...] uma cultura veiculada pela dia cujas imagens, sons e espetáculos ajudam
a urdir o tecido da vida cotidiana, dominando o tempo de lazer, modelando
opiniões políticas e comportamentos sociais e fornecendo o material com que
as pessoas forjam sua identidade. (KELLNER, 2001, p. 9).
A cultura da mídia é tanto um reflexo da classe mais abastada possuidora dos
maiores meios de comunicação, quanto uma representação dos conflitos entre grupos
sociais. Sendo assim, não se pode -la como um instrumento de controle (KELLNER,
2001, p. 27). É, também, industrial, organizada [...] com base nos modelos de produção
de massa e é produzida para a massa de acordo com tipos (gêneros), segundo fórmulas,
códigos e normas convencionais.” (KELLNER, 2001, p. 9).
Mesmo com o aparecimento de várias HQs criativas, instigantes e questionadoras,
ainda existe muito preconceito, muitas vezes amparado pela “[...] mais simples e
completa desinformação.” (CIRNE, 2000, p. 17). Entretanto, é possível identificar um
crescimento dos trabalhos acadêmicos feitos tendo os quadrinhos como foco. Nas
últimas décadas do século XX, o interesse por esta forma de arte foi despertado no
ambiente cultural de várias regiões do mundo. As críticas negativas feitas às
HQs
foram
sendo aceitas como sem fundamento, sustentadas pelo preconceito, favorecendo a sua
aproximação com as práticas pedagógicas. Segundo Waldomiro Vergueiro, durante os
anos 1950 as revistas que usavam a linguagem dos quadrinhos associada com conteúdo
moral e educativo começaram a
[...] criar uma boa imagem das revistas em quadrinhos nas mentes de pais e
educadores, que, nessa época, achavam que a leitura de toda e qualquer
produção de quadrinhos teria consequências danosas para as crianças, como
dificuldades na aprendizagem escolar, influências no comportamento familiar,
diminuição da capacidade para o pensamento lógico e afastamento da realidade.
(VERGUEIRO, 2009, p. 8889).
É importante mencionar que, para os teóricos dos quadrinhos, dois termos são
cruciais para este estudo. O primeiro é
Graphic Novel
ou Novela Gráfica que se
refere a publicações de histórias em quadrinhos fechadas como romances. Popularizado
no livro
A contract with God
de Will Eisner, em 1978, este termo surgiu por uma
necessidade de encontrar uma “definição satisfatória” para as histórias em quadrinhos:
“Essa nova era começa sob o rótulo de
novela gráfica
, que aparece como um nome que
provoca desconfiança generalizada, inclusive, e talvez mais que em qualquer outro lugar,
entre seus próprios praticantes.” (GARCÍA, 2012, p. 20, grifo do autor).
A segunda expressão é
Sequencial Art
ou
arte sequencial que explica a arte
dos quadrinhos como um tipo de linguagem que utiliza a sobreposição de palavras em
balões ou não e imagem em sequência, sendo totalmente diferente da linguagem
literária ou da visual. As regras da arte a perspectiva e a simetria, por exemplo e as
de leitura gramática e sintaxe precisam ser compreendidas ao mesmo tempo para a
compreensão do quadrinho. Assim, “a leitura da revista em quadrinhos é um ato de
percepção estética e de esforço intelectual.” (EISNER, 2010, p. 2).
É importante destacar que a definição de histórias em quadrinho não é um
consenso. Para Scott McCloud, as HQs são “imagens pictóricas e outras justapostas em
sequência destinadas a transmitir informações e/ou a produzir uma resposta no
espectador.” (MCCLOUD, 2005, p. 9), ou seja, não são exclusivas para o público infanto-
juvenil e nem apresentam personagens sobre-humanos. para Thierry Groensteen, os
quadrinhos podem ser descritos como um sistema formado a partir de códigos
construídos no interior de uma cadeia narrativa. Para ele, “os quadrinhos são, de fato,
um gênero baseado na relutância.” (GROENSTEEN, 2015, p. 19) que suas imagens
imóveis apresentam um poder de ilusão e de sequência comparável às imagens do
cinema, uma vez que, mesmo cheia de intervalos, ainda assim, faz todo o sentido.
É por isso que escolhi como emblema desta reflexão a ideia de sistema que
define um ideal. Esse sistema dos quadrinhos seum quadro conceitual onde
todas as realizações da ‘nona arte’ podem encontrar seu lugar e serem pensadas
em comparação, ao mesmo tempo nas diferenças e nas semelhanças comuns ao
meio. (GROENSTEEN, 2015, p. 31).
Outro ponto a ser destacado sobre o quadrinho é que, assim como toda imagem,
não é um ato inocente. Acreditar no quadrinho como uma arte neutra é, no mínimo,
ingênuo. Os quadrinhos devem ser pensados “estética, política e culturalmente” (CIRNE,
2000, p. 15) por estarem inseridos em um local e em um tempo. Assim, a compreensão de
uma HQ depende diretamente da sociedade e política ao redor de seu autor
(BAXANDALL, 2006). Até mesmo as escolhas de permanecer em silêncio são
importantes e devem ser consideradas também.
A proposta deste artigo é analisar o quadrinho
Carcará
presente na revista
Humor
Sangrento
1
, originalmente publicado em 1977 uma revista que se enquadra no conceito de
arte sequencial. Para tal, este trabalho apresenta o artista Arnaldo Albuquerque, nome
conhecido da contracultura
2
do estado do Piauí, além de expor sobre recursos dos
quadrinhos que possam proporcionar a maior compreensão do leitor. Uma vez que, além
de apresentar uma análise da história indicada, este texto propõe que o leitor possa,
também, tirar conclusões diferentes, contribuindo para a discussão.
Este artigo surgiu a partir de estudos feitos para o trabalho dissertativo intitulado
Cultura entre quadros e rabiscos: um estudo da produção da arte sequencial no Piauí de
1977 a 1994
defendido em 2020 que apresenta três artistas e quadrinistas piauienses:
Arnaldo Albuquerque, Albert Piauhy e Antônio Amaral. A partir do estudo de conceitos
sobre imagem, arte e histórias em quadrinhos, a pesquisa tanto a deste trabalho quanto
a presente na dissertação referida analisou as fontes
3
presentes em jornais e revistas
em busca de conhecer os artistas mencionados. No texto dissertativo, a associação
entre os quadrinhos e a construção de uma piauiensidade identidade piauiense. O
quadrinho
Carcará
foi escolhido para receber destaque por conta da sua importância por
ter se tornado a primeira animação do Piauí. Desta forma, determinados conceitos e
ideias que aqui serão usados podem ser compreendidos a partir da leitura do texto
dissertativo. Por se propor a fazer um estudo de uma arte sequencial, este trabalho será
dividido em partes. O primeiro momento se dedica a apresentar Arnaldo Albuquerque
artista conhecido nacionalmente por participações no
Pasquim
e por sua participação
ativa em alguns jornais alternativos. Em seguida, para cooperar com a compreensão do
leitor, apresenta Carcará com alguns conceitos de recursos gráficos usados sendo
discutidos. Desta forma, é necessário dialogar com autores como McCloud, Ramos e
Groensteen.
1
A revista possui 41 páginas, dentre estas, 36 apresentam narrativas sequenciais e três propagandas em
formato de charges. A coletânea, distribuída pela editora Nossa, traz em seu catálogo algumas histórias
que foram publicadas no jornal
Chapada do Corisco
e outras inéditas. Segundo a própria revista, a
impressão fora feita em máquinas
Heidelberg off set
pela editora Prelo.
2
Conceito trabalhado por Theodore Roszak (1972). Para o autor, a contracultura é o conjunto de práticas
de jovens a partir do ano de 1968 que buscavam causar desconforto à regra vigente e criticar as
sociedades racionais tecnocráticas.
3
São utilizados na dissertação as revistas
Presença
e
Cadernos de Teresina
, as edições do jornal
O Dia
do
período estudado, as revistas em quadrinhos
Humor Sangrento
e
Hipocampo: Membrana citoplasmática
invisível a olho nu Fórmula mais provável Hp2Cp3
, além de entrevistas com os quadrinistas.
Arnaldo Albuquerque, um pioneiro não apenas dos quadrinhos
Arnaldo Albuquerque é um dos nomes de maior destaque quando o assunto é
quadrinhos no estado do Piauí. Nascido em 1952, na cidade de Teresina, era um artista
plural, fazia “[...] pintura, publicidade, fotografia, cinema, jornalismo, quadrinhos e
organizou importantes eventos musicais no Piauí.” (AURÉLIO, 2007, p. 1). Sua
importância para a arte do estado é compreensível por seu caráter pioneiro, já que, além
do que fora mencionado, ele também foi o autor da primeira revista em quadrinhos do
estado, intitulada
Humor Sangrento
.
Ainda na infância, Arnaldo fora apresentado às HQs por intermédio de seu pai, no
fim dos anos 1950 (NOGUEIRA, 2010, p. 55). Assim, Albuquerque se tornara um ávido
leitor logo cedo e, com o passar do tempo, seu encanto pela arte se transformou em
curiosidade. Dentre seus trabalhos como artista, podemos citar seu primeiro projeto de
alcance nacional: sua participação em O Pasquim, no ano de 1971. Ele mencionava os
componentes do
Pasquim
como Jaguar
4
e Ziraldo
5
e Robert Crumb
6
como algumas
aspirações. Este jornal alternativo fora um ambiente altamente politizado e ligado às
causas como sexo, drogas e feminismo, sendo um embaixador das minorias.
Conectado a tais causas, Arnaldo fez parte de uma geração da juventude
piauiense que era formada por pessoas de classe média alta, sendo um elemento de uma
resistência específica, que não acontecia em todos os lugares. Um exemplo é o caso do
Jornal
Bouquitas Rouge
, cujo nome surgiu após o quadrinista e outros participantes do
periódico ficarem na porta de uma casa de shows distribuindo beijos entre moças e
rapazes, usando batons vermelhos (HOLANDA, 2017, p. 32). Em Teresina, ainda em 1971,
Arnaldo “[...] início ao seu trabalho como cartunista no jornal
O Dia.
Em 1972, é o
responsável pelo planejamento gráfico do Jornal
Gramma
, números 1 e 2, o primeiro
jornal mimeografado do Piauí e possivelmente do Brasil, segundo Heloísa Buarque.”
(NOGUEIRA, 2010, p. 55).
Durante a década de 1970, podemos destacar algumas mudanças que o Piauí
enfrentou. Em 1971, a criação do Programa de Integração Nacional (PIN) e do Programa
de Distribuição de Terras no Norte e Nordeste (PROTERRA), permitiu “[...] ao governo
federal realizar investimentos diretos que, conforme a destinação anterior, não
chegariam ao Piauí, ainda sem poder de atração de empreendimentos incentivados pela
4
rgio de Magalhães Gomes Jaguaribe, Jaguar foi um dos cartunistas e criadores de
O Pasquim
. citado
anteriormente como uma das aspirações de Albert Piauhy.
5
Ziraldo Alves Pinto, cartunista, quadrinista, autor e jornalista. Mais conhecido pelo seu trabalho no livro
infantil
O Menino Maluquinho
e como o criador de
O Pasquim.
6
Cartunista americano que tinha seu trabalho marcado em seu humor ácido, traços muito fortes e
desenhos eróticos. A aproximação com a arte de Arnaldo se mostra nessa forma obscura e animalesca de
desenhar.
SUDENE.” (MENDES, 2003, p. 221). Por meio de eleições indiretas, o engenheiro Alberto
Silva assume o governo do Estado no dia 15 de março de 1971, dando início a uma série de
reformas, construções e criação de órgãos e projetos sociais. Outra mudança importante
de ser mencionada é a instalação da Universidade Federal do Piauí, em 1971:
Concomitantemente houve alterações significativas que modificaram grande
parte da paisagem urbana, alterando não o cenário de Teresina, mas o de
muitas cidades da região nordeste do mesmo período. Motivados pelo desejo de
fazer cursos universitários como o de Jornalismo, Arquitetura ou Engenharia,
muitos jovens de classe média deixavam o Estado para concluir seus estudos
secundários e ingressar na universidade em outras cidades. Nesse sentido, a
década de 1970 é significativa do ponto de vista da dispersão da juventude
piauiense nos grandes centros urbanos do Brasil, uma vez que no Piauí, as
poucas universidades existentes na década não atraíam a atenção da maioria.
Esse impulso juvenil o resultava apenas na ida e permanência dos jovens no
ambiente de estudo; ao contrário, muitos dos que saíam para estudar voltavam
para passar férias ou retornavam depois de formados. (NOGUEIRA, 2010, p. 89).
A revista, que teve Albert Piauhy
7
como responsável pela edição, trazia uma
coleção de quadrinhos de Albuquerque que mostrava as particularidades do autor. Suas
críticas quanto à censura e à sociedade de consumo eram parte importante do momento
em que ele estava inserido. A capa expressava muito das ideias que seriam vistas em
suas páginas, adiantando como seriam transgressoras e cheias de ironia. Ao colocar
personagens famosos como
Snoopy
8
, Bolinha
9
e
Superman
10
, Albuquerque expressava
como seu estilo de desenho era diferente. Além disso, avisava sobre as suas críticas à
sociedade e à forma como as histórias em quadrinhos eram feitas. Assim, nesta capa,
Arnaldo se utilizava de figuras importantes dos quadrinhos estrangeiros para fazer
[...] um protesto onde repensa o papel mobilizador, a crítica dos costumes que
promoveu, a riqueza de ideias que pôs em circulação e o modo inovador com
que as veiculou, produzindo outros aspectos de intervenção crítica,
escancarando a modernidade e a internacionalização da cultura, fomentando o
exercício de uma crítica original e aberta que possibilitou o repensar de nossa
identidade. Desenvolveu uma proposta para desqualificar e descredibilizar os
mitos dos heróis das HQs criadas pela indústria cultural. O emparedamento dos
heróis produzido pelo imperialismo cultural é apresentado na capa do original
da revista
Humor Sangrento
, onde o quadrinista comanda a execução sumária
desses personagens. (NOGUEIRA, 2010, p. 6).
7
Outro quadrinista e cartunista do estado Piauí, também estudado na dissertação de mestrado que deu
origem a este artigo.
8
Cachorro de estimação de Charlie Brown e um dos personagens mais famosos das tirinhas
Peanuts
,
criação de Charles Schulz, lançada em 1950.
9
Personagem das histórias em quadrinhos
Luluzinha
, de Marjorie Henderson Buel, lançada em 1935. O
garoto é o criador do “Clube do Bolinha”, expressão utilizada como sinônimo de clubes formados
exclusivamente por homens.
10
Superman
, ou o Super-Homem, é um dos personagens mais importantes das histórias em quadrinho. é
preciso destacar que o personagem foi absolvido pela cultura em boa parte dos países ocidentais. Mesmo
sendo um extraterrestre, protetor dos estadunidenses, além de uma representação do poderio americano e
do
American Way of Life
, ele é, também, uma das figuras mais importantes da cultura pop.
Imagem 1: Capa do Humor Sangrento
Fonte: ALBUQUERQUE, Arnaldo. Humor Sangrento. 1ªed. Teresina: Nossa. 1977.
A revista fora criada para mostrar o espaço do nordestino e piauiense no universo
dos quadrinhos e no circuito artístico do país. Seu aspecto transgressor ganhou ainda
mais forma a partir do prefácio escrito por Cineas Santos na contracapa da primeira
edição de Humor Sangrento ao dizer que:
É certo que fazer humor não é das atividades mais gratificantes, pelo menos no
Brasil, onde o humorista tem bastante importância para ser preso e nenhuma
para ser solto, segundo Millôr Fernandes. A despeito disso, a família teima em
crescer, ramificar-se por todos os recantos imagináveis. Para o pessoal do sul
maravilha, pode parecer estranho o fato de alguém nascer e se criar no Piauí o
que não é pouco e ainda encontrar algum alento pra fazer humor, não? Pensar
assim é desconhecer essa jóia do humor negro: ‘O sertanejo é, antes de tudo, um
forte.’ No caso especifico do piauiense, bota fortaleza nisso, sô! Basta dizer que,
em menos de cinco anos, sofremos dois terríveis ataques de Amaral Neto e aqui
estamos, (al)quebrados, mas vivos e sempre prontos a exportar deres” para que
se mantenha aceso o ‘diálogo’, indiscutivelmente, uma piada nacional. Mas antes
que eu me esqueça, o Arnaldo é piauiense, 24 anos, e, a exemplo dos cactos que
infestam as caatingas de cá, não precisou de muita chuva para crescer e
florescer. HUMOR SANGRENTO é a melhor prova disso. (SANTOS, 1977, s.p.).
É importante mencionar que a década de 1970 é marcada pela ditadura civil-militar
11
instaurada a partir de um golpe de Estado em 1964. Neste momento, a sociedade
brasileira é marcada pela polarização e pela repressão da liberdade de expressão. Esta
contenção se torna ainda mais séria a partir da criação do Ato Institucional número 5
AI5 em 1968, o qual instaurou a censura em obras artísticas e na imprensa. Por isso, o
trabalho de Arnaldo Albuquerque se torna o revolucionário: mesmo com os riscos e
com a crescente autocensura em meios de comunicação, ele decide publicar uma revista
com críticas claras ao governo ditatorial e à censura.
No ano de 1977, a partir da análise do jornal
O Dia
12
, é possível notar como a ditadura
militar passou a se estabelecer dentro de suas páginas. As críticas, quando apareciam,
focavam no lado econômico e, principalmente, na política estadual. Assim, o espaço para
o humor era reduzido, deixando claro o apagamento das críticas. Gradualmente, a arte
dos quadrinistas teresinenses é substituída por artistas nacionais.
Um estudo sobre Carcará
Imagem 2: "Carcará" de Arnaldo Albuquerque
Fonte: ALBUQUERQUE, Arnaldo. Humor Sangrento.
Carcará
. 1ªed. Teresina: Nossa. 1977, p. 11-12.
11
Momento político iniciado quando os principais setores das Forças Armadas, em 1964, derrubaram o
governo Goulart e iniciaram uma ditadura que só terminaria 21 anos depois. Para saber mais, ler
Como eles
agiam
Os subterrâneos da Ditadura Militar: espionagem e polícia política de Carlos Fico.
12
Para a construção do trabalho dissertativo previamente mencionado que serviu de base para este artigo,
foram utilizados alguns números do Jornal
O Dia
do Piauí - datados entre 1975 a 1994.
Esta história é intitulada
Carcará
13
, nome dado a uma ave conhecida como “águia-
brasileira”, eternizada na música homônima composta por João do Vale e José Cândido,
popularizada pela voz de Maria Bethânia (BORGES, 2017), sendo marcada como uma das
primeiras músicas de protesto do período ditatorial a se centrar na realidade do nordeste
brasileiro. No primeiro quadro aparece a personagem de uma
cegonha
, carregando um
bebê em seu bico.
No fim do segundo quadrinho a personagem do Carcará é apresentada, logo em
seguida atacando a cegonha e tomando para si o infante, o qual se torna seu alimento. As
palavras que a personagem menciona, as suas expressões faciais e seus trejeitos fazem
com que ela se apresente como uma “vilã”. Quando ela pensa “salvei mais um da xistose,
verminose, tuberculose, retardamento mental, fome, etc, etc.” (ALBUQUERQUE, 1977, p.
11) é possível entender como uma forma de transformar-se em heroína, criando a sua
própria narrativa.
No último quadrinho da primeira página acontece a primeira reviravolta da
história, a ave uma espécie de águia, animal comumente vinculado aos Estados Unidos
se transforma no
Capitão América
14
. É possível entender como uma crítica de como o
país consegue mascarar uma explicação de forma a ser convertido em herói.
A segunda página da HQ mostra uma família se aproximando do herói, achando-o
particularmente esquisito. É preciso convir que ver um homem usando roupa colorida,
colada e rindo sozinho no meio da caatinga nordestina é mesmo bastante estranho. O
momento cômico do quadrinho é quando a criança acerta o Capitão América, fazendo-o
retornar à sua forma de águia, servindo de jantar para a família.
Para que haja uma compreensão ainda maior do que está sendo proposto neste
artigo, é preciso mostrar alguns recursos dos quadrinhos que são usados
frequentemente e que podem ser vistos na narrativa estudada. Os recursos a serem
destacados são: a página, a vinheta, os balões, as onomatopeias e o nível de fala.
Primeiramente, a página, que é dentro dela que a narrativa se desenrola, que pode ser
compreendida como uma “[...] unidade de significação desta forma de linguagem.”
(MOTA, 2000, p. 27), em que uma cena é, normalmente, feita para durar o tamanho da
página.
13
Importante mencionar que este quadrinho se tornou a primeira animação do estado do Piauí. Intitulada
Carcará, pega, mata e come
, a animação de Arnaldo Albuquerque foi recuperada em 2015 pelo Projeto de
Ilustração e Animação (PIA), vinculado ao Curso de Artes Visuais da Universidade Federal do Piauí (UFPI).
14
O personagem da Marvel Comics foi criado em 1941 para ser utilizado como reforço positivo para as
tropas americanas que estavam na Segunda Guerra Mundial. Ele personificava os Estados Unidos e,
também, suas tropas.
É necessário destacar também a composição da página, em que a relação entre
tamanho das imagens, dos quadrinhos e do texto
15
pode ser de dependência ou não. Uma
página é formada por uma sucessão de quadros dos mais variados tamanhos que
dependem do efeito sequencial ou do destaque que se pretende dar a determinado ponto
da narrativa. No caso da história estudada, ao ser apresentada em duas páginas, em
sequência, podemos compreender que ela está mostrando algo que ocorre em cadeia.
Assim, o que é visto no início da segunda página é uma continuação direta ao que fora
apresentado no fim da primeira página.
Enquanto em alguns quadrinhos, tiras ou cartuns apenas se utilizam das imagens
para se expressar, outros precisam, do que chamaremos, de recursos da oralidade. Eles
expressam, além do que está sendo dito, o som, os pensamentos, os ruídos e até mesmo
o comportamento do personagem. Dentre os mais conhecidos está o balão que, além de
mostrar o que está sendo falado e pensado, também expõe o seu locutor. Desta forma,
“não existe balão que não se refira, e que não se possa atribuir, a um falante conhecido
ou pressuposto. A relação entre locutor e enunciado proferido é tão forte que se pode
falar até de um binômio funcional.” (GROENSTEEN, 2015, p. 84). Este recurso de fala
possui dois elementos: o continente formado pela margem em variados formatos do
corpo e de seu apêndice e o conteúdo podendo ser em linguagem escrita ou imagem.
(RAMOS, 2018).
Mesmo que os estudiosos de quadrinhos busquem criar regras para a análise dos
quadros e balões, a subjetividade estética do autor também deve ser considerada durante
um estudo. No caso de Arnaldo, dentre os nove balões identificados em Carcará, sete são
os chamados balões-fala, que possuem uma margem com linha curvilínea e contínua. Os
outros são considerados balão-pensamento em que o “[...] contorno ondulado e apêndice
formado por bolhas; possui o formato de uma nuvem [...]” (RAMOS, 2018, p. 37).
Outro recurso de fala que trouxe inovação à linguagem dos quadrinhos são as
onomatopeias, que podem ser entendidas como o “som impresso”. Os
bangs
,
pow
,
thwip
,
representam barulhos reais ou imaginários e que complementam a cena. São facilmente
encontrados tanto em quadrinhos para o público infanto-juvenil quanto em histórias
voltadas para o público mais velho. Este recurso é substancial para as narrativas
gráficas.
É preciso destacar que na criação das onomatopeias não limites para a
criatividade do artista. Mesmo que as onomatopeias estejam associadas ao seu país de
15
É importante destacar que nem sempre uma página de quadrinhos virá com imagens e palavras, por
conta das escolhas do artista, uma página pode ser feita usando apenas a linguagem verbal ou a não-
verbal.
origem sempre tentando aproximar determinado som para que haja a compreensão por
parte do leitor alguns casos que foram incorporados à linguagem por conta de suas
repetições ao longo das décadas, sendo muitas delas oriundas de quadrinhos
estadunidenses. Por exemplo, o
bang
que costuma ser atribuído ao som de uma arma
é reconhecido em boa parte das regiões do mundo, assim como o
creck
ou
crack
16
de
algo se partindo.
Carcará
conta com o uso de três escolhas interessantes de onomatopeias. Na
sétima vinheta da primeira página, os sons mostrados disputam concepções diferentes
que convivem na mesma cena. O primeiro,
nhoc!
oferece a ideia de ser uma refeição
apetitosa”, como disse a águia logo no início da história. O segundo, lido como
prrfss
,
que aparece menor e mais próximo ao corte feito na barriga do recém-nascido, oferece a
imagem de algo nojento. Impressão que o leitor pode ter ao concluir o desenrolar da
história.
No sexto quadrinho da segunda página é possível ver o momento em que o
Capitão América é atingido e, em letras garrafais o
AHH!!!
se destaca, a representação do
grito indefeso do herói se sobressai surpreendendo o leitor. Acima do grito, a letra
cursiva com
sploft
completa o aspecto humorístico da cena. Além disso, em outros dois
momentos da cena, o destaque ao som de risada do Capitão. Os
HÁ! HÁ! HÁ!
que
utilizam fontes diferenciadas àquelas usadas para os outros personagens da narrativa
pode significar que não era um riso sincero.
O próximo recurso a ganhar destaque é o que pode ser chamado de
nível de fala
.
Este é um processo usado para aproximar o leitor do locutor ao vincular os aspectos
geográficos e socioculturais dos personagens (RAMOS, 2018, p. 60). Até meados dos
anos 1960, o uso de gírias e vocábulos informais era uma prática incomum das editoras,
em uma tentativa de diminuir o preconceito enfrentado por esta arte. Com o passar do
tempo, o uso de expressões mais populares aumentou, indicando que as HQs, assim
como outras mídias, passam a prestigiar as gírias como parte importante da língua.
Arnaldo Albuquerque se utiliza de alguns vocábulos informais identificáveis como
presentes no dialeto tipicamente nordestino. Ao utilizar imagens e problemáticas rurais,
dando destaque a figuras tipicamente nordestinas, como a caatinga, por exemplo, reforça
a busca por uma identificação do leitor. Will Eisner menciona a importância do uso de
figuras e personagens estereotipadas. Para o autor, ao estabelecer uma imagem fácil o
leitor passa a participar ativamente da história. Parte da narrativa de uma HQ está no
16
No inglês, alguns dos sons usados para criar as onomatopeias surgiram a partir de verbos. É o caso do
exemplo utilizado, “crack” vem do verbo “to crack”, que dentre as traduções encontradas no dicionário
Longman
(2008), pode significar quebrar, rachar ou estalar.
que não é dito. A empatia causada pela feição de determinado personagem é considerada
por ele como “[...] uma das ferramentas do narrador.” (EISNER, 2013, p. 51).
Ele estabelece também que a narrativa depende diretamente de um contrato entre
narrador e leitor. Enquanto o primeiro espera que o público compreenda, o receptor da
mensagem espera que o que será transmitido seja algo compreensível. Assim, o que
Eisner (2013, p. 53) chama de “fardo” encontra-se “sobre o ombro do narrador. Esta é a
regra básica da comunicação”. Assim, ao usar frases como “ô xente” e “meu fie, acerta
esse diabo”, Albuquerque busca fazer um contato direto com seu leitor, principalmente
aquele que é nordestino e pode se identificar com as frases proferidas pelas
personagens.
Arnaldo Albuquerque estabelece, então, uma imagem do que pode caracterizar
uma parte da identidade piauiense. A construção deste conceito data do início do século
XX, ao surgir uma necessidade do Estado de ser notado social e politicamente pela nação
que estava se formando. Assim, a identidade piauiense piauiensidade
17
é uma
tentativa de dar individualidade ao estado e ao seu povo:
A cultura histórica que começa a surgir na segunda metade do séc. XIX no Piauí
é um evento/processo típico do espaço urbano, ocorrendo preferencialmente
em quatro lugares: na imprensa, com a vulgarização e difusão de textos e a
mediação da leitura; no ensino formal público e particular, como disciplina
cívica a ser repassada aos estudantes; nas estruturas governamentais e
institucionais, como depositárias dos documentos ‘históricos’ e como fonte
produtora e motivadora da escrita histórica, geralmente exercitada por
profissionais estatais, os primeiros a sistematizar informações históricas e
dados sobre o passado local; em bibliotecas e em espaços de sociabilidades,
com a realização de conferências públicas e de solenidades cívicas e; em
espaços privados individuais de leitura e escrita. (SOUZA, 2008, p. 19).
O conceito de piauiensidade pode ser compreendido com uma união não
necessariamente harmoniosa entre signos que são apropriados pelos indivíduos, ou seja,
é uma construção do ser que depende do tempo e espaço no qual esinserido. Tanto a
história em quadrinhos aqui estudada quanto outras narrativas feitas por Arnaldo
Albuquerque perpassam por imagens que fazem parte desta identidade piauiense.
O outro recurso indispensável para o estudo de
Carcará
é o quadrinho ou vinheta.
É dentro dele que a história toma forma. Além disso, dependendo de como se
apresentam os quadros, pode significar uma mudança no tempo da história, que podem
variar dependendo das transições das ações em cada quadro. Para Cirne (2000, p. 29),
17
Termo utilizado por Gutemberg Souza em sua dissertação de mestrado intitulada
História e Identidade
:
as narrativas da piauiensidade de 2008.
“os quadrinhos como linguagem têm sua especificidade [...] no modo narrativo visual
capaz de agenciar elipses gráficas espaciais.”.
A página de um quadrinho permite um jogo com o tempo que não pode ser
recriado tão facilmente por outras formas narrativas. Para o autor, os quadrinhos
possuem um vocabulário que consiste em símbolos visuais e imagens que podem ir do
cartum ao realismo. O tempo nos quadrinhos, portanto, não é uma regra. Diferente da
prática escriturística, as imagens podem oferecer formas de representar o tempo que
vão além do linear. Enquanto a imagem possui o ideal do tempo (DIDI-HUBERMAN, 1998)
os quadrinhos podem ter particularidades, que não podem ser vistas em outras formas
de expressão. Por exemplo, mesmo que haja uma constante comparação entre a arte dos
quadrinhos e a do cinema por conta de algumas proximidades em relação à narrativa,
cada uma apresenta particularidades, tornando-as contrastantes.
Para que a passagem de tempo seja plenamente compreendida, o autor precisa
contar com um recurso dependente da habilidade de interpretar a diferença entre duas
ou mais vinhetas, assimilando a duração da cena. McCloud (2005, p. 63) chama esta
capacidade do leitor de “conclusão”. O autor destaca, ainda, seis
18
tipos de transições
quadro a quadro, dentro das quais, realço as três mais importantes
19
: cena-a-cena, ação-
para-ação e tema-para-tema.
É importante destacar a relação entre
tempo narrado
e
tempo de leitura
. O
primeiro é o que está ocorrendo dentro da vinheta, enquanto o segundo é a quantidade
de tempo usada pelo o leitor para interpretar a página. É comum que estes dois aspectos
apareçam agregados. Assim, é habitual que quanto maior a cena, mais demorado é o
tempo de leitura. O contrário também acontece, sendo frequente o uso de quadros
pequenos para representar um curto período de tempo e um de tamanho maior para
denotar intervalos de tempos mais extensos.
No caso de
Carcará
, o tempo adquire um destaque em dois momentos principais.
Primeiro, na conclusão da primeira página para a segunda, em que a transformação da
águia em super-herói acontece em instantes rápidos. A vinheta, de um tamanho um
pouco maior, expõe a águia em traços caóticos até aos poucos ir tomando a forma de um
homem, assim, o momento que marca o fim da transformação parece ser o mesmo que
os olhos do leitor passam de uma ponta à outra do papel.
18
As outras três o momento-a-momento; que exige pouquíssima conclusão do leitor aspecto-para-
aspecto que estabelece um “zoom” em algum aspecto do ambiente, deixando o tempo em segundo plano
e o Non-sequitur que não oferece sequência lógica entre os quadros.
19
Cena-a-cena é o tipo de transição que exige raciocínio reduzido e nos revela através de distâncias
significativas de tempo e espaço. Ação-para-ação as transições ocorrem em um único tema, mas mostra
em cada vinheta um momento diferente de tempo. Tema-para-tema permanece dentro de uma cena ou
ideia, mas precisa de um envolvimento do leitor para sentido às transições.
Convite ao leitor
Como mencionado no início do artigo, as HQs têm alcançado um espaço como
objeto para os mais diferentes campos de conhecimento. Desta forma, é crescente a
quantidade de trabalhos acadêmicos que buscam quebrar tabus referentes à arte
sequencial. É possível encontrar pesquisas que buscam mostrar como esta forma de arte
pode ajudar a compreender os mais variados assuntos, sendo de extrema importância
para a formação infanto-juvenil, até na discussão de assuntos sérios. Este trabalho é
resultado de uma dessas pesquisas.
A proposta deste artigo foi apresentar o quadrinista, cartunista, fotógrafo, pintor,
cineasta Arnaldo Albuquerque como importante artista piauiense, um dos principais
pioneiros das HQs e da contracultura do estado. O autor de
Humor Sangreto
foi parte de
jornais e revistas de alcance nacional importantes, fazendo uso do humor para criticar
práticas e sujeitos durante a Ditadura Militar. Assim, suas contribuições auxiliaram o que
podemos entender como uma identidade piauiense mesmo que constantemente em
mudança e sem formação completa.
O quadrinho
Carcará
, escolhido como objeto para esta pesquisa, é uma das
histórias presentes na coletânea anteriormente mencionada e não foi selecionado por
acaso. Por ser a primeira animação feita no Piauí, a narrativa tem um destaque histórico
que vai um pouco além de outras que também foram importantes para o repertório do
quadrinista. Além disso, a decisão de mostrar figuras opostas que expõem ideias contra o
domínio norte-americano, principalmente em relação à cultura, à história mais alguns
pontos. Por fim, a imagem de um garoto franzino do nordeste brasileiro derrotando o
Capitão América merece ser vista.
Como mencionado anteriormente, o quadrinho não é uma arte inocente e não
deve ser tratada como tal. A pesquisa buscou relacionar o conceito de piauiensidade ao
propor que Arnaldo Albuquerque utilizou níveis de fala, onomatopeias, signos e imagens
facilmente identificáveis como pertencentes aos nordestinos.
Ao fazer uso de conceitos comuns das histórias em quadrinhos, a pesquisa
buscou oferecer uma compreensão mais ampla ao leitor, indo além de apenas mostrar o
que estava acontecendo. Assim, mesmo que fossem mecanismos vistos com frequência
entre aqueles que leem histórias em quadrinhos, ao aliar o uso de conceitos feitos por
estudiosos há uma tentativa de tornar ainda mais claro o significado.
Outro ponto, mencionado anteriormente, é que este texto propõe que o leitor
possa tirar conclusões diferentes para contribuir para a discussão. Assim, fica aberta a
proposta para que o leitor possa retornar ao quadrinho apresentado e destacar outros
pontos ou questionar a análise feita.
Por fim, é importante lembrar que um trabalho historiográfico não tem fim, já que
é uma pesquisa que depende da interpretação de suas fontes, sendo dependente do
observador. A visão, além de um dos cinco sentidos, é também a principal forma de
admirar a arte principalmente quando ela é puramente imagética. Também se relaciona
à cultura e ao tempo nos quais o observador es inserido. Portanto, este artigo tem
como função encontrar um leitor que interprete de maneira diferente e que uma
discussão possa se formar, expandindo as possibilidades de novos trabalhos tendo a arte
de Arnaldo Albuquerque como objeto.
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