69
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.1, nº2, p. 64-72, jul.-dez., 2014.
Filipe Caldas O. Passos
sentido, a preparação da possibilidade de escolha correta do ente
exemplar e a elaboração do genuíno modo-de-acesso a esse ente.
[...] Esse ente que somos cada vez nós mesmos e que tem, entre
outras possiblidades-de-ser, a possibilidade-de-ser do perguntar,
nós o apreendemos terminologicamente como Dasein. Fazer
expressamente e de modo transparente a pergunta pelo sentido
do ser exige uma adequada exposição prévia de um ente (Dasein)
quanto ao seu ser. (HEIDEGGER, 2012, p. 45-47)
Na analítica do Dasein, o fenômeno da compreensão e, por
conseguinte, o da interpretação, que o explicita, possui um papel fundamental,
uma vez que é por esses que o homem se relaciona com o mundo que o
cerca. Segundo Heidegger, a relação do homem com o mundo pressupõe a
interpretação. É com base nela que se dá a familiaridade com o mundo e com
os entes que o constituem. Quanto a isso, Heidegger arma:
[...] Todo preparar, ordenar, consertar, melhorar, completar se executa
de modo que que visível no utilizável do ver-ao-redor o seu para-
algo e torna-se objeto de ocupação conforme o que cou visível
na interpretação. O que o ver-ao-redor em seu para-algo interpreta
como tal, isto é, o expressamente entendido, tem a estrutura do algo
como algo. À pergunta do ver-ao-redor sobre o que é este utilizável
determinado, o ver-ao-redor responde interpretando: isto é para...
[...] Todo simples ver antepredicativo do utilizável já é em si mesmo
entendedor-interpretante. (HEIDEGGER, 2012, p. 423)
Posteriormente, Heidegger abandona o caminho trilhado na
analítica do Dasein e a questão da linguagem ganha relevância no interior de
seu pensamento
3
, sendo considerada como a “morada do Ser”. A linguagem
como morada do Ser remete ao fato de que o Ser se dá no âmbito da
linguagem (HEIDEGGER, 2008, p. 326), fundador dos horizontes histórico-
culturais no interior dos quais o homem habita, compreendendo a si mesmo
e aos demais entes.
Por meio dessas mudanças ou desenvolvimentos, subjacentes ao
pensamento heideggeriano, pelo menos no que diz respeito à hermenêutica,
é o seu sentido ontológico, isto é, o pensamento hermenêutico ultrapassa,
a partir de Heidegger, os limites de uma questão meramente metodológico-
epistemológica, adquirindo um alcance ontológico que, por sua vez, inuenciou
o pensamento losóco de Gadamer e desembocou no pensamento de
Ricoeur. Ambos, Heidegger e Gadamer, superaram os limites psicologizantes
3 A analítica do Dasein gerou, na perspectiva heideggeriana, uma espécie de mal-entendido,
o que acarretou o surgimento da corrente losóca do existencialismo. Em sua Carta sobre
o humanismo (1946), Heidegger polemiza com Sartre, o principal nome da referida corren-
te, sustentando que o pensamento deste permanece preso, sobretudo devido ao emprego
da distinção entre essência e existência (HEIDEGGER, 2008, p. 342), à linguagem da
metafísica. A “virada linguística” de Heidegger é, de certa forma, um modo de resolver esse
mal-entendido, uma vez que, por meio dela, ele abandona a necessidade de por a questão
do sentido do Ser a partir de uma analítica do Dasein.