MARQUES, Maria Joedna Rodrigues
*
https://orcid.org/0000-0003-2434-0600
RESUMO: Este artigo tem como objetivo
investigar a atuação de Ademar Vidal (1897-
1986) no cenário dos estudos folclóricos, assim
como a elaboração do folclorista. Para isso,
analisamos as cartas trocadas com Câmara
Cascudo. Também procuramos compreender a
instauração de instituições preocupadas com
esta operacionalização do Movimento
Folclórico Brasileiro (MFB) na década de 1940.
Procuramos refletir sobre as percepções
vidalianas acerca da cultura, do folclore e sua
inclinação para estes estudos, percebendo
essas atuações refletidas em suas produções
durante o período. Assim, destacamos sua
participação na Sociedade Brasileira de
Folclore (SBF) e a criação da Sociedade
Paraibana de Folclore (SFP), enquanto
congênere daquela, sendo dirigida por Ademar
Vidal de 1941 a 1944. Nesse viés, delineamos a
proposta metodológica elaborada pela SBF, na
tentativa de organizar um perfil para o
folclorista e instaurar uma organização no
proceder das pesquisas folclóricas.
Dialogamos com Jean-François Sirinelli (2003),
Durval Muniz de Albuquerque Júnior (2013b),
Luís Rodolfo Vilhena (1997) e Mônica Pimenta
Velloso (2007).
PALAVRAS-CHAVE: folclore; sociabilidades;
Ademar Vidal.
ABSTRACT: This article aims to investigate the
role of Ademar Vidal (1897-1986) in the scene
of folk studies, as well as the elaboration of the
folklorist. To this end, we analyzed the letters
exchanged with Câmara Cascudo. We also
tried to understand the establishment of
institutions concerned with this
operationalization of the Brazilian Folkloric
Movement (MFB) in the 1940s. We tried to
reflect on Vidalian perceptions about culture,
folklore and his inclination towards these
studies, noticing these performances reflected
in his production during the period. Thus, we
highlight his participation in the Brazilian
Folklore Society (SBF) and the creation of the
Society of Folklore (SFP), as a counterpart of
the other, which was led by Ademar Vidal from
1941 to 1944. In this way, we outlined the
methodological proposal developed by the
SBF, in an attempt to organize a profile for the
folklorist and establish an organization to the
process of folklore research. We conversed
with Jean-François Sirinelli (2003), Durval
Muniz de Albuquerque Júnior (2013b), Luís
Rodolfo Vilhena (1997) and Mônica Pimenta
Velloso (2007).
KEYWORDS: folklore; sociability; Ademar
Vidal.
Recebido em: 08/08/2020
Aprovado em: 08/10/2020
* Graduada em História pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Centro de Formação de
Professores (CFP), Cajazeiras PB. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História dos Sertões do
CERES-UFRN, Caicó, RN. Texto proveniente da pesquisa monográfica intitulada “Ademar Vidal e a
produção de uma paraibanidade cultural a partir dos estudos folclóricos (1941-1949)”. E-mail:
joednnarodrigues@gmail.com
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
Introdução
Ademar Victor de Menezes Vidal nasceu na atual capital paraibana em 1897, filho
de membros da elite daquela localidade, Vidal teve contato com a imprensa local através
do periódico A União. Formou-se em Direito pela Faculdade de Recife e exerceu cargos
em decorrência do seu vínculo político com o Estado, apesar de não deixar de lado o
cenário das letras, mesmo quando em 1944, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro
(RJ), só retornando à Paraíba décadas depois para eventos. Escreveu sobre diversos
temas e campos de conhecimento.
Em particular, destacamos sua atuação frente aos estudos folclóricos, na cada
de 1940, quando ele passou a elaborar uma produção voltada para o cenário nordestino,
com foco na Paraíba. Vidal adotou para si a missão de tornar-se um representante
intelectual, apresentando e divulgando na década de 1940 uma Paraíba folclórica.
Compreender essa elaboração do folclorista requer embarcar em registros
pessoais que relatam essa construção, visto que, nesses registros conseguimos
compreender o seu processo de inserção ao MFB, além de suas expectativas e atuação
no mesmo. Por isso, utilizamos trechos de algumas correspondências
1
enviadas por
Ademar Vidal ao companheiro de pesquisa, e amigo, Luís da Câmara Cascudo. Nelas
foram registradas as atualizações dos estudos vidalianos, suas dúvidas e
compartilhamento de informações, bem como se evidenciam as vivências pessoais, os
ensejos, desabafos e esperanças.
Como destaca Teresa Malatian: “As cartas expressam dimensões culturais do
sujeito, que poderiam ser chamadas de momento biográfico.” (MALATIAN, 2009, p. 200),
em decorrência disso, podemos analisar como o sujeito se expõe e cria para si uma
referência, demostrando ou afirmando aquilo que pretende repassar enquanto imagem
de si. A autora ainda aponta para “[...] a expressão e contenção do eu, em seus diversos
papéis sociais, em termos de sentimentos, vivências e, principalmente, práticas
culturais.” (MALATIAN, 2009, p. 204).
Evidenciamos nas correspondências de Vidal os interesses intelectuais e a
construção do folclorista, assim como o desenvolvimento desse perfil em ações práticas,
a partir da criação de uma instituição paraibana voltada para pesquisas folclóricas. A
Sociedade Paraibana de Folclore (SPF) foi fundada em 1941 e esteve em funcionamento,
segundo os registros nas correspondências, até 1944.
1
As correspondências enviadas por Ademar Vidal para Luís da Câmara Cascudo encontram-se no Instituto
Câmara Cascudo (LUDOVICUS). Como regra da instituição, apenas pequenos trechos podem ser citados
de forma direta. Por isso, selecionamos os trechos nos quais Ademar Vidal demonstrou uma preocupação
com os estudos folclóricos.
Percebemos a atuação dessa instituição nas pesquisas folclóricas elaboradas por
seu fundador, como o envio de um inquérito aos colaboradores do interior da Paraíba, no
início da década de 1940, intitulado Inquérito de Ademar Vidal entre Sertanejos,
localizado no fundo documental vidaliano no Instituto Histórico Geográfico Paraibano
(IHGP). O mesmo abordou diversas temáticas em torno das vivências cotidianas, sociais
e econômicas dos sertanejos. Além de coletar informações e registros, podemos
perceber a articulação de uma rede intelectual que se elabora a partir da interação sobre
a cultura, em particular a cultura popular, fonte utilizada nas produções vidalianas.
Jean-François Sirinelli aponta na sociabilidade intelectual o fato de que: “Todo
grupo de intelectuais organiza-se também em torno de uma sensibilidade ideológica ou
cultural comum e de afinidades mais difusas, mas igualmente determinantes, que fundam
uma vontade e um gosto de conviver.” (SIRINELLI, 2003, p. 248). Ainda, o intelectual
enquanto um “ator político” (SIRINELLI, 2003, p. 231) tem como característica central a
atuação na sociedade e intervenção seja no campo cultural ou político. São os interesses
em comum que possibilitam a convergência de projetos intelectuais e a elaboração de
uma “rede”.
O folclorista da década de 1940 destacou-se no cenário intelectual como um
sujeito dotado de um discurso centrado na cultura popular, na intenção de uma
construção identitária nacional. Roger Chartier (1995) argumenta que a categoria cultura
popular trata-se de uma elaboração erudita, na qual agentes exteriores à cultura erudita
são nomeados e definidos como não pertencentes a cultura erudita. Denominados pelo
outro como popular, a titulação sobre determinadas práticas culturais passa a ser
efetivada por sujeitos distantes dessas vivências (CHARTIER, 1995).
O processo de classificação de uma dada cultura pelo olhar de um sujeito de fora
deve ser compreendido como uma tentativa de dominação, como aborda Martha Abreu o
conceito de cultura popular “[...] foi utilizado com objetivos e em contextos muito
variados, quase sempre envolvidos com juízos de valor, idealizações, homogeneizações e
disputas teóricas e políticas.” (ABREU, 2003, p. 83).
De acordo com Durval Muniz de Albuquerque Júnior (2013a) “O elemento
folclórico será assim definido como algo que pertence ao passado, uma sobrevivência,
um resquício, um resto, uma sombra do que foi o passado.” (ALBUQUERQUE JÚNIOR,
2013a, p. 32), as manifestações culturais populares serão tidas como fonte de um saber
folclórico capaz de evidenciar uma singularidade nacional, nessa essência popular estaria
a identidade legítima, que, portanto, deveria ser preservada e conservada, o que caberia
ao folclorista.
Para o autor:
O folclorista se sente como um caçador de preciosidades, como um coletor de
formas e expressões singulares, simples, singelas, naturais, autênticas, que
registra e recolhe para um posterior trabalho de aperfeiçoamento, de
ressignificação por parte dos artistas e intelectuais cultos. (ALBUQUERQUE
JÚNIOR, 2013a, p. 259).
Como meio de divulgação desses escritos folclóricos os periódicos foram
utilizados com assídua frequência, justamente pela facilidade em comparação com o
custo e tempo na produção de livros. Podemos perceber, por exemplo, que a produção
folclórica de Vidal circulou por alguns periódicos nas décadas de 1940 e 1950, como
Brasil Açucareiro, O Jornal e o Diário de Pernambuco.
Contextualizando trajetos
O contexto histórico no qual decorreu o MFB é fundamental para entendermos
essas múltiplas atuações vidalianas e direções que foram delineando sua produção.
Investigar o posicionamento de Ademar Vidal e a compreensão sobre esta área de
estudos culturais nos permite identificar a própria singularidade de sua obra.
A chamada “Revolução de 1930” instaurou no Brasil a ideia de uma nova “ordem”.
A ascensão de Getúlio Vargas e sua permanência até 1945 foram marcadas por conflitos,
autoritarismo, centralidade do Estado e a tentativa de controle social, com base em
elementos que iam desde as leis trabalhistas aos meios culturais. O Estado passou a
exercer tutela sobre a população, tomando para si a responsabilidade de interferir na
organização da sociedade. Como aponta Mônica Pimenta Velloso, o Estado: “[...] se auto-
elege o educador mais eficiente junto às classes trabalhadoras, argumentando ser o ‘bem
público’ o móvel de sua ação [...] o Estado assume funções que até então estavam sob o
encargo dos diferentes grupos sociais.” (VELLOSO, 1982, p. 72).
Esse direcionamento do Estado configura-se uma manobra de coesão e
justificativa desta nova fase na política brasileira. Fundamentado na evocação de um
novo tempo, sua atuação se desenrola na elaboração de uma figura dotada de
preocupação com o bem-estar social, interferindo em diversos setores e nas relações
sociais.
Maria Helena Capelato (2007) aponta que a instauração do Estado Novo (1937-
1945) iniciou-se como uma nova fase política, organizada em fortes interferências do
Estado com o estabelecimento de leis e regras. No entanto, os contextos da Segunda
Guerra Mundial e de divergências internas contribuíram para a continuação de uma
efervescência de ideologias. Esse período foi marcado pela tentativa de legitimação,
caracterizando-se por modificações de: “[...] reorganização do Estado, reordenamento da
economia, novo direcionamento das esferas pública e privada, nova relação do Estado
com a sociedade, do poder com a cultura, das classes sociais com o poder, do líder com
as massas.” (CAPELATO, 2007, p. 113).
A interferência do Estado pautava-se em angariar apoio diante da sociedade para
legitimar o governo. Usos de mecanismos de propaganda que enalteciam a figura de
Getúlio Vargas, enquanto líder capacitado e dotado de empatia com as causas sociais. O
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) foi criado em 1939, sobre o preceito de
divulgação do governo varguista e também como órgão de censura, principalmente aos
críticos do governo vigente. Para Velloso, o Estado Novo foi marcado por dispositivos de
propaganda e: É evidente que na construção dessa imensa e compactada rede
ideológica os intelectuais serão personagens de importância essencial.” (VELLOSO, 1982,
p. 169).
Os intelectuais foram convocados para fazerem parte do governo, tanto em
cargos públicos, vinculando-se em muitos momentos à política e atuando principalmente
enquanto teóricos do Estado. Os periódicos vinculados ao governo passaram a
contemplar longos elogios ao Estado e a Vargas. Os intelectuais foram chamados para a
“arena política”, conforme apresentou Mônica Pimenta Velloso, enquanto
“representantes da consciência nacional” (VELLOSO, 1982, p. 153). Para isto, o principal
meio de formulação e divulgação dos discursos intelectuais sobre o Estado foram os
periódicos, como a revista Cultura Política, que circulou entre 1941 a 1945, sendo voltada
para a elaboração teórica da política ideológica do governo varguista, enaltecendo desde
a chamada “Revolução de 1930” à “renovação política”.
Ademar Vidal escreveu uma série de textos para a revista Cultura Política, como o
artigo Condições sociais do camponês na região nordestina, publicado em agosto de
1941, abordando, como o próprio título aponta, mudanças sociais no mundo do trabalho.
Para ele, a “revolução” propagara novas formas de condução política, alterando a vida
social através do estabelecimento de leis e direitos. Enaltecendo que: “A nova política
social da Revolução criou um ambiente favorável aos interesses do homem brasileiro. Ela
vem promovendo um movimento de planificação por intermédio das realizações e
penetrações das ideias salutares de amparo social.” (VIDAL, 1941a, p. 13).
Conforme as ideias de Vidal, o país adentrara em outro momento histórico,
igualando-se as outras nações, seria então uma “renovação”. Ademar Vidal defendeu a
“revolução” em diversas publicações, evidenciando tanto a figura de João Pessoa, tido
como mártir, quanto a política desenvolvida na época. Como destaca Monica Pimenta
Velloso “O que fica claro no discurso transmitido, notadamente o da Cultura Política, é
que uma coincidência de interesses entre a política implementada pelo Estado e os
anseios dos intelectuais.” (VELLOSO, 1982, p. 93).
Esses intelectuais tomaram para si a missão de narrar o Brasil em uma nova
perspectiva, evidenciando e elaborando elementos que representariam a identidade
nacional. Como aponta Sergio Miceli, a relação entre o Estado e os intelectuais pautava-
se no: “[...] domínio da cultura como um “negócio oficial”, implicando um orçamento
próprio, a criação de uma intelligentzia e a intervenção em todos os setores de
produção, difusão e conservação do trabalho intelectual e artístico.(MICELI, 2001, p.
197).
A cultura passou a ser o cenário de atuação política do Estado, ressignificando a
própria ideia do popular, anteriormente visto como razão do atraso da nação, elemento
negativo, passou a ser compreendido como detentor de uma autenticidade da cultura
nacional, conseguindo superar a imagem negativa diante da tutela do Estado. Sobre isso,
afirma Velloso:
O povo é a “alma da nacionalidade”, as elites é que se distanciaram dessa alma
quando se deixaram fascinar pelos exemplos alienígenas [internacionais]. Dando
as costas para o “país real” elas se ausentaram, se eximiram de sua
responsabilidade diante da nação. Por isso, cabe somente a elas redescobrir a
nacionalidade que sempre esteve presente intuitivamente no povo. Esse tipo de
raciocínio vem, portanto, fundamentar a intervenção do Estado na organização
social. [...] visto como a única entidade capaz de salvar a identidade nacional. [...]
A imagem do Estado “pai grande” e a do intelectual salvacionista se
entrecruzam, então, em direção ao popular. Cabe ao intelectual auscultar as
fontes vivas da nacionalidade, de onde emana a autêntica cultura. Nessa
perspectiva, a reflexão sobre a nacionalidade deve necessariamente ser
inspirada no rico manancial popular. (VELLOSO, 2007, p. 174).
Como aponta Durval Muniz de Albuquerque Júnior em sua tese O engenho anti-
moderno (1994), encontramos projetos intelectuais e políticos pautados no ‘princípio da
nacionalidade’ instaurados em instituições, departamentos administrativos e discursos,
em que [...] a nacionalidade é um dispositivo sutil de homogeneização das diversas
relações sociais e de sua centralização no âmbito da soberania e da dominação.”
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 1994, p. 45), sendo assim, uma construção de mecanismos
para produção de sentidos em torno do nacional, elaborando e categorizando os
aspectos que são considerados como pertencentes à nação. Ainda:
[...] faz emergir a procura de signos, de símbolos, que preencham essa ideia de
nação, que a tornem visível, que a traduzam para todo o povo. Ele [o dispositivo
da nacionalidade] faz emergir a procura de elementos que singularizem o país,
notadamente aqueles mais novos [...] Vista como um ente, um indivíduo, a nação
é pensada como um espaço dotado de sentimentos, costumes, língua,
comportamento, caráter e personalidade próprios. (ALBUQUERQUE JÚNIOR,
1994, p. 46, grifo nosso).
Nessa perspectiva, diversos agentes ressaltaram o popular como elemento
representativo de uma identidade nacional. Suas manifestações culturais foram utilizadas
como fonte para elaboração de discursos identitários. A cultura popular tornou-se a base
para o desenvolvimento de um tipo particular de estudo: o folclórico. A década de 1940,
com os incentivos do Estado, foi fecunda para a realização desses estudos culturais.
Albuquerque Júnior (2013b) apresentou o Folclore como o estudo elaborado por
intelectuais pertencentes a uma formação elitista, que produziram seus estudos sobre
práticas culturais de grupos que “carregariam” a essência da nacionalidade, guardiões de
uma cultura originária e em extinção. Ao mesmo tempo, os estudos folclóricos
permitiram e possibilitaram marcar discursos sobre o regional e o nacional,
principalmente sobre o Nordeste que conforme Albuquerque Júnior: “[...] através de suas
pesquisas, de seus escritos, de suas ações institucionais e de suas práticas, foram
definindo e instituindo o que deveria ser visto e dito como sendo a cultural desta região
[...]” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2013b, p. 21).
Esta elaboração desponta das mudanças sociais que estavam ocorrendo, como a
ascensão das elites agrárias, a ocupação de espaços, a instauração de novas classes
sociais que despertam o descobrimento de sujeitos que representariam a antiga ordem
social e abrigariam a tradição ressignificada pela indústria e o comércio. O “povo”,
guardião dos antigos costumes, estaria carregado da “essência da nacionalidade”
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2013b, p. 47), seria “ingênuo, simplório, subserviente, embora
corajoso, destemido, até heroico” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2013b, p. 49). Enquanto
isso:
O folclorista tende a se apresentar, inclusive, como representante de sua região,
como um defensor de seu espaço, como alguém que através de seu trabalho
traz à tona os tesouros culturais, as tradições que legitimariam aquele espaço,
que demonstrariam a sua importância para a cultura nacional. O folclore
regional seria a expressão da particularidade desta área e motivo mesmo de
reconhecimento de sua existência autônoma. (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2013b,
p. 52).
Podemos perceber o desenvolvimento desse campo na obra vidaliana, nos
elementos registrados em sua produção, como elenca o próprio neto do autor em seu
discurso, fazem parte de uma abordagem temática de um ciclo de produção
característica do perfil do pesquisador cultural, em particular nordestino, do final do
século XIX e meados do século XX. Assim, a composição de redes intelectuais que
traçaram o cenário cultural, especificamente na cultura popular, os seus espaços de
pesquisas e escrita, serviram como ferramenta e “laboratório” para elaborar discursos
acerca de uma identidade nacional.
Apesar da institucionalização dos estudos folclóricos, o campo não conseguiu
adentrar enquanto disciplina no espaço acadêmico, sendo inclusive deslegitimado nesse
espaço pelas disputas com as Ciências Sociais, que conseguiram se estabelecer no
discurso acadêmico. Na disputa com as Ciências Sociais o “[...] movimento folclórico,
mesmo tendo sido em grande parte derrotado ao longo do processo de consolidação do
campo intelectual brasileiro, teve na criação de instituições um dos seus objetivos
centrais.” (VILHENA, 1997, p. 75).
O discurso folclórico tornou-se, na década de 1940, um campo de disputa, ainda
como bem afirma Michel Foucault “[...] o discurso não é simplesmente aquilo que traduz
as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do
qual nos queremos apoderar.” (FOUCAULT, 1996, p. 10). Para ocupar o púlpito de fala,
autoridade e dominância, instituições, redes intelectuais e o Estado colocaram-se como
representantes desses discursos, enquanto elaboradores de versões da brasilidade, que
se encontravam em diversas características, mas que também diferiam pelos elementos
particulares elencados, enaltecimentos, esquecimentos ou negações.
O folclorista em trocas epistolares e a instantânea Sociedade Paraibana de Folclore
Perceber em qual momento Ademar Vidal se construiu enquanto folclorista é uma
tentativa de entender como sua obra ganhou novos contornos pautados em uma maior
inserção do cenário cultural popular. Antes, é necessário salientar que este processo de
construção parte, primariamente, de uma elaboração intelectual, que exigiu uma
dedicação, reconhecimento e uma bagagem simbólica. Antes de ser o estudioso da
cultura paraibana, o escritor embarcou nessa elaboração primária, em decorrência de
uma interação política e da associação à imprensa paraibana. Esse processo se deu
durante as décadas de 1920 e 1930. Ou seja, a projeção vidaliana destacava-o no circuito
intelectual nordestino.
Dentre os movimentos que Ademar Vidal se filiou, principalmente pelo contato
com Gilberto Freyre (1900-1987), destaca-se o regionalismo. Diante da proposta de
enfatizar a região Nordeste em seus aspectos identitários, “[...] apoiado em um
movimento intelectual e político, que visava estabelecer as bases simbólicas e
identitárias do Nordeste, como região dotada de características próprias em relação às
demais.” (ROSA, 2006, p. 54). Para ter acesso a essas raízes seria necessário
movimentar-se em busca de uma tradição, resultando em um “sentimento de unidade”
(ROSA, 2006).
Com sede em Recife, o Centro Regionalista do Nordeste foi fundado em 1924. No
intuito de reunir sujeitos e ações efetivas para divulgar a própria entidade e o
movimento, foram realizadas conferências, exposições, entre demais atividades. Como
marco dessa agitação literária proposta, foi feita a publicação de uma coletânea de
ensaios intitulado Livro do Nordeste (1925), no qual consta a publicação vidaliana Um
século de vida parahybana (1825-1925). Ademar Vidal fez parte desse ciclo intelectual
que montou e defendeu discursivamente o Nordeste.
Os trajetos intelectuais do paraibano proporcionaram a inserção de novas
abordagens à sua escrita. Câmara Cascudo e Gilberto Freyre tornaram-se referências
nos estudos sobre o Nordeste, inspirando as produções de Vidal. Embora não signifique
uma completa adesão ou totalidade de sua obra voltada para um movimento literário
específico. Cada espaço e temporalidade tiveram fortes contribuições na sua produção,
acrescentando elementos, temáticas ou deixando de lado outras abordagens.
Podemos elencar que o movimento regionalista contribuiu com dimensão temática
e de abordagem aos escritos vidalianos, principalmente, no que diz respeito à presença
do negro em solo paraibano, temática desenvolvida em longos estudos por Ademar Vidal.
Além do apego às ditas tradições, como elementos compositores de uma singularidade
espacial e identitária do Nordeste. Discursos partilhados e defendidos pelos folcloristas
da década de 1940.
Destacou-se nesse cenário intelectual voltado para a dimensão cultural e que
também manteve contato com Vidal, o escritor modernista Mário de Andrade que no
final da década de 1920 viajou ao Nordeste. A viagem etnográfica resultou ainda no livro
O turista aprendiz no qual relata suas andanças e registra as experiências ao longo da
viagem. Na Paraíba foi recepcionado por Ademar Vidal, Ascenso Ferreira, Antônio Bento
de Araújo Lima e Cícero Dias (ROSA, 2006). A produção de Mário de Andrade foi
marcada pelo caráter nacional, com usos da cultura popular e folclore. O contato com
Ademar Vidal rendeu trocas epistolares, partilha de eventos e vivências pessoais e
também um estreitamento por parte do paraibano com o movimento modernista paulista,
no qual Mário de Andrade foi um dos propulsores.
O MFB tratou-se de uma mobilização, nos anos 1940, de grupos intelectuais em
torno de um discurso folclórico como ferramenta de elaboração de uma brasilidade. Para
isto, a cultura popular foi pensada como meio para alcançar as raízes de uma identidade
nacional, tida como dotada de manifestações tradicionais que preservavam uma essência
primária. Consequentemente, intelectuais reuniram-se para a elaboração de um
movimento que pretendeu realizar estudos folclóricos, tomando para o folclorista a
missão de guardiões de uma nacionalidade.
Essa atuação fora instaurada mais fortemente com a criação de uma instituição
que previa as ações em torno do folclore, sendo essa a Comissão Nacional de Folclore
(CNF), criada em 1947 e desmantelada na década de 1960, com a Ditadura civil-militar.
Havendo após sua inauguração diversas mobilizações, como congressos e campanhas. É
válido ressaltar que, embora a CNF seja um marco no MFB, outros grupos intelectuais e
instituições faziam articulações sobre os estudos folclóricos, como a Sociedade
Brasileira de Folclore, criada em 1941.
Ainda, como aponta Vilhena os encontros intelectuais também renderam “[...]
apelos em favor da defesa de nossas manifestações folclóricas e da instituição de uma
agência governamental que coordenasse esse esforço de pesquisa e preservação.”
(VILHENA, 1997, p. 1).
O movimento contribuiu na orientação da obra vidaliana para o âmbito cultural.
Até então suas produções se destacavam por uma carga social e política, ganhando
novos contornos com sua adesão à SBF e com a fundação e presidência da SPF. Como
podemos perceber na carta de 29 de dezembro de 1941 (VIDAL, 1941b), na qual o
paraibano comunicou a Câmara Cascudo a fundação da SPF, uma congênere da SBF
fundada no mesmo ano na cidade de Natal pelo potiguar. Essa tinha como missão
organizar e estruturar os estudos folclóricos, contou com uma lista de membros
nacionais e internacionais, esquematizando uma atuação metodológica para as pesquisas
folclóricas, que serão abordadas posteriormente. Ademar Vidal ocupou a presidência da
entidade paraibana, no mesmo período em que presidia o IHGP.
na correspondência de 08 de abril de 1942, enviada a Câmara Cascudo,
percebemos a estrutura de uma produção vidaliana folclórica, relatada ao amigo
colaborador:
Meus trabalhos sobre folclore andei passando uma revista e vi que é grande:
três livros e três folhetos --- e quase tudo inédito. Que tal? A Parahyba
aparecerá breve a correr na pista dos outros estados. Claro que sem o brilho de
um Rio Grande do Norte que na linha de frente um Cascudo levado do
capeta. Mas dará seu recado. Ando alegre e leve. (VIDAL, 1942, s/p.).
A produção vidaliana ganhava consistência, além do desejo de ver a Paraíba
ganhar espaço no cenário da produção folclórica. Na mesma carta, Vidal ressaltou a
vontade de ampliar a entidade com a participação de vários membros. Ao longo das 15
correspondências, do início e meados da década de 1940, Ademar Vidal relatou seus
interesses de estudos culturais, além do processo de publicação, como o livro Lendas e
Superstições (1949), que reúne um grande trabalho folclórico sobre as estórias
partilhadas ao longo do litoral, brejo e sertão nordestino, com destaque para as estórias
paraibanas. A obra esteve desde 1942 em edição, sendo publicada apenas em 1949, por
isso as constantes publicações em periódicos, que era um processo mais rápido e
econômico.
Ainda sobre o folclore:
Sempre olhei o folclore com interesse mas sem espírito cientifico[...] e creio que
continuarei pelo mesmo caminho. Outros se encarregarão de obter melhores
resultados do material que irei colhendo pacientemente. Estarei errado? Posso
dizer-lhe sem vaidade que, se fosse possível obter editor fácil, sem maiores
desejos econômicos, entregaria dentro de breve tempo de três a quatro livros,
todos eles de feição folclórica. (VIDAL, 1943, s/p.).
Podemos perceber que sua frustação com a produção folclórica tem relação
direta com o mercado editorial da época, visto os altos valores para publicação. Vidal
toma para si a realização da coleta folclórica, ou seja, o registro de material cultural para
que possa futuramente ser organizado e publicado. Em decorrência disso, evidenciamos
que muitos de seus inéditos e demais textos possuem como fontes essas pesquisas
folclóricas, porém foram organizadas ou publicadas posteriormente. Ao longo da carta,
datada de 23 de janeiro de 1943, Vidal expressa o desejo de juntar-se com alguém para
montar uma editora para facilitar a publicação de seus estudos folclóricos.
Isso explica a mencionada dificuldade de manter-se apenas vinculado às
produções literárias, o que lhe demandava uma múltipla atuação profissional, exercendo
cargos jurídicos como de procurador da República. Apesar da ocupação oficial, a
quina de escrever continuava registrando inéditos sobre a terra natal, marcando
espaços, sujeitos e estórias classificadas enquanto folclore local. Uma forma de
compreender sua atuação no campo cultural é inclinar-se sobre a SPF, no intuito de
mapearmos suas concepções folclóricas e produção nesse âmbito.
“Criada para estudo de caráter nacional” é dessa forma que Ademar Vidal (VIDAL,
s/d, p.1) apresenta, no prefácio do inédito Práticas e costumes afro-brasileiros, a SPF,
fundada em dezembro de 1941. A entidade atuou no cenário paraibano de 1941 a 1944,
contou com colaboradores de várias localidades do estado e de diversas atuações
profissionais, como médicos, advogados, prefeitos, vaqueiros, agricultores, entre outros.
Esses foram responsáveis por contribuir com pesquisas culturais acerca da cultura
popular paraibana, através do registro de hábitos e vivências de âmbito social, cultural,
econômico e político. Esses materiais coletados serviram como fontes para a produção
vidaliana, principalmente as de natureza folclórica.
Ainda no inédito, Vidal reafirmou o compromisso e atuação e relevância de sua
instituição:
Os alicerces, pois, se encontram lançados, é de esperar que o caminho seja
alargado para que outros ventos circulem proveitosos aos estudos
folclóricos[...] esforço este que cabia à Sociedade Paraibana de Folclore. Para
tanto conseguir em luta individual foram feitos inquéritos nas cidades e no
interior, foram recolhidos informes preciosos, alguns divulgados. (VIDAL, s/d, p.
1).
Podemos extrair também a justificativa principal para a realização desses estudos
folclóricos, que seria a explicação sobre a formação de um povo: o paraibano. Essa
necessidade está no cerne de elaboração de uma identidade nacional pelo âmbito
cultural, seria na cultura popular que se encontraria a autenticidade e tradições que
formulariam uma nacionalidade. A SPF seria portadora de iniciativas para a realização
dos estudos folclóricos. Sua atuação ocorreu principalmente por uma rede de
colaboradores, que contribuíram com o registro da cultura popular. Esse processo de
registro se dava através de inquéritos, com diversas abordagens, dos hábitos à forma de
trabalho. Os colaboradores fizeram parte de uma “rede” intelectual, tendo em vista os
interesses em comum, divulgar e apresentar seus espaços sociais, o que resultou em
uma colaboração discursiva com a produção vidaliana.
De acordo com Gabriela Pellegrino Soares (2015), “A prática dos Inquéritos
difundiu-se, servindo a políticas que se voltavam a intervir em sociedades em que se
sentia o peso das massas.”, ainda na perspectiva dos inquéritos folclóricos: “Destinavam-
se, sim, a conservar a cultura popular do campo, em tempos de grandes transformações,
e colocá-la ao alcance dos letrados e artistas fixados nas cidades, que incorporavam ao
imaginário as raízes já remotas da nação.” (SOARES, 2015, p. 445).
Podemos perceber que sua principal função é reunir informações e materiais
sobre determinadas objetos de interesses ou estudo. Além de ser uma ferramenta capaz
de reunir maior quantidade de dados em menos tempo, visto as distâncias que deveriam
ser percorridas se o investigador necessitasse de ir ao encontro dos sujeitos que queria
entrevistar. E, também é importante salientar que no caso do inquérito de Vidal, o
mesmo foi enviado para figuras de autoridade, letrados que teriam condições de repassar
o material solicitado. O que evidencia a construção de colaboradores e novamente o
reforço da interferência do letrado sobre o que seria o popular.
Os questionamentos pautavam-se nas seguintes temáticas: a pecuária, oralidade,
festas e reuniões sociais, mestiçagem, rituais, vestimentas, artesanato, transporte,
músicas e danças, preferências literárias, fotografias, moradias, seca, estrutura familiar,
atuação do Estado, brincadeiras e brinquedos, atividades de lazer, fauna, comparação do
“passado” com o “presente”, registro sobre a infância e as festividades. Além desses
elementos, durante o inquérito, havia a ressalva de registrar os métodos de coletar essas
informações. O que denota o cuidado com a pesquisa cultural, como também com o
procedimento estava associado a uma metodologia que caracterizaria os estudos dos
folcloristas. Havia a preocupação de realizar a coleta de acordo com os procedimentos
autorizados por outros estudiosos da cultura.
Assim como o inquérito disponível no acervo de Ademar Vidal, no IHGP,
conseguimos ter acesso a dois retornos dessa pesquisa cultural: uma carta do padre
Manoel Otaviano da cidade de Piancó e outra de Irineu Rangel de Farias, na época,
prefeito do município de Taperoá. O padre evidenciava que o trabalho expedido pelo
escritor era longo e, naquele momento, dispunha de pouco tempo e recursos para fazer
algo elaborado, mas estaria realizando o trabalho e em breve enviaria o que havia sido
solicitado:
[...] com o desejo que tenho de atender a sua solicitação, admirando-o como
homem de letras, lendo-o sempre, tudo o que me chega às mãos com certa
avidez, sinto prazer pela oportunidade de fornecer-lhe essas informações do
meu sertão que, talvez, lhe sejam uteis [sic]. (OTAVIANO, 1942, s/p.).
Além de correspondente, o padre se revela um leitor das produções vidalianas e
se monstra à disposição para colaborar com aquilo que estiver ao seu alcance.
Essa troca de materiais e a disponibilidade de colaboração evidenciam as linhas
que teceram uma rede de colaboradores. Eram sujeitos de diversos lugares da Paraíba
preocupados em escrever ou ajudar a formular versões sobre esse espaço, baseados nos
seus lugares de vivência. Como podemos perceber no retorno de Irineu Rangel de Farias
que, em 1942, enviou uma versão resposta do inquérito vidaliano.
Além disso, através da pesquisa cultural, podemos perceber impressões e temas
que, para Ademar Vidal, estariam correlacionados, em particular, ao espaço e vivências
sertanejas. Juntamente, com as correspondências enviadas a Câmara Cascudo,
conseguimos mapear os estudos vidalianos e seus interesses de pesquisas. Como
evidencia ao longo de algumas correspondências de 1942 e 1943, o interesse em estudar
meios de transportes, inclusive, na carta datada de 07 de dezembro de 1942 solicitou ao
potiguar material referente à jangada e ao carro de boi, em carta posterior anunciou que
realizou um trabalho sobre o carro de boi na Paraíba.
Ao longo das cartas o paraibano relatava as produções que estariam para ser
publicadas ou em edição. Entre os temas de produção da época, ele evidenciou o negro
no cenário paraibano e o sertão paraibano, destacando o envio de inquérito ao interior
do estado e o aguardo do retorno de informações sobre esses e outros temas. Sobre esse
espaço, Ademar Vidal revelou:
É um confronto entre o passado e o presente não quanto aos hábitos e
costumes como ainda no que se refere à vida propriamente material. Dentro do
ciclo se acha tudo que interessa ao homem. Enfim resumirei nisto: vida rural[...]
casa, gado, meio físico; vida de cidade; tradições; música, dança, canto; poderia
ter o nome que tem o seu: “Etnografia Tradicional do Brasil”. (VIDAL, 1942b,
s/p.).
Podemos evidenciar alguns interesses nas questões destacadas, como a intenção
de compreender a estrutura de vivência social, cultural e econômica dos sertanejos. Por
isso, as indagações de âmbito geral e particular, com destaque para os hábitos e
costumes, a relação desses sujeitos com seu espaço e a própria constituição do sertão.
Assim, compreendemos a preocupação em identificar os elementos constituintes de uma
singularidade sertaneja para delinear a estrutura familiar, de moradia, da miscigenação, e
outros aspectos fundamentais para elaborar esse tipo sertanejo em sua obra.
Além disso, a solicitação de materiais que comprovem esses registros ou
informações faz parte da sua metodologia enquanto folclorista, elaborando uma obra
pautada em fontes. Localizamos no acevo do IHGP alguns retratos que representariam
essa cultura popular buscada por Ademar Vidal. Trata-se de fotografias que apresentam
sujeitos como vaqueiros, pescadores, vendedores, músicos, negros cozinheiros ou
vendedores de fumo. No verso de algumas constam informações, porém poucas
apresentam o local, não possuem data ou referência de como o escritor paraibano as
obteve. No entanto, como evidenciamos no inquérito de sua autoria, a solicitação de
fotografias de populares, em seu cotidiano, ao longo do estado era comum. Por isso
evidenciamos sujeitos de diferentes localidades, que estão vinculados às concepções
vidalianas de espacialidades que compuseram a Paraíba.
Os questionamentos apresentam temáticas que foram abordadas em diversas
produções vidalianas. Seu interesse era ter acesso, no registro de seus colaboradores, à
cultura popular, fonte primária para os estudos folclóricos, logo, fonte essencial na
elaboração identitária da Paraíba na sua obra. Dessa forma, ao longo de sua obra,
Ademar Vidal enalteceu as possibilidades de pesquisas da terra natal.
Vidal apropria-se do seu espaço para elaborar um discurso identitário. O trecho
trata-se de um inédito de 1979, no qual retrata a visão do escritor sobre a Paraíba, um
cenário rico em elementos culturais, fecundo para os estudos folclóricos e em
possibilidades intelectuais. Por isto a SPF atuou como entidade que buscava resguardar a
cultura popular paraibana. O material coletado serviu como base para diversas
produções vidalianas elaboradas posteriormente à extinção dessa entidade após ir para o
Rio de Janeiro-RJ, em 1944. Maria Nilza Barbosa Rosa aponta que:
Para Ademar Vidal, as pesquisas contribuem para esclarecimentos sobre a
formação de um povo, seus estilos de vida, detalhes, tudo quanto atestam,
“esforço este que cabia à Sociedade paraibana de folclore”, porém, em “luta
individual” foram feitos inquéritos nas cidades e no interior, “recolhendo
informações preciosas”, que resultaram no inédito “Visitação ao interior do
Nordeste”. Para ele, o contato com “o material folclórico nordestino seria uma
das formas de se evitar a massificação e a colonização”. A massificação não se
refere apenas a um conjunto de pessoas que promove alguma transformação
nas sociedades; a massificação é um tipo de comportamento coletivo dentro do
qual as pessoas não podem agir isoladamente, elas movem-se, dispersam-se de
maneira induzida. Além disso, Ademar conhecia a necessidade da
descolonização que existia em relação aos dois grandes centros culturais, Rio de
Janeiro e São Paulo, principalmente o Rio de Janeiro, pela forte tendência que a
República herdou do Império. (ROSA, 2006, p. 40).
Para Ademar Vidal, o folclore seria uma fonte que permitiria compreender a
formação do povo brasileiro, em particular do nordestino, e descentralizar a
nacionalidade da região sul. Tendo em vista que as singularidades nordestinas seriam
evidenciadas e evocadas nessa elaboração de uma identidade nacional, seriam
reconhecidos nesse espaço elementos que abrigariam uma cultura originária.
Como forma de apresentar a entidade no cenário dos estudos folclóricos e
divulgar a iniciativa paraibana na organização e coleta dos registros da cultura popular,
Ademar Vidal solicitou a Câmara Cascudo que divulgasse a Sociedade paraibana em
alguma de suas publicações constantes em periódicos. O potiguar escreveu o texto
Etnografia e folclore para o jornal Diário de Notícias, publicado em 01 de março de 1942,
no qual apresentou a entidade paraibana:
O escritor Ademar Vidal acaba de fundar a Sociedade Paraibana de Folclore,
com sede em João Pessoa e de que é Presidente. A Sociedade possue delegados
em todos os quarentas e um municípios do Estado e começou recolhendo
copioso material etnográfico e folclórico. (CASCUDO, 1942, p.1).
A colaboração entre esses intelectuais pautou-se na divulgação de suas obras,
partilha de materiais, envio de informações e livros, além da musicalização de trabalhos
por parte de músicos populares
2
conhecidos do paraibano. Essas trocas constantes de
informações mostraram-se como mecanismo de fomentação de uma rede intelectual,
dedicada à uma produção específica: os estudos folclóricos. Para compreendermos como
2
Ao longo das correspondências, Ademar Vidal solicita referências a Câmara Cascudo, mostra-se a
disposição para musicalizar trabalhos a partir de músicos conhecidos, como evidenciadas nas cartas de 21
de dezembro de 1942 e 23 de janeiro de 1943. Vidal também se encarrega de conseguir material solicitado
por Cascudo, havendo uma troca intelectual, de informações e vivências, já que ambos comentam de forma
breve os acontecimentos recentes em suas vidas pessoais.
essas interações folclóricas foram instauradas é necessário percorrermos por outra
entidade dedicada aos estudos culturais: a SBF e sua proposta metodológica de coleta
folclórica.
A “ciência do povo” e a sistematização de saberes a partir da Sociedade Brasileira de
Folclore
Em 30 de abril de 1941 foi fundada na cidade de Natal a SBF. Uma instituição que
contava com diversos intelectuais nacionais e estrangeiros preocupados em estabelecer
estudos sobre a cultura. Tinha a proposta de organizar os estudos folclóricos, que
implicou a elaboração de uma metodologia para a colheita folclórica. Criou-se um perfil
para o folclorista brasileiro na década de 1940, mantendo sua atuação, pelo menos, até
1963. Esta instituição foi o foco de estudo monográfico de Ewerton Wirlley Silva Barros
(2018), intitulado Nos enredos do folclore: Luís da Câmara Cascudo no movimento
folclórico brasileiro (1939-1963).
Teoricamente, a SBF partilhava dos preceitos de Pierre Saintyves, no qual folclore
“[...] é a ciência da cultura tradicional nos ambientes populares dos países civilizados [...]”
(ESTATUTOS, 1942, p. 9), o devendo haver uma persistência na compreensão
conceitual do termo. Objetivava-se em realizar estudos locais e nacionais, interligando
aspectos culturais comuns a diversas regiões e populações. Foram fundadas algumas
filiais estaduais por membros da SBF com o objetivo de registrar e coletar manifestações
culturais locais. A entidade ultrapassou as fronteiras nacionais, contando com membros
de diferentes nacionalidades, expandindo o nome do Brasil no cenário internacional,
elevando e consagrando também o próprio Luís da Câmara Cascudo nas pesquisas
culturais, como destacou Durval Muniz de Albuquerque Júnior (2013a) no livro O morto
vestido para um ato inaugural.
Essa associação foi criada e oficializada através de dois estatutos que
regulamentavam a função a ser desempenhada e também o percurso metodológico a ser
utilizado pelos folcloristas. O primeiro estatuto é de 1941, publicado em opúsculo um ano
depois da sua criação, no qual apresenta a estrutura, os métodos, as comissões e suas
funções e estabelece uma definição aos estudos folclóricos. No entanto, não
informações neste com relação ao total de membros associados.
o segundo estatuto é do ano de 1949, apresentando alguns ajustes, com os
mesmos objetivos explanados no primeiro estatuto. Ocorreram algumas mudanças na
organização estrutural, tornando Câmara Cascudo presidente permanente, além de ter o
papel de orientador (ESTATUTOS, 1949, p. 3) dos estudos desenvolvidos e também
apresentando uma lista com os representantes dos diversos estados brasileiros e os
membros estrangeiros. Em 1949 a SBF contava com membros efetivos (27), titulares
brasileiros (37), titulares estrangeiros (65) e falecidos (14), totalizando 143 membros.
Ewerton Wirlley Silva Barros evidencia a atuação internacional da SBF:
Definida a postura da Sociedade Brasileira de Folclore sobre as questões
teórico-metodológicas do saber folclórico, o próximo passo seria dado em torno
da expansão de sua rede institucional. A primeira forma de expansão
institucional foi de sua inserção no Círculo Panamericano de Folclore (CPF).
Com o lema: “um alto pensamento de unidade fraternal”, o CPF foi destinado a
uma aproximação cultural que se estendia do Canadá a[sic] Argentina, de modo
que proporcionou um intercâmbio de informações, livros e fotos que ampliaram
a discussão e os quadros folclóricos nos países de todo território americano.
Sendo assim, cada país teve um “delegado” função com as atribuições de
presidir e mediar as discussões e pesquisas. No Brasil, o cargo foi assumido e
dirigido por Cascudo. No ano de 1944, a área geográfica de discussão do Círculo
foi delimitada entre o México e a Argentina. (BARROS, 2018, p. 48-49).
Apesar do significativo número de membros e a expansão através de filiais em
outros estados, o cenário dos estudos folclóricos foi marcado por disputas,
principalmente, por aspectos políticos e intelectuais. Assim, entre os desafios
enfrentados, estavam: a falta de uma sede para realizar as reuniões da SBF, que ocorriam
na casa de Câmara Cascudo; e a disputa com outro grupo de intelectuais que constitui
uma entidade brasileira vinculada oficialmente ao governo vigente, destinada a lidar com
as manifestações culturais que eram de interesse e foco da SBF, a Comissão Nacional
de Folclore.
O MFB foi vinculado à CNF, pertencente ao Instituto Brasileiro de Educação,
Ciência e Cultura (IBECC) criado em 1946 para representar o Brasil na Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Essa entidade
internacional se voltou para as dimensões culturais como forma de promover uma
valorização dos povos, em decorrência do genocídio da II Guerra Mundial. Para Paulo
Anchieta Florentino da Cunha “[...] o folclore foi tomado como elemento de
congraçamento entre os povos.” (CUNHA, 2011, p. 25) em 1497, Renato Almeida
aproveitando da sua posição no Ministério do Exterior, propôs a CNF. A atuação dessa
entidade se caracterizou por suas iniciativas ao desenvolver eventos e campanhas
destinadas ao enaltecimento do MFB, aponta que a instituição “[...] adotava um
engajamento coletivo na defesa das tradições populares.” (VILHENA, 1997, p. 173). Para
isto, organizaram diversos congressos nos quais se decidiam diretrizes a serem seguidas
na elaboração dos estudos folclóricos. Em decorrência da instauração do golpe militar
em 1964, essa entidade foi abalada e reorganizada.
Conforme Barros:
Com a criação da Comissão Nacional de Folclore, a circulação de ideias foi
ampliada, ao tempo que as redes intelectuais e relações de poder foram ainda
mais exasperadas. O objetivo da instituição foi promover e incentivar os
estudos folclóricos e representar, como entidade brasileira, as instituições e os
folcloristas brasileiros, nas suas relações com o estrangeiro, desenvolvendo o
intercâmbio com centros de estudos e pesquisas folclóricas de outros países.
(BARROS, 2018, p. 54).
A CNF, assim como a entidade sediada na cidade de Natal, distribuiu-se em
diversos estados do país com suas subcomissões. Na Paraíba, através de
correspondências enviadas por Renato Almeida ao presidente da Comissão do IBECC no
estado, Celso Mariz, e o presidente da APL, Oscar de Castro, solicitando a criação da
Comissão Paraibana de Folclore, o primeiro a presidi-la foi Francisco Vidal Filho.
Fundada em 1948, a entidade teve diversos dirigentes, entre eles Hugo Moura que atuou
de 1963-1977, sendo desativada em 1978. Ainda, atuou enquanto mediador da Comissão
Paraibana com a Universidade Federal da Paraíba, executando algumas reuniões e
eventos em seus espaços. Em decorrência das diretrizes do I Congresso Brasileiro de
Folclore em 1951, dedicou-se a produzir o mapa folclórico da Paraíba sendo publicado
na década de 1960, pautou-se em questionários enviados a representantes municipais ao
longo do estado. Sua atuação visava integrar o Movimento Folclórico Brasileiro com a
Universidade, desenvolvendo estudos e pesquisas através desta entidade.
Como aponta Paulo Anchieta F. Cunha (2011), a ausência de arquivos sobre a
instituição estivera associada à própria ausência de uma sede, sendo realizadas algumas
reuniões na Associação Paraibana de Imprensa. Também, podemos observar a
dificuldade de organização e estruturação da entidade pela troca-troca de dirigentes. Os
poucos registros encontrados pertencem ao acervo da CNF, na Revista Brasileira de
Folclore e documentação cedida pela família de Hugo Moura. Ainda: “Entre 1948 e 1978
as dificuldades enfrentadas pelos que ocupam o posto de Secretário-Geral refletem em
‘refundações’, ‘reestruturações’ e reorganizações’.” (CUNHA, 2011, p. 54). A entidade
paraibana não teve forte expressão além da atuação de Hugo Moura, promovendo
eventos pontuais para comemorar o Dia do Folclore e reuniões em distintos espaços.
Podemos perceber que os desafios enfrentados pelas organizações preocupadas
com os estudos folclóricos marcaram a própria memória dessas instituições. O Folclore
não conseguiu adentrar ao espaço acadêmico no Brasil. Ainda em decorrência do
reconhecimento estatal da CNF, a SBF e sua trajetória passou por despercebida pelos
estudiosos do MFB.
Os registros sobre a SBF, um pouco da trajetória desta e de alguns de seus
membros estão disponíveis em periódicos da época de sua atuação, principalmente das
décadas entre 1940 e 1960. As produções apontam os compromissos, participação dos
membros em congressos nacionais e internacionais, a própria fundação da associação,
reconhecimento da atuação da SBF por parte de alguns colunistas, além da apresentação
de algumas obras oriundas dos estudos desenvolvidos. Assim, através dos periódicos,
conseguimos perceber um pouco das propostas desenvolvidas pela SBF e a atuação de
seus membros nos principais congressos culturais das décadas de 1940 a 1960.
Contou com diversos membros que, apesar das diversas e distintas vivências, de
várias regiões e até nacionalidades, construíram produções e apresentaram forte
preocupação em registrar e preservar manifestações culturais tidas como elementos
singulares de uma identidade, primeiramente regional, a molécula constituidora de uma
célula nacional. Através dessa associação podemos perceber a trajetória percorrida
pelos intelectuais na construção do folclorista brasileiro, os percalços enfrentados, as
disputas e as atuações políticas sobre organizações que pretendiam desenvolver estudos
cultuais na primeira metade do século XX.
Esta entidade cultural foi formada por um número significativo de membros de
diversas localidades nacionais e estrangeiras, com letrados de forte ligação acadêmica,
intelectuais pertencentes a uma elite e em sua maioria homens. Assim, lidamos com
sujeitos que se construíram enquanto folcloristas e disseminaram discursos e
sociabilidades. Essa rede intelectual se constituíra, principalmente, nas trocas constantes
de correspondências, colunas em periódicos, colaboração com produções, como
prefácios de livros. Formulavam conexões de norte ao sul do país, das lideranças locais
aos representantes do poder estatal, homens de forte atuação política e que se
construíram, primeiramente, enquanto intelectuais e, ao mesmo tempo ou
posteriormente, como folcloristas, elaboradores e narradores de uma Nação.
Nos deparamos com interesses que estão além de executar, sistematizar e
organizar a produção cultural local. Houve uma própria construção e exaltação desses
homens que passaram a ocupar novos espaços nas colunas de jornais. Esses sujeitos
tomaram para si a responsabilidade de elaborar uma identidade nacional, tendo como
critério básico a cultura popular.
Nos estatutos evidencia-se a abertura para a integralização de indivíduos que já
faziam parte de outras instituições que partilhavam objetivos parecidos com a
associação. Ao analisar a formação desses membros, percebemos que são homens de
uma posição privilegiada. O fato de estarem associados a outra instituição demonstra
um seleto grupo de colaborados, sujeitos que são reconhecidos em outros espaços e
tem discurso autorizado. Não necessariamente ligados às discussões sobre o folclore,
mas que se dispõem a continuarem ou iniciarem essa atuação em suas localidades. Por
isso, percebemos a instauração de filiais da SBF em alguns estados brasileiros, como foi
estabelecido no Estatuto de 1942:
A Sociedade filiada mantém absoluta autonomia em sua administração,
publicações, aceitando apenas as linhas gerais da orientação técnica da S. B. F-
L. quanto à direção cultural dos trabalhos de colheita e aproveitamento do
material folclórico e etnográfico, ressalvando o direito individual dos autores de
escolher sua tese e comentário livremente, desde que se conservem no espírito
próprio e legítimo do Folclore. (ESTATUTO, 1942, p. 6-7).
A autonomia também se destacava nas escolhas dos membros para as filiais e o
desenvolvimento de estudos folclóricos considerados importantes para esses sujeitos em
suas localidades, embora fosse necessário seguir as orientações repassadas pela
instituição sede, principalmente em relação à metodologia da colheita folclórica.
O folclorista membro da SBF atuaria como redator fidedigno das expressões
culturais que comporiam a nação, e não apenas essa, pois atravessando as fronteiras,
identificando elementos correspondentes dessa cultura além do espaço nacional.
Podemos observar como este Estatuto, em específico, estabelece uma relação de
diretrizes para a elaboração dos estudos folclóricos, propondo metodologias de coleta e
análise, além de incentivar a exploração de algumas temáticas. Por exemplo, a produção
vidaliana singularizou-se por enfatizar as lendas e os mitos paraibanos e do Nordeste. O
inquérito como mecanismo de coleta de informações também se destacou como
proposta da SBF, pretendendo acumular dados que frutificariam nos escritos folclóricos.
Sendo assim, diante dessa entidade, o folclorista seria um guardião da cultura em
ruína, que necessitava de sua atuação para ser preservada e reconhecida enquanto
elemento singular de uma identidade nacional. Ademar Vidal, ao fundar a Sociedade
Paraibana, solicitou a Cascudo que enviasse os estatutos para que sua instituição os
seguisse, evidenciando uma preocupação com os métodos da pesquisa cultural.
Podemos ainda enfatizar a influência desse manual folclórico no inquérito
vidaliano pelas temáticas abordadas, o interesse no âmbito material, social e da natureza
sertaneja, a intenção de abranger o maior número possível de informações e dados das
vivências sertanejas, além das solicitações de registros fotográficos de expressões dos
hábitos e costumes do sertão. Elaborar um discurso folclórico para a entidade potiguar
implicara, primeiramente, em seguir orientações e métodos para um aproveitamento da
coleta do material estudado e abordar o máximo de dimensões culturais, sociais,
econômicas e da natureza dos espaços e do popular.
Vitor Hugo Silva Néia aponta os confrontos entre os folcloristas brasileiros e
embates que findaram na recusa do folclore enquanto uma disciplina, principalmente,
pelo embate com a Sociologia:
No Brasil, também se notabilizou a querela entre os chamados folcloristas e a
Sociologia, como nos artigos de Florestan Fernandes (2003). Do mesmo modo
que na Inglaterra, as críticas dirigiam-se às dificuldades em se delimitar objetos
e métodos e às limitações analítico-interpretativas dos estudos folclóricos,
controvérsias que contribuíram para esvaziar sua relevância acadêmica, a
despeito da riqueza das obras de pesquisadores como Luís da Câmara Cascudo.
(NÉIA, 2017, p. 215).
Assim, evidenciamos que os embates teóricos e disputas de espaço estiveram
atrelados a atuação dos folcloristas no início e meados do século XX. A proposta de
construir ou de revelar uma identidade nacional fomentou projetos vinculados ao Estado,
sendo autorizados e promulgados. Os discursos dos folcloristas e suas intencionalidades
estavam alinhados aos interesses de uma elite letrada.
Considerações finais
Nessas interações intelectuais de Ademar Vidal destacamos a relação com
Câmara Cascudo, colaborador e incentivador dos estudos culturais
vidalianos. Sobre este
âmbito de produção, a década de 1940 marcou o direcionamento da sua obra ao viés
cultural e social, voltando-se aos estudos da cultura popular paraibana. Assim, Vidal
participou dos movimentos literários, das expedições folclóricas e dos principais
congressos intelectuais da sua época, gerando uma alta repercussão da sua obra.
O Movimento Folclórico Brasileiro foi fundamental para a elaboração de uma
produção cultural, enaltecendo elementos representativos paraibanos e as
singularidades capazes de compor uma identidade. Por isso, este campo foi além da
elaboração de produções locais sobre as práticas e marcas culturais, sendo também alvo
de disputas de grupos de intelectuais que pretendiam construir uma identidade local e,
principalmente, nacional, através desses estudos.
Nas correspondências enviadas para Câmara Cascudo evidenciamos o processo
de atuação e elaboração do perfil folclorista de Ademar Vidal. O paraibano utilizou os
inquéritos como meio de angariar as fontes para seu trabalho folclórico. Elaborando em
torno de si uma rede intelectual. Sua intenção era obter registros de manifestações
culturais populares que segundo o saber folclórico, seria a fonte necessária para
construir uma identidade nacional, tendo em vista a essência presente no popular.
Essa interferência no campo cultural também foi aproveitada pelo Estado, na
intenção de legitimar sua ideologia política. Incentivando e divulgando o trabalho de
diversos intelectuais no campo cultural, assim sendo, o apoio do Estado foi fundamental
para a criação e manutenção de instituições. Porém, essa ajuda, contribuição e
interferência nos cenários intelectual e cultural, não eram ações ingênuas. Havia uma
necessidade do próprio Estado de se afirmar e montar um sentimento de nacionalidade,
elaborando uma unidade diante das agitações políticas que marcaram os anos 30 e 40.
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