MATOS, Ingrid Laisa Melo
*
https://orcid.org/0000-0003-0596-8435
RESUMO: O presente artigo tem por objetivo
examinar como o periódico Tribuna da
Imprensa abordou o conflito anglo-argentino
pela soberania dos arquipélagos das Geórgias
do Sul, Malvinas e Sandwich do Sul, ocorrido
entre 2 de abril e 14 de junho de 1982. Conclui-
se que o periódico em questão, Tribuna da
Imprensa, noticiou em seu material jornalístico
não assinado as versões de ambas as partes
beligerantes, ademais de assinalar, sobretudo,
as ações diplomáticas do Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: crise; guerra; Malvinas;
Falkland; Tribuna da Imprensa
ABSTRACT: The present paper aims to
examine how the Tribuna da Imprensa
approached the conflict between Argentina
and United Kingdom for the sovereignty of the
South Georgia, Falkland and South Sandwich
Islands, which took place between April 2 and
June 14 1982. The conclusion is that Tribuna da
Imprensa reported in unsigned journalistic
material the versions of both sides of the
conflict, in addition to underlining, above all,
the Brazilian diplomatic initiatives.
KEYWORDS: crisis; war; Malvinas; Falkland;
Tribuna da Imprensa
Recebido em: 18/07/2020
Aprovado em: 02/10/2020
* Graduada em Relações Internacionais pela UnB, Brasília- DF, Mestranda do Programa de Pós-Graduação
em História da UnB, Brasília-DF. Bolsista CAPES. Email: ingridlmmatos@gmail.com.
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
Introdução
Em 26 de março de 1982, a terceira Junta Militar do Proceso de Reorganización
Nacional decidiu executar uma ação militar nas ilhas Malvinas, localizadas no Atlântico
Sul, com o propósito de recuperar a soberania sobre o arquipélago que, desde 3 de
janeiro de 1833 é um território britânico.
Para tanto, vale recordar que, em 2 de janeiro de 1833, John Onslow, comandante
da embarcação HMS Clío, em duas oportunidades, comunicou a José María Pinedo,
governador provisório das Malvinas, que havia recebido ordens para exercer direitos de
soberania sobre o território insular. Assim, Pinedo dispunha de 24 horas para recolher a
bandeira das Províncias Unidas do Rio da Prata e aprestar o embarque da sua tropa.
Diante da recusa de Pinedo de se retirar, na manhã no dia seguinte, uma força britânica
desembarcou e substituiu a bandeira então hasteada pela britânica.
Entre os dias 02 de abril e 14 de junho de 1982, ocorreu o conflito argentino-
britânico pela soberania dos arquipélagos das Geórgias do Sul, Malvinas e Sandwich do
Sul contenda usualmente, denominada Guerra das Malvinas. Neste trabalho, o lapso
temporal de 74 dias é segmentado em dois momentos, a saber: a crise das Malvinas, de 2
a 30 de abril; e, a Guerra das Malvinas, entre de maio e 14 de junho. A primeira etapa,
teve início com o desembarque argentino, que apontou, no plano diplomático, a mediação
do secretário de Estado dos Estados Unidos, encerrando-se com a reocupação das
Geórgias do Sul pelas forças britânicas. E, a segunda etapa, teve início com a ofensiva
britânica nas Malvinas, encerrando-se com a rendição argentina na capital do
arquipélago.
Diante do exposto, a presente pesquisa teve por objetivo analisar a abordagem
jornalística sobre a crise e a Guerra das Malvinas realizada pelo periódico Tribuna da
Imprensa. Este foi privilegiado como fonte e objeto de pesquisa, pelo fato de que, tanto a
crise quanto o conflito anglo-argentino foram noticiados no periódico, estando seu
material jornalístico na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Optou-se pelo
empregar “Malvinas” ao fazer menção ao nome do território insular em detrimento de
“Falkland”, sendo para este reduzidas as ocorrências que mencionam o arquipélago em
questão na língua inglesa.
O periódico Tribuna da Imprensa foi fundado em 27 de dezembro de 1949, no Rio
de Janeiro, pelo jornalista Carlos Lacerda. Deixou de circular no modo impresso em 2 de
dezembro de 2008. Desde então, mantém edição online. Antes de sua fundação, foi
criado por sugestão de Lacerda no jornal Correio da Manhã, em 1946, a coluna
intitulada Na Tribuna da Imprensa. Em 1948, por ocasião das primeiras deliberações
sobre a exploração dos recursos naturais nacionais, Lacerda imiscuiu-se nesses debates
defendendo a participação do capital estrangeiro na exploração petrolífera e
empreendendo uma campanha em objeção à outorga do refino de petróleo a dois grupos
privados brasileiros: Drault Ernany-Eliezer Magalhães, proprietário da Refinaria de
Petróleo do Distrital Federal S/A, e Soares Sampaio-Corrêa e Castro, dono da Refinaria e
Exploração de Petróleo União S/A (MENDONÇA, 2008).
Nesse contexto, Lacerda passou a utilizar a coluna em questão para insultar a
família Soares Sampaio. Como exemplo, em artigo titulado Um grupo aguando o Brasil,
de 26 de abril de 1949, aquele jornalista imputava à família Soares Sampaio “o grupo
matriz, o grupo principal da roda de empresários de negócios que ocupou o governo
Dutra e o compromete e o envolve, e o aconselha e o denigre. Em torno dele giram e
prosperam os mais notórios próceres da adulação e do engodo” (MENDONÇA, 2004, p.
16). Este e outros artigos incomodaram Paulo Bittencourt, proprietário do Correio da
Manhã e amigo íntimo da família Soares Sampaio. Assim, Lacerda foi afastado do jornal,
mas conservou o direito de utilizar o título da coluna como melhor lhe conviesse.
Algum tempo depois, Aluísio Alves, deputado pela União Democrática Nacional
(UDN) do Rio Grande do Norte, e Luís Camilo de Oliveira Neto persuadiram Lacerda
sobre a viabilidade de fundar seu próprio periódico, algo que se deu com êxito via
mobilização de corporações empresariais ligadas ao capital externo (MENDONÇA,
2008). Assim, ao final do governo do general Eurico Gaspar Dutra, Lacerda fundou o
vespertino Tribuna da Imprensa, veículo que representou as principais propostas da
UDN e que faria oposição às forças políticas remanescentes do getulismo (LEAL, 2010).
Em agosto de 1961, com a renúncia do então presidente Jânio Quadros, o Tribuna
da Imprensa foi um dos primeiros órgãos a encampar a tomada de poder pelos militares,
a fim de obstar a posse do vice-presidente João Goulart (LEAL, 2010). Dois meses após a
renúncia de Jânio Quadros, devido às dificuldades financeiras, Lacerda vendeu o Tribuna
da Imprensa para Manuel Francisco do Nascimento Brito e, em 12 de março de 1962, foi
vendido para Hélio Fernandes. O jornal manteve uma oposição sistemática à presidência
de Goulart nos primeiros anos sob nova gestão. De acordo com o próprio Hélio
Fernandez, não existia nenhum ponto de aproximação entre a linha política do jornal e o
governo do mandatário de então (LEAL, 2010).
Em 31 de março de 1964, o Tribuna da Imprensa apoiou o golpe militar que
destituiu Goulart. Todavia, naquele mesmo ano, a partir da promulgação do Ato
Institucional 1 (AI-1), em 9 de abril, o periódico passou a apresentar uma posição
contrária à ditadura. A oposição do periódico foi gradativamente se avultando, a ponto
de conduzir o periódico a apoiar a Frente Ampla, movimento que tinha como principal
articulador Carlos Lacerda, que almejava unir, em oposição ao governo do então
presidente da República Humberto Castelo Branco, políticos como, por exemplo,
Juscelino Kubitschek e o próprio João Goulart (LEAL, 2010).
O engajamento oposicionista que Hélio Fernandez imprimiu ao Tribuna da
Imprensa seguiu no decorrer de todos os governos militares. E mesmo após o término do
regime militar, permaneceu mantendo uma postura independente com a situação,
permitindo-se tecer críticas quando considerasse necessário. A partir de 1968, a Tribuna
da Imprensa passou a sofrer a censura prévia de modo regular. Oficiais do I Exército,
por exemplo, realizavam visitas noturnas, quando definiam o que poderia ser publicado
nas edições das manhãs seguintes. Segundo Hélio Fernandez, a Tribuna da Imprensa
desperdiçava rotineiramente 20% do seu material redacional. A censura continuou
mesmo no decorrer da retomada do processo de restabelecimento dos direitos políticos
democráticos, o qual foi conduzido pela própria ditadura, sendo conhecido como
“abertura” (LEAL, 2010)
A interrupção da censura se deu em junho de 1978, anunciada informalmente, por
telefone, aos principais órgãos de imprensa visados. Nesse ínterim, em setembro de 1979,
o Tribuna da Imprensa impetrou uma ação de indenização contra os ex-presidentes da
República Emílio Médici e Ernesto Geisel, por “abuso de poder”, que teria ocorrido em
decorrência da censura praticada ao jornal no transcurso de dez anos (LEAL, 2010).
Durante o período de análise do material jornalístico do qual se ocupa essa pesquisa, no
cabeçalho do Tribuna da Imprensa tem-se uma tarja preta com a expressão “Sem
Censura”.
Deve-se ressaltar que o estudo da imprensa como objeto e fonte histórica é algo
recente. Segundo Maria Helena Capelato (1988), os historiadores brasileiros, até a
primeira metade do século XX, assumiam duas posturas distintas no tocante ao
documento-jornal: o menosprezo por considerá-lo fonte suspeita; ou a exaltação por
concebê-lo como repositório da verdade. As duas posturas são controversas, na medida
em que o jornal não é um transmissor imparcial e apartidário dos acontecimentos e
tampouco uma fonte desprezável porque permeada pela subjetividade.
Tânia Regina de Luca assinala que, no decênio de 1970, ainda era relativamente
diminuto o número de trabalhos que faziam uso dos jornais e revistas como fonte para a
compreensão da história no Brasil, tais impressos eram reconhecidos e não era novidade
“a preocupação de se escrever a História da imprensa”, todavia, tinha-se alguma
resistência quanto aos diários e revistas “para escrita da História por meio da imprensa”
(LUCA, 2008, p. 111, grifo do autor). A autora ainda destaca, de acordo com a tradição
predominante no decorrer do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, que
historiador deveria se amparar em fontes marcadas pela assertividade, credibilidade,
imparcialidade, veracidade e suficientemente distanciadas de seu próprio tempo. Nessa
conjuntura, os jornais afiguravam pouco apropriados para a recuperação do passado,
tendo em vista que as “enciclopédias do cotidiano” apresentavam registros incompletos
do presente, elaboradas sob o influxo de compromissos, emoções e preferências, pois,
em lugar de propiciarem compreender o corrido, forneciam imagens desvirtuadas,
inacabadas e tendenciosas.
Ainda na década de 1970, o estatuto da imprensa experimentou deslocamento
fundamental, pois concomitantemente à história da imprensa e por meio da imprensa, o
próprio jornal converteu-se em objeto da pesquisa histórica (LUCA, 2008). Uma possível
explicação para essa mudança reside na dessacralização dos fatos por parte do
historiador, ao reconhecer que os fatos são fabricados e não dados. Algo análogo
transcorreu no campo da imprensa onde, igualmente, reverenciou-se a objetividade.
Nesse sentido, grande parte dos jornalistas assente que o fato jornalístico é construído;
por conseguinte, a objetividade é relativa (CAPELATO, 1988).
A imprensa, neste trabalho, é entendida como um agente de intervenção na vida
social e não apenas como veículo de informações (CAPELATO; PRADO, 1980). E para
examinar como o Tribuna da Imprensa abordou a crise e Guerra das Malvinas elegeram-
se como principais materiais jornalísticos notícias e reportagens não assinadas, pois a
diversidade de sujeitos jornalistas, comentaristas e articulistas no restante do
material constituía um empecilho metodológico, sendo necessária uma análise biográfica
e bibliográfica. Entretanto, quando uma notícia, reportagem ou um artigo assinado
apresentaram um fato que se julgou relevante, fez-se uso de tal expediente discursivo. O
presente estudo também teve por base as literaturas argentina e britânica sobre a
contenda.
Verificou-se que o material jornalístico não assinado sobre a crise e a guerra
anglo-argentina figurou, sobretudo, na editoria internacional do Tribuna da Imprensa,
sendo que as informações veiculadas são provenientes da agência internacional de
notícias francesa Agence France Presse (AFP). Nesse sentido, ao privilegiar o material
remetido por uma agência de notícias em detrimento do correspondente expatriado, o
Tribuna da Imprensa não construiu a sua própria elaboração dos acontecimentos. Em
outras palavras, limitou-se em acompanhar os acontecimentos com “olhos
internacionais” (NATALI, 2004, p. 25).
Diante do exposto, o presente trabalho, além da introdução e das considerações
finais, compõe-se de três seções. Na primeira delas, apresentam-se os antecedentes ao
desembarque argentino a partir do início do governo de Leopoldo Galtieri.
Posteriormente, na segunda seção, versa-se sobre a crise das Malvinas. Por fim, na
última seção, aborda-se a Guerra das Malvinas.
Antecedentes ao Desembarque Argentino
Na Argentina, em dezembro de 1981, a Junta de Comandantes destituiu da
presidência o tenente-general Roberto Viola. Assim, em 22 daquele mês, assumiu a
presidência o integrante da Junta Militar general Leopoldo Galtieri, concentrando os
cargos de presidente da República e comandante-chefe do Exército. Também integravam
a Junta Militar, Jorge Isaac Anaya, da Marinha, e Basílio Lami Dozo, da Força Aérea.
Galtieri foi conduzido à presidência em decorrência de um acordo com o almirante
Anaya, seu amigo. A Marinha anuía à assunção do comandante-chefe do Exército à
função de presidente da República e, em contrapartida, o componente terrestre das
Forças Armadas da Argentina assentia com uma intervenção militar para a recuperação
da soberania sobre as ilhas Malvinas, Georgias do Sul e Sandwich do Sul (LORENZ, 2009.
RUSSELL, 1990). A Marinha tinha um projeto de ocupação das ilhas Malvinas desde 1955,
o qual era atualizado de tempos em tempos (YOFRE, 2011).
No dia 05 de janeiro de 1982, a Junta Militar reuniu-se no edifício Libertad, sede
da Marinha. Após examinar a trajetória das negociações com o Reino Unido desde 1965
até então, decidiu empreender uma ação diplomática enérgica no caso das Malvinas, com
o propósito de reativar os esforços para dirimir a disputa pela soberania do arquipélago.
Além disso, seus integrantes sublinharam a necessidade de iniciar estudos para avaliar a
factibilidade e a conveniência de uma ocupação das Malvinas (VAGO et. al, 1983).
Em uma reunião posterior ocorrida em 12 de janeiro de 1982, novamente na
sede da Marinha , a Junta Militar decidiu instituir uma Comissão de Trabalho tripartite
visando consubstanciar um plano militar para as Malvinas como uma ação alternativa,
em caso de malogro da solução negociada com o Reino Unido, não obstante a resolução
do litígio mediante um acordo. Foram designados para integrarem a comissão o general-
de-divisão, Osvaldo Jorge García, o vice-almirante, Juan José Lombardo, e o major-
brigadeiro, Sigfrido Martín Plessl. Oportunamente, a Junta em questão comunicaria aos
chefes do Estado Maior Geral das três Forças Armadas e ao ministro de Relações
Exteriores sobre o plano de emprego do poder militar para consolidar a soberania
argentina no Atlântico Sul (VAGO; et al, 1983).
A Comissão de Trabalho elaborou o Plan de Campaña Esquemático
correspondente a Directiva Estratégica Militar (DEMIL) 1/82. De acordo com a DEMIL
1/82, desde o ponto de vista militar, a operação era apta, factível e admissível, apesar de
que duas condições deveriam ser atendidas, a saber: o então estado britânico de defesa
do arquipélago deveria ser mantido; e o emprego da força estaria restrito às operações
incruentas, com o intuito de minimizar a reação britânica e propiciar uma melhor posição
negociadora. Após a recuperação das Malvinas, as forças de ocupação seriam retiradas,
permanecendo no arquipélago uma diminuta guarnição. E conforme as previsões iniciais,
as Forças Conjuntas estariam em condições de executar a operação a partir de 15 de
maio de 1982, sendo a ação concluída em cinco dias, ao passo que o dia “D mais 5se
daria em 25 de maio data que celebra a Revolução de Maio. O plano teve por base uma
ausência quase total de previsão de reação militar britânica (CARDOSO; KIRSCHBAUM;
VAN DER KOOY, 1983).
Cardoso, Kirschbaum e Van der Kooy (1983) destacam que dois aspectos
aparecem claramente nos documentos originais da Junta, quais sejam: a) caso o Reino
Unido reagisse ao desembarque, faria de uma forma destinada a forçar a negociação e,
por conseguinte, se enviaria uma pequena força simbólica; nesse cenário, antevia-se
deixar nas Malvinas um destacamento militar, aéreo e marítimo não superior a 600-700
homens sob o comando de um coronel, que serviria como uma presença dissuasiva para
impedir uma tentativa de recuperação das Malvinas por parte da marinha britânica; e, b)
o Reino Unido preferiria ou admitiria a via da negociação até que estivesse convencido
de que o tema da soberania o estava em discussão, e somente então avaliaria
cautelosamente se empreendia a reocupação do território mediante o uso da força.
Nesse viés, em 16 de fevereiro, Galtieri comunicou ao ministro de Relações
Exteriores, Nicanor Costa Méndez, sobre os planos de ocupação militar das Malvinas.
Costa Méndez sugeriu ao presidente estabelecer um grupo de trabalho para formular
hipóteses e alternativas sobre o tema. No entanto, o mandatário argentino recomendou-
lhe reserva total, uma vez que o resultado da reunião em Nova Iorque definiria o curso
dos acontecimentos (CARDOSO; KIRSCHBAUM; VAN DER KOOY, 1983).
A rodada de negociação em Nova Iorque ocorreu entre os dias 26 e 27 de
fevereiro de 1982. A delegação argentina tinha como integrantes Enrique Ros, vice-
chanceler, e Carlos Ortiz de Rozas, embaixador argentino em Londres. Por sua vez, os
representantes britânicos eram: Richard Luce, subsecretário do Foreign Office, Anthony
Williams, embaixador britânico em Buenos Aires, Robert Fearn, chefe do Departamento
América do Sul do Foreign Office, e dois representantes dos habitantes das Malvinas. A
proposta argentina, denominada proposta de reativação, incluía a instauração de uma
Comissão Permanente Negociadora que deveria reunir-se todas as primeiras semanas de
cada mês, alternadamente, em Buenos Aires e em Londres, tendo o prazo de um ano
para obter uma solução no interior das negociações (VEGAS, 2016; YOFRE, 2011).
Luce entregou um working paper com a perspectiva britânica sobre a comissão
permanente, que não fazia referência à periodicidade com que o grupo de trabalho
deveria reunir-se. A estratégia britânica constituía em protelar uma definição e
impossibilitar que as negociações tivessem uma data de vencimento. Como se tratava de
um working paper e não de uma proposta concreta do Foreign Office, o delegado inglês
acordou com o seu par argentino em manter estrito sigilo sobre o documento britânico,
dado que o esboço de proposta ainda não havia sido apresentado ao gabinete
conservador da primeira-ministra Margaret Thatcher e ao Parlamento (CARDOSO;
KIRSCHBAUM; VAN DER KOOY, 1983). No dia seguinte ao término da reunião, foi
emitido um comunicado conjunto, onde as partes declaravam que o encontro se deu em
um clima cordial e positivo, reiterando a decisão de alcançar uma solução à controvérsia
pela soberania, examinando detalhadamente a proposta argentina, a fim de realizar
aperfeiçoamentos; por fim, ambas as partes concordaram em consultar seus respectivos
governos.
Em de março de 1982, após consulta à Junta Militar, Costa Méndez emitiu um
comunicado unilateral deixando completamente atônitos os diplomatas que haviam
participado do encontro mencionando “paciência, lealdade e boa fé” virtudes que a
própria declaração unilateral contradizia ao descumprir o expediente acordado nas
negociações e conferir-lhes resultados que não haviam dito (NOVARO; PALERMO,
2007):
A Argentina negociou com a Grã-Bretanha com paciência, lealdade e boa-fé
durante mais de 15 anos, em observância às resoluções pertinentes das Nações
Unidas, a resolução da disputa da soberania sobre as ilhas. O novo sistema [de
reuniões mensais com agenda preestabelecida] constitui um passo eficaz para
pronta solução dessa disputa. Por outro lado, caso isso não ocorra, a Argentina
reserva-se o direito de finalizar o funcionamento desse mecanismo e eleger
livremente o procedimento que melhor contemple os seus interesses. (VAGO et
al., 1983, p. 18, [tradução nossa])
1
.
1
[No original]: La Argentina ha negociado con Gran Bretaña con paciencia, lealtad y buena fe, durante más
de 15 años, em el marco señalado por las resoluciones pertinentes de la ONU, la resolución de la disputa de
soberanía sobre esas islas. El nuevo sistema constituye un paso eficaz para la pronta solución de esa
disputa. Por lo demás, si eso no ocurriera, LA ARGENTINA MANTIENE EL DERECHO DE PONER
TÉRMINO AL FUNCIONAMIENTO DE ESE MECANISMO Y DE ELEGIR LIBREMENTE EL
PROCEDIMIENTO QUE MEJOR CONSULTE A SUS INTERESES. (VAGO et al., 1983, p. 18).
A enérgica comunicação unilateral da chancelaria argentina enterneceu o
parlamento britânico, instigado pelo lobby da Companhia das Ilhas Falkland (firma que
monopolizava a vida econômica e política nas Malvinas). Nesse sentido, o Foreign Office
encaminhou urgentes mensagens aos seus embaixadores em Washington, Nicholas
Henderson, e em Buenos Aires, Williams, dando instruções para que esses contactassem
Thomas Enders, subsecretário de Estado dos Estados Unidos, e Harry Shlaudemann,
embaixador americano na Argentina, com o objetivo de advertir que o governo de sua
majestade achava-se disposto a encontrar uma solução à controvérsia, porém, era
inadmissível negociar em uma conjuntura ameaçadora (CARDOSO; KIRSCHBAUM; VAN
DER KOOY, 1983).
Vale destacar que em 1979, a companhia argentina Georgias del Sur S.A. do
empresário Constantino Davidoff, havia adquirido junto à Christian Salvensen Limited,
30 mil toneladas de metal, de instalações baleeiras desativadas nas ilhas Geórgias do Sul.
Os operários da firma argentina partiram em 11 de março de 1982, a bordo do ARA Bahía
Buen Suceso embarcação da Marinha argentina e chegaram ao território insular em
19 de março. Ao desembarcarem, o grupo de trabalhadores hastearam a bandeira
argentina e cantaram o hino nacional. Justaposta à desmontagem das estações baleeiras
resta estabelecer se com o conhecimento ou não de Davidoff ocorreu a Operação
Alfa da Marinha, nome em digo para instalação em Leith de uma base militar, com
aparência de base científica semelhante a estabelecida, em 1976, na ilha Thule, no
arquipélago Sandwich do Sul (CARDOSO; KIRSCHBAUM; VAN DER KOOY, 1983.
LORENZ, 2009).
Costa Méndez em uma reunião, em 15 de março com o vice-almirante
Leopoldo Suárez de Cerro, titular do Estado Maior Conjunto, posicionou-se contrário à
Operação Alfa, pois diferentemente da ilha Thule, o arquipélago das Geórgias do Sul era
habitado por integrantes do programa antártico britânico. À vista disso, a operação seria
rapidamente percebida, o que conduziria o Reino Unido a apresentar um enérgico
protesto. Lombardo manifestou apreciação similar ao do chanceler, ao reiterar, em uma
nota enviada ao comandante-chefe da Marinha, que a realização da Operação Alfa
provocaria a supressão do fator surpresa, condição indispensável no plano de
“recuperação” das Malvinas. Diante dessa avaliação, Anaya comunicou a Lombardo que
a operação seria cancelada.
Federico Lorenz (2009) assevera que algumas interpretações sustentam que o
comando da Armada manteve a decisão de executar a Operação Alfa, para garantir que
com essa coação se fizesse a ocupação militar das Malvinas. Ação que denota o grau de
desconexão e competição entre as forças e seus comandantes, que caracterizou todo o
Proceso de Reorganización Nacional; por outro lado, seria a primeira evidência da
grande ausência de coordenação que predominou no comando argentino durante a crise
e Guerra das Malvinas.
Em 22 de março de 1982, o ministro de Relações Exteriores argentino recebeu
uma nota verbal de Williams, que foi interpretada como uma virtual cominação. Esta
assim expunha:
Os ministros decidiram que o HMS Endurance seguirá para as Geórgias do Sul
para retirar os argentinos que ali se encontram. [...] O grupo de trabalhadores
argentinos está em Leith ilegalmente e não podem permanecer na localidade.
[...] É nosso desejo que as consequências políticas, com uma condução
responsável de ambas as partes, possa continuar sendo minoradas. Entretanto,
deve ficar bem claro que s não procuramos essa situação; foi a ação
irresponsável de Davidoff e a aparente inabilidade do governo argentino para
invocar a medida necessária que ocasionou tal situação. (CARDOSO;
KIRSCHBAUM; VAN DER KOOY, 1983, p. 326, [tradução nossa])
2
.
Galtieri, Anaya e Lami Dozo em uma reunião em 26 de março de 1982, na qual
estiveram presentes Plessl, Lombardo, García, Suárez del Cerro e Costa Méndez
compartilharam do entendimento que o incidente nas Geórgias estava abreviando
vertiginosamente a margem de manobra do governo militar argentino. Anaya avaliou que
o episódio havia chegado a um ponto desde o qual seria muito custoso para os
comandantes, retrocederem sem deteriorar suas respectivas bases de sustentação e
instando seus pares a uma decisão (CARDOSO; KIRSCHBAUM; VAN DER KOOY, 1983).
A Junta Militar, então, resolveu executar a operação no dia de abril, alternativamente,
nos dias 2 ou 3 de abril seguintes (VAGO et al., 1983).
O Comitê Conjunto de Inteligência do Reino Unido não pressupunha que o
propósito camuflado da ocupação argentina nas Geórgias do Sul era encetar uma guerra.
Sobre a questão, Max Hastings e Simon Jenkins (1984) apontam que três aspectos podem
explicar a análise relapsa do serviço de inteligência, a saber: 1) ponderavam que nenhuma
coação militar ocorreria nas Malvinas até o final de 1982 e, antes de imiscuir-se em um
conflito o governo argentino, apresentaria indícios, iniciando pressões na Organização
das Nações Unidas (ONU) e difundido uma campanha de publicidade com o objetivo de
evidenciar as arbitrariedades praticadas pelo Reino Unido; 2) a Inteligência receava
2
[No original]: Ministers have agreed that HMS Endurance should continue to South Georgia in order to
remove the remaining Argentines. […] The Argentine workforce are at Leith illegally and we cannot allow
them to remain. […] Our hope is that the political consequences, with careful handling on both sides, can
continue to be minimized. But is should be quite clear that this situation has not been of our seeking. It has
been Davidoff´s irresponsible action and the apparent inability of the Argentine Government to take
necessary remedial action which has brought it about. (CARDOSO; KIRSCHBAUM; VAN DER KOOY, 1983,
p. 326).
prenunciar, pela segunda vez, uma provável invasão argentina do arquipélago, não
efetivando-a, como se deu em 1977; e 3) o serviço de inteligência ponderava que não se
devia instigar a Argentina a realizar um ataque preventivo, pois, o Reino Unido estava
totalmente suscetível a uma agressão argentina com precisão; logo, esforços deveriam
ser empreendidos para o alcance de um arrefecimento da tensão e um acordo
diplomático quanto ao episódio nas Geórgias do Sul. Nesse sentido, o embaixador
britânico em Buenos Aires e os funcionários do Foreign Office admitiram tal prognóstico
até o início da crise das Malvinas.
Apesar da apreciação do Comitê Conjunto de Inteligência, o governo do Reino
Unido adotou medidas de precaução. O secretário de Estado para a Defesa, John Nott,
em 29 de março de 1982, informou à primeira-ministra que havia determinado o envio de
uma embarcação para reaprovisionar o Endurance; e ainda, um submarino nuclear seria
enviado. A previsão era de que ambos os navios chegariam às Malvinas em 13 de abril.
Ademais, outro submarino estava sendo aprestado e uma esquadra com sete fragatas e
um contratorpedeiro estava apta para partir de Gibraltar.
Em 31 de março, Nott, em uma reunião com os funcionários do ministério da
Defesa, foi comunicado que se tinha recebido informes de inteligência, assinalando que,
na madrugada do dia 2 de abril, a Argentina ocuparia as Malvinas. O secretário de Defesa
imediatamente se reuniu com a primeira-ministra. Participaram da reunião Luce, outros
funcionários do Foreign Office e o chefe do Estado Maior da Marinha. Concluída a
reunião, Thatcher remeteu uma mensagem a Ronald Reagan, presidente dos Estados
Unidos, asseverando que o governo do Reino Unido não admitiria, sob nenhuma
circunstância, a ocupação das Malvinas.
Thatcher demandava a Reagan que ele dissuadisse Galtieri, a fim de que o
presidente argentino não autorizasse nenhum desembarque, muito menos conflagrações.
Além disso, a primeira-ministra afirmou que Reagan poderia comprometer-se com
Galtieri que o Reino Unido não majoraria a contenda, nem entabularia hostilidades.
Depois de seguidas tentativas, Reagan logrou contactar com Galtieri na noite de dia de
abril. Galtieri recusou-se a contestar as chamadas até que fosse “tecnicamente
impossível” sustar o desembarque, evidência que os tomadores de decisão argentinos
continuaram acreditando na eficácia do fato consumado (NOVARO; PALERMO, 2007).
A Crise das Malvinas
A operação Azul das Forças Armadas argentinas, posteriormente, designada de
Operação Rosário, para a “recuperaçãodas Malvinas sofreu alterações às 12:57 do dia
31 de março. Inicialmente, a primeira parte do movimento conjunto militar consistia no
pouso de um avião da Líneas Aéreas del Estado (LADE), simulando uma avaria no
aeroporto da capital do arquipélago, para mobilizar, a partir disso, outra aeronave. Os
militares dessa confiscariam o edifício e sinalizariam a pista de pouso. Quando os
militares argentinos estavam se deslocando em direção ao destino, foram comunicados
que os britânicos haviam adotado medidas cautelares, posicionando veículos
atravessados, extensos e pesados destroços de ferro sobre a pista de aterrissagem. Além
do mais, foram informados que o contingente militar britânico era superior ao que
expectavam. Encontrava-se no território insular tanto os fuzileiros que deveriam partir,
quanto os que iriam substituir aqueles. Outro fato não previsto foi o desligamento do
farol de cabo Pembroke (CARDOSO; KRISCHBAUM; VAN DER KOOY, 1983.YOFRE,
2011).
Diante das circunstâncias, em 31 de março, em uma reunião dos comandos
militares, realizada a bordo do ARA Santísima Trinidad, decidiu-se executar a segunda
alternativa: principiar a “recuperação” pelos mergulhadores táticos. A operação naval
sucedeu como se havia previsto. Não houve registro de soldados britânicos ou habitantes
das ilhas feridos. Após a casa do governador, o povoado e o quartel militar em Río
Caprichoso terem sido militarmente ocupados, às 11h20min do dia 2 de abril, deu-se a
rendição do governador do arquipélago, Rex Hunt. Na ocasião, faleceu o capitão de
fragata da Marinha argentina, Pedro Giacchino, chefe dos mergulhadores táticos e dos
comandos anfíbios, devido a não possibilidade do não préstimo socorro, uma vez que
assistir o capitão fazia-se necessário atirar para matar e, os argentinos, segundo ordens,
não poderiam ocasionar nenhum dano aos ingleses (YOFRE, 2011.VEGAS, 2016).
Os argentinos receberam com entusiasmo a notícia da “recuperação” das ilhas
Malvinas por uma operação conjunta das Forças Armadas. Nas ruas de Buenos Aires, o
clima era de festa: os motoristas buzinavam com euforia, enquanto moradores lançavam
chuvas de papel picado do alto dos prédios, enfeitados com bandeiras; os jovens
passeavam nas ruas com bandeiras argentinas; o hino nacional foi cantado em todos os
colégios; e os professores salientaram aos estudantes o significado histórico da
“recuperação” do arquipélago (BUENOS..., 1982, p. 10).
As unidades de desembarque dos fuzileiros navais argentinos, apoiadas por
helicópteros e navios de guerra, desembarcaram e tomaram o aeroporto de Port Stanley,
dando início a um processo militar e político de consequências incomensuráveis. Uma
primeira análise militar da controvérsia possibilita verificar que, do ponto de vista
regional, era notória tanto a superioridade como as vantagens do Exército argentino, que
podia usufruir de bases de apoio logístico e reservas localizadas a poucas centenas de
quilômetros, ao passo que o território britânico estava mais de doze mil milhas de
distância. Nesse sentido, seria médio prazo que a conjuntura se deterioraria seriamente
para os militares argentinos, uma vez que, em decorrência do incidente nas ilhas
Geórgias do Sul, o governo britânico enviou para a região o quebra-gelos atômico
Endurance, além de dois submarinos atômicos e unidades de apoio força operacional e
técnica superior a qualquer outro meio aéreo ou naval argentino, poderia bloquear
totalmente as ilhas em disputa (NINO, 1982a).
Em 3 de abril, o Conselho de Segurança da ONU aprovou por 10 votos a
Resolução 502 (1982) que indicava a ocorrência de uma violação da paz na região das
ilhas Malvinas, exigindo sem tardar cessação das hostilidades, requisitando uma
imediata retirada de todas as forças argentinas do arquipélago e apelando aos governos
envolvidos a busca de uma solução diplomática para suas dissimilitudes. Após a
aprovação da Resolução em questão, o representante britânico ante às Nações Unidas
afirmou que seu país não iniciaria as hostilidades e aceitaria com satisfação os bons
ofícios de toda nação amiga, que contribuíssem para o reinício das negociações
(NAVIOS..., 1982, p. 10).
Em 5 de abril, Thatcher nomeou Francis Pym como novo secretário de Relações
Exteriores, após aceitar a renúncia de lord Carrington, visto como o principal
responsável pelo desembarque das Forças Armadas argentinas nas Malvinas por não ter
advertido o governo, embora a crise tenha se iniciado no princípio de março daquele ano.
Nesse viés, os especialistas políticos ressaltam que, em de março de 1982, o governo
argentino ameaçou oficialmente empregar “outros meios” para reaver a soberania sobre
as Malvinas apenas dois dias depois do insucesso das últimas negociações em Nova
Iorque. A primeira-ministra explicou que o chanceler se sentiu obrigado a demitir-se,
uma vez que a ocupação argentina no território insular foi uma ofensa humilhante ao
Reino Unido (MALVINAS..., 1982, p. 10).
Em relação ao posicionamento do Brasil, o ministro de Relações Exteriores
brasileiro, Ramiro Saraiva Guerreiro, entregou aos, então, embaixadores da Argentina e
do Reino Unido uma nota onde o governo brasileiro manifestava sua “profunda
preocupação diante do agravamento das tensões e do sério risco de confrontação
armada entre a República Argentina e o Reino Unido”. Saraiva Guerreiro ainda fez um
apelo, a fim de que os governos dos dois Estados encontrassem uma solução pacífica.
Após a entrega do documento aos representantes da Argentina e do Reino Unido, o
porta-voz do Itamaraty, Bernardo Pericás, reuniu-se com a imprensa para ler a
declaração do governo brasileiro e ponderou que a nota não objetava o direito soberano
da Argentina sobre o arquipélago, assim enfatizando: “[...] nossa posição é a mesma de
1833” (BRASIL APELA..., 1982, p. 2). Nesse sentido, ao apoiar a reinvindicação e o direito
argentino diplomaticamente e não pelo uso da força, o Ministério das Relações
Exteriores ratificou a tradição, os princípios e as convicções da República Federativa do
Brasil (FERNANDES, 1982, p. 4).
Os Estados Unidos resolveram oferecer seus bons ofícios para solucionar a crise
anglo-argentina no Atlântico Sul. Em Londres, Thatcher assegurou que o governo
britânico “ficaria muito feliz se o presidente Reagan ou outro for capaz de obter a
retirada dos argentinos das ilhas Malvinas, a restauração da soberania britânica e o
respeito ao desejo do povo de viver sob a soberania britânica” (EUA..., 1982, p. 10). Por
outro lado, o ministro do Interior da Argentina, general Alfredo Saint Jean, expôs que
caso a frota britânica intentasse retornar a ocupar as Malvinas, o território seria
defendido a qualquer preço. Por sua vez, o ministro da Defesa, Amadeo Frugoli,
assegurou que “não há nenhuma atenuante, nem negociações que faça a Argentina voltar
atrás na recuperação das ilhas” (HAIG..., 1982, p. 8).
Na capital do Reino Unido, em 7 de abril, Nott anunciou perante a Câmara dos
Comuns que a partir de 12 de abril seguinte, uma área de 200 milhas de extensão em
torno das Malvinas seria considerada “zona de guerra” pelo Reino Unido (LONDRES
DECLARA..., 1982, p. 9). Do ponto de vista prático, o bloqueio não implicou em
inconvenientes maiores para as tropas argentinas entrincheiradas no arquipélago, dado
que a ponte aérea de 24 horas com os aviões C-130 aparentava operar eficientemente.
Após o início do bloqueio, fontes navais em Buenos Aires informaram que só uma fragata
e um contratorpedeiro se encontravam em atividade de patrulhamento no exterior da
região bloqueada (NINO, 1982b).
Embora ainda estivesse em curso os bons ofícios do secretário de Estado norte-
americano, Alexander Haig, em 25 de abril, soldados britânicos desembarcaram de
helicóptero às 12 horas (horário de Brasília) em Grytviken pequeno porto nas ilhas
Geórgias do Sul. Segundo anunciado por Nott, as forças argentinas “apresentaram uma
resistência apenas limitada” e, às 14 horas, hastearam a bandeira branca e imediatamente
renderam-se (NOTT..., 1982, p. 9). O ataque britânico ocasionou surpresa, dado que os
meios diplomáticos e militares não expectavam que a frota britânica posicionada desde
23 de abril no Atlântico Sul, pudesse realizar um “ato de guerra” enquanto ocorresse a
missão diplomática de Haig (HENAULT, 1982).
Por sua vez, o governo argentino qualificou como “absolutamente falsas” as
afirmações sobre a rendição argentina no arquipélago das Geórgias do Sul, garantindo
que as “forças especiais” da marinha permaneceriam sustentando suas posições na
região de Porto Leith, não obstante os esforços efetuados pelos invasores,
numericamente superiores (VERSÕES..., 1982, p. 9). Conforme fontes extraoficiais, os
serviços especializados de inteligência do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas
argentinas teriam constatado “23 flagrantes inexatidões” provenientes das autoridades
britânicas, também, comprovando, ainda, a “utilização de outros efeitos de ação
psicológica visando” minorar “o espírito combativo das Forças Armadas e a vontade
decidida da população” (GUERRA..., 1982, p. 9).
Em 28 de abril, a 2Reunião de Consulta dos Ministros de Relações Exteriores
dos Estados-Membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) aprovou por 17
votos três a mais que o mínimo necessário , a Resolução 28/82, a qual reconhece os
direitos de soberania da República Argentina sobre as ilhas Malvinas, assim como insta o
governo do Reino Unido a cessar imediatamente as hostilidades que realiza na zona de
segurança definida pelo art. 4 do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar)
e abster-se de qualquer ação que possa perturbar a paz e a segurança interamericana; e
ainda, urge os governos implicados na contenda que prontamente, estabeleçam uma
trégua que possibilite o reatamento e o normal progresso das gestões tendentes à
solução pacífica da controvérsia, considerando os direitos de soberania da Argentina
sobre as Malvinas, como também os interesses de seus habitantes (DOCUMENTO...,
1982, p. 10).
Costa Méndez em seu discurso, após a aprovação da referida resolução,
agradeceu a “demonstração de solidariedade que “emociona a Argentina” e sublinhou
que o documento aprovado “reconhece, por voto mais que majoritário, os seculares
direitos argentinos de soberania sobre as Malvinas, e a jurisdição do Tiar”, sobre a
contenda com o Reino Unido (COSTA..., 1982, p. 10). Tal resolução também foi recebida
com contentamento pelo governo brasileiro. Sobre a questão, o então presidente da
República, João Batista Figueiredo, participando de um encontro em Porto Alegre, foi
interpelado sobre qual dos contendores o Brasil apoiaria em caso de um confronto
armado maior, ao passo que o mandatário respondeu: “O Brasil é pacífico, é pacifista, é
amigo da Inglaterra, é amigo da Argentina. Até agora não admitimos a hipótese de que
não haja bom senso e que as hostilidades cheguem ao ponto de se transformar numa luta
dessa natureza” (GENERAL..., 1982, p. 3).
Segundo especialistas militares, o governo britânico cumpriu o plano esboçado
em 4 de abril, quando as forças de intervenção partiram do Reino Unido. O plano
continha os seguintes tópicos: estabelecimento da zona de exclusão marítima, com vigor
a partir do dia 12 de abril; recuperação das Geórgias do Sul, a 200 km das Malvinas, que
se deu em 25 de abril; bloqueio aéreo das Malvinas, que entrou em vigor em 30 de abril;
e, a última etapa: a recuperação do arquipélago em disputa, ansiada pela população
britânica (LONDRES DECRETA..., 1982, p. 10).
O porta-voz da Casa Branca, Larry Speakes, comunicou que existem “muito
poucas bases para otimismo” no que se refere a uma solução pacífica do conflito pela
soberania das Malvinas, sublinhando que as autoridades norte-americanas
permaneceram em contato com as partes envolvidas. E, ainda asseverou que “a situação
continua muito grave”, mas “isso não quer dizer que abandonaremos a questão”
(INGLATERRA DIZ..., 1982, p. 9). Faz-se necessário salientar que as propostas
encaminhadas por Haig aos governos argentino e britânico consistiam: na retirada das
forças argentinas das Malvinas; interrupção das ameaças militares britânicas; e, no
transitório estabelecimento da administração britânica, seguida da instalação de uma
administração conjunta anglo-argentina, sob a salvaguarda dos Estados Unidos, no
decorrer da negociação sobre o estatuto final do território insular (REAGAN..., 1982, p.
10).
Nesse sentido, o Foreign Office anunciou que as propostas do secretário de
Estado norte-americano dependiam da Argentina. Ademais, acrescentou que “o tema
crucial é saber se a Argentina aceitará retirar as suas forças das Malvinas como pede a
resolução 502 do Conselho de Segurança da ONU” (INGLATERRA DIZ..., 1982, p. 9).
Segundo alguns observadores, tal afirmação poderia indicar que Londres deu a sua
anuência ao plano, que dependeria da retirada definitiva das forças argentinas, ao passo
que quase todos os segmentos do governo argentino consideravam que a última
proposta de paz norte-americana era francamente “pró-Inglaterra e, portanto,
inaceitável”, ainda que a Junta Militar declarasse que as propostas permanecem em
estudo” (ARGENTINA REPELE..., 1982, p. 10).
Em 30 de abril, a administração Reagan anunciou oficialmente o malogro da
mediação dos Estados Unidos na crise anglo-argentina: a Argentina foi responsável pelo
fracasso das negociações devido à inflexibilidade desse país nas concessões. Nesse
cenário, “(...) para ressaltar que os Estados Unidos não podem aceitar o recurso ilegal à
força para resolver os conflitos”, Reagan decidiu pela: cessação de todas as exportações
para a Argentina; supressão da elegibilidade Argentina para as vendas militares; e,
derrogação de novos créditos e garantias do Banco de Importação e Exportação e
revogação de créditos e garantias para o comércio de matérias-primas; e, ainda, caso as
forças britânicas solicitassem qualquer pedido de apoio material, sua nação
proporcionaria assistência, mas não interviria militarmente no conflito (REAGAN..., 1982,
p. 10). No decorrer da Guerra das Malvinas, o auxílio norte-americano materializou-se
em apoio logístico e inteligência militar.
A Guerra das Malvinas
Ao amanhecer de de maio, o avião de bombardeio estratégico britânico, do tipo
Vulcan, iniciou o ataque ao aeroporto na capital do arquipélago das Malvinas.
Posteriormente, às 9 horas, uma esquadrilha de Sea Harries decolou do porta-aviões e
defronte a costa do arquipélago segmentou-se em duas, uma dirigiu-se à Goose Green e
à Port Stanley. Em Londres, o porta-voz do ministério da Defesa, comunicou que a pista
de pouso na capital do arquipélago “ficou seriamente danificada, e as instalações
militares, os equipamentos e os armazéns de alimentos”. Em Goose Green, tanto a pista,
como “alguns aviões estacionados nas imediações” foram avariados. O porta-voz,
também informou que o caça Harrier, que foi atingido, havia sido reparado. Por fim, o
ministério da Defesa britânico anunciou que, ademais de ter abatido três aviões
argentinos, inutilizou o bombardeio Canberra (INGLATERRA PROMETE..., 1982, p. 10).
Por sua vez, o Estado Maior Conjunto das Forças Armadas argentinas anunciou
via relatório oficial que vários ataques e tentativas de desembarque das forças de
intervenção britânica sobre as Malvinas foram repelidas pelas tropas argentinas, que
derruíram três aviões Harrier e dois helicópteros e danificaram vários navios. Ao final, o
relatório conclui explanando que os prejuízos pessoais e materiais não eram, no
momento, significativos. Para o Estado Maior Conjunto, os combates com as forças
britânicas aeronavais “configuram um triunfo das armas argentinas” (ESTADO..., 1982, p.
10).
Devido ao agravamento das hostilidades entre a Argentina e o Reino Unido, o
chanceler Saraiva Guerreiro enviou um telegrama ao secretário-geral da ONU, Javier
Perez de Cuéllar, asseverando que
(...) o governo do Brasil considera imperativo que sejam imediatamente
acionados os mecanismos previstos na carta das Nações Unidas para a
manutenção da paz e da segurança internacionais. É responsabilidade das
Nações Unidas tomar medidas prontas e eficazes, inclusive acautelatórias, para
assegurar a implementação da resolução 502 (1982), do Conselho de Segurança,
em todos os seus aspectos. (BRASIL CONDENA..., 1982, p. 10).
Ainda em de maio, unidades da Flota de Mar da Marinha argentina iniciaram
uma manobra ofensiva. Em direção ao norte do arquipélago, avançou uma força liderada
pelo porta-aviões 25 de maio; pelo sul, deslocou-se o cruzador General Belgrano com
dois contratorpedeiros. Em consequência do insucesso de um ataque do submarino San
Luis contra embarcações britânicas, ocorre o recuo do conjunto de navios de superfície.
Às 16 horas do dia 2 de maio, o submarino nuclear britânico HMS Conqueror torpedeou o
General Belgrano, que não havia adentrado a zona de exclusão das 200 milhas e
encontrava-se diante da ilha dos Estados, no extremo-leste da província argentina Terra
do Fogo, acarretando seu naufrágio (ARGENTINOS..., 1982, p. 10). Desde o início da crise
no Atlântico Sul, as notícias relacionadas à controvérsia eram controladas e divulgadas
pelo Estado Maior Conjunto via comunicado. No comunicado número 21, afirmou-se
textualmente que haviam sido resgatados 680 tripulantes do cruzador General Belgrano,
em um total de 1042 marinheiros (ARGENTINA RESGATA..., 1982, p. 10).
Os britânicos passaram a arguir que o General Belgrano foi submergido quando
circundava as Malvinas pelo sul, pois tinha como propósito sustar os navios mercantes
britânicos os quais vinham robustecer a força de intervenção da marinha que estava
reunida ao leste do território insular. Na avaliação do Instituto Internacional de Estudos
Estratégicos de Londres, o Reino Unido não tinha a intenção de naufragar o único
cruzador argentino, mas desejava tão somente que o navio de guerra regredisse com sua
escolta (ARGENTINA RESGATA..., 1982, p. 10). Sobre a questão, Nott declarou perante a
Câmara dos Comuns, que em nome do princípio de legítima defesa ocorreu o
torpedeamento do General Belgrano (MAIS..., 1982, p. 10).
Também no mesmo 2 de maio, o secretário-geral da ONU iniciou uma missão de
bons ofícios, a fim de lograr uma solução pacífica ao conflito anglo-argentino. Desde o
princípio das negociações, Pérez de Cuéllar insistiu para que a questão da soberania do
arquipélago não integrasse os assuntos em discussão ocorridos em seu gabinete, com os
representantes diplomáticos de ambos os países. Para o secretário-geral, tal impasse
precisava ser dirimido posteriormente, quando ocorressem as negociações bilaterais,
eventualmente sob a supervisão das Nações Unidas. (SOBERANIA..., 1982, p. 10).
De acordo com o plano submetido a ambas as partes, a ONU assumiria
imediatamente a incumbência de administrar as Malvinas, à qual seria efetuada e
assegurada por certo número de países aceitos por ambas as partes. Uma fórmula a ser
determinada daria à população do território insular a possibilidade de manifestar sua
perspectiva e um representante da ONU conduziria as negociações diretas entre o Reino
Unido e a Argentina, cuja duração seria posteriormente fixada para definir o status
definitivo das Malvinas (CUÉLLAR..., 1982, p. 10).
Em 5 de maio, em decorrência das hostilidades militares pela disputa das ilhas
Malvinas, o chanceler brasileiro prestou esclarecimentos ao Senado. Na ocasião, Saraiva
Guerreiro expôs que a posição do Brasil diante do conflito era de “deter e reverter a
engrenagem da violência para que a Argentina e Inglaterra voltem à mesa de reuniões”. O
ministro, também, apresentou um retrospecto da posição brasileira, asseverando que
em 1833, o governo regencial respaldava o protesto da Argentina contra a invasão das
Malvinas pelo Reino Unido; mas deixou claro que o Brasil apoiava a Resolução do
Conselho de Segurança da ONU, que estipula a derrogação dos enfrentamentos, a
evacuação das ilhas por parte das tropas argentinas e o estabelecimento de negociações
diplomáticas. Saraiva Guerreiro ainda agregou que, desde o começo da crise, o Brasil
estava se esforçando pela pacificação entre os beligerantes, dado que, de um lado, o país
possui “densas relações” com a vizinha Argentina e, de outro, “não tem nenhum ponto de
controvérsia com a Inglaterra” (GUERREIRO..., 1982, p. 2).
Entre os dias 11 e 13 de maio, em visita oficial aos Estados Unidos, o presidente
brasileiro fez uma séria advertência ao governo norte-americano, tendo em vista as
consequências sobre as relações dos Estados Unidos com a América Latina, devido ao
apoio dado ao Reino Unido no conflito pelas Malvinas. Não obstante à conjuntura de
divergência, uma vez que cada Estado apoia um e outro dos contendores, os dois
presidentes concordaram sobre a necessidade de uma rápida solução, além de impedir
uma escalada militar no Atlântico Sul e logrando, assim, uma saída pacífica, alicerçada
ativamente na mediação desenvolvida pelo secretário-geral da ONU (TCHERKASKI,
1982).
A Aviação Naval argentina incorporou à sua frota três aviões EMB-111
Bandeirantes, de fabricação brasileira, para patrulhamento marítimo. As aeronaves
iniciaram suas tarefas específicas desde a base naval localizada em Baía Blanca, a 700
quilômetros ao sul de Buenos Aires (PYM..., 1982, p. 10). O Brasil dispunha de condições
para atender a novos pedidos da Argentina de venda de aviões Bandeirantes Patrulha P-
95, ademais das duas unidades já comercializadas, com aquele país. Entretanto, teria que
recorrer a um artifício para aprovisionar uma encomenda maior, no caso do Canadá,
fabricante dos motores desse modelo de aeronave e aliado do Reino Unido, chegar a
formular algum empecilho à exportação: utilizar-se-ia os motores dos Bandeirantes que
estavam voando no país, nas unidades exportadas (BRASIL PODE..., 1982, p. 2).
Em 19 de maio, Pérez de Cuéllar informa sobre o fracasso da tentativa diplomática
de negociação. Em Londres, o governo britânico considerou como insatisfatória a
resposta final da Junta Militar argentina sobre a solução do conflito em questão. No
entanto, o secretário-geral salientou que continuaria seus esforços, “até as últimas
horas” para alcançar uma solução pacífica (MEDIAÇÃO..., 1982, p. 10).
Em 21 de maio, o secretário de Defesa britânico assim declarou que as forças
britânicas estabeleceram uma consistente cabeça de ponte nas ilhas Malvinas:
“comando de fuzileiros da marinha e do regimento de paraquedistas encontram-
se em terra em número substancial, com artilharia, armas de defesa antiaérea e
outros equipamentos pesados que foram desembarcados de nossos navios.
Esses desembarques não encontraram resistência” (LONDRES DIZ..., 1982, p.
10).
Do ponto de vista argentino, tal combate desenvolveu-se em três frentes, quais
sejam: na Baía de Port San Carlos, no norte do estreito que separa as duas principais
ilhas do arquipélago deu-se uma importante operação de desembarque das unidades
britânicas; em Port Darwin, na região intermediária do estreito, deu-se uma tentativa de
desembarque de forças britânicas transportadas por helicópteros; na Baía Zorro,
aconteceu o desembarque. Diferentemente dos outros dois portos, a Baía Zorro situa-se
na ilha da G-Malvina a maior do arquipélago (ARGENTINA AFIRMA..., 1982, p. 10).
Em 26 de maio, o Conselho de Segurança aprovou, por unanimidade, a Resolução
505(1982). No documento, exortam-se os beligerantes a colaborarem integralmente com
o secretário-geral em sua missão de bons ofícios, bem como solicita que o secretário-
geral entre imediatamente em contato com as partes, com o propósito de negociar
termos mutualmente admissíveis para um cessar-fogo, incluindo, caso seja necessário,
entendimentos para o envio de observadores da ONU para verificar o cumprimento dos
termos do armistício.
O ministério da Defesa do Reino Unido informou por meio de comunicado, em 28
de maio, que o Segundo Batalhão de Paraquedistas tomou Port Darwin e Goose Green
situados na ilha malvinense de Soledad. Segundo aquele comunicado, as forças
argentinas sofreram baixas e um número não preciso de soldados inimigos foram
capturados como prisioneiros. De acordo com os correspondentes militares ingleses,
paraquedistas e fuzileiros navais avançaram nas seguinte direções: Port Darwin,
defendido possivelmente por mil militares argentinos, e, Goose Green, ao sul da ilha
Oriental e para o noroeste, onde se encontra a capital do território insular, defendida,
provavelmente, por aproximadamente sete a nove mil argentinos. Port Darwin ocupa
uma posição estratégica no centro da ilha Soledad é a segunda localidade em
importância nas Malvinas , já Goose Green possui um campo de aviação (INGLATERRA
ANUNCIA..., 1982, p. 10).
Em 8 de junho, a Força Aérea argentina infringiu grandes perdas à marinha
britânica, destruiu o navio de desembarque Sir Tristam, avariou o Sir Galahad, outro
navio de desembarque, e a fragata Plymouth. Fazendo uso da técnica de interceptação
eletrônica por rádio, os argentinos detectaram todos os movimentos de acercamento dos
navios, da força-tarefa britânica, e, desde o amanhecer as embarcações preparadas,
antecipadamente, partiram do território continental argentino para “receber” a
guarnição opositora (TÁTICA..., 1982, p. 10).
A ofensiva final de encontro à última trincheira argentina desdobrou-se em duas
etapas. O primeiro assalto, ocorrido na noite do dia 12 para o dia 13 de junho, possibilitou
às unidades terrestres britânicas, romper as linhas argentinas na zona sudeste da
península Freycinet, localizada a nordeste da ilha Soledad, e posicionar-se a menos de 15
quilômetros da capital do arquipélago. A força aérea argentina bombardeou as novas
posições britânicas. As tropas do general Moore lançaram novo avanço em três frentes,
a partir de suas novas posições. Na manhã do dia 14 de junho, os fuzileiros navais
britânicos e as gurkhas nepaleses, apoiados por paraquedistas transportados de
helicópteros, avançaram dez quilômetros e ocuparam, a quatro quilômetros da capital, os
montes Tumbledown e Wireless Ridge. Todos os comunicados oficiais argentinos desde
o início do ataque maciço, afirmavam que a superioridade numérica e técnica com
armamentos com mira infravermelha para os combates noturnos possibilitaram o
avanço das forças britânicas (CESSAR..., 1982, p. 10).
Em decorrência das tropas argentinas estarem cercadas em Port Stanley, os
generais Menéndez e Moore encontraram-se para resolver sobre as disposições da
rendição argentina nas Malvinas. Segundo o documento, o ex-governador argentino nas
Malvinas se “rendia ao general J. J. Moore, representante de sua majestade britânica”. Na
conclusão, o texto assim declarou “[...] essa rendição entrará em vigor a partir das 20
horas (de Brasília), do dia 14 de junho, e inclui as forças argentinas atualmente
localizadas em torno de Port Stanley e as demais que se encontram na Malvina Oriental,
na Malvina Ocidental e nas demais ilhas” (MENÉNDEZ..., 1982, p. 10). No documento,
Menendez risca duas palavras e as substitui por suas iniciais: uma foi
“incondicionalmente” e a outra está ilegível. O texto foi assinado por Menéndez e Moore.
Considerações Finais
Antes de completar-se um mês da administração de Leopoldo Galtieri, a Junta
Militar da qual fazia parte instituiu uma Comissão Conjunta de Trabalho para planificar a
operação de recuperação do arquipélago das Malvinas. Diante do resultado aquém do
expectado nas negociações em Nova Iorque e a intransigência britânica ante o incidente
nas Geórgias do Sul, contrariando as previsões iniciais, em 26 de março de 1982, aquela
Junta Militar decidiu que o desembarque militar ocorreria em 1º de abril seguinte.
Logo, no princípio da crise das Malvinas, o Tribuna da Imprensa salienta que
embora o desembarque argentino na capital do arquipélago provoque um processo
militar e político de implicações inestimáveis, a curto prazo, as forças argentinas
disporiam de primazia, enquanto a médio prazo seria o corpo expedicionário britânico.
No lapso temporal da crise, no plano diplomático tem-se a aprovação da Resolução
502(1982) no Conselho de Segurança da ONU, o malogro dos bons ofícios de Alexander
Haig e a aprovação da Resolução 28/82 da OEA. Por sua vez, no âmbito militar, ocorre a
retomada das Geórgias do Sul por parte das tropas britânicas.
No decorrer da guerra, no plano diplomático, ocorreram a gestão diplomática do
secretário-geral da ONU e a aprovação da Resolução 505 (1982) no Conselho de
Segurança. no campo militar, deram-se os primeiros enfrentamentos entre os
contendores nas Malvinas, o afundamento do cruzador General Belgrano, o
desembarque britânico em San Carlos e, por fim, a rendição da guarnição argentina em
Port Stanley. Tanto no decorrer da crise, como da guerra anglo-argentina, o Tribuna da
Imprensa noticiou em seu material jornalístico não assinado as versões dos dois
contendores, ademais de assinalar, sobretudo, as ações diplomáticas do Brasil.
Referências
ARGENTINA RESGATA 680 náufragos do cruzador. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro,
p. 10, 5 mai. 1982.
ARGENTINA REPELE proposta e enfrenta bloqueio. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro,
p. 10, 30 abr. 1982.
ARGENTINA AFIRMA que rechaçou o ataque inglês. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro,
p. 10, 22-23 mai. 1982.
ARGENTINOS mortos no cruzador podem ser 500. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro,
p. 10, 4 mai. 1982.
BRASIL APELA por solução pacífica. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, p. 2, 7 abr.
1982.
BRASIL CONDENA sanções dos Estados Unidos à Argentina. Tribuna da Imprensa, Rio
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