Dentre os diversos relatos de
Mandeville em suas Viagens, vale reproduzir o Da Cabeça do Demônio no Vale Perigoso:
Perto da ilha de Milstorak, à margem esquerda do Rio Fison, há uma coisa
maravilhosa. Trata-se de um vale entre as montanhas que tem uma longitude
aproximada de quatro milhas. [...]. Nesse vale, ouvem-se frequentemente
tormentas, grandes murmúrios e ruídos, tanto de dia como de noite. Grandes
barulhos e ruídos como o soar de tambores, bombos e trombetas, tais como os
de uma grande festa. Esse vale está, e sempre esteve, cheio de demônios. A
gente diz que é uma das entradas do inferno. Nele, há muito ouro e muita prata,
daí que muitos infiéis e também muitos cristãos entrem nele em busca do
tesouro que ali se encontra, todavia, poucos regressam, principalmente os
infiéis e os cristãos que vão por cobiça de possuir, porque são rapidamente
estrangulados pelo demônio. No centro desse vale, sob uma rocha, há uma
cabeça com cara de demônio, terrificante e horrível à vista, só podendo ser
vista até os ombros. Contudo, não houve ninguém no mundo que fosse tão
corajoso, cristão ou não, que ao olhá-la não tivesse pavor e a impressão de que
ia morrer, de tão horrenda a cabeça. (MANDEVILLE, 2007, p. 235-236).
Tormentas e grandes ruídos, entrada do inferno, estrangulamento de cobiçosos,
cabeça que de tão pavorosa gera uma impressão macabra: o diabo (ou os diabos), por
seus efeitos assombrosos, ganha espaço nas narrativas maravilhosas de Mandeville.
Narrativa composta de muitos superlativos e, como é típico nas descrições do
maravilhoso, “magnifica o que toca, forjando frequentemente, por meia da interposição
sistemática de um ouropel de excessos, uma imagem empobrecedora da alteridade.”
(GIUCCI, 1992, p.16).
Essa categoria do maravilhoso que une o horror ao espanto ainda é encontrada de
maneira contundente na primeira viagem de Colombo (2013, p. 59): “Entendeu também
que longe dali havia homens de um olho só e outros com cara de cachorro, que eram
antropófagos e que, quando capturavam alguém, degolavam, bebendo-lhe o sangue e
decepando as partes pudendas”. Além do mais, vimos há pouco como Gabriel Soares de
Sousa descreve o horror causado pelos homens marinhos, responsáveis por mortes de
assombro (“e salvar-se outro tão assombrado que esteve para morrer...”).
Ao pesquisar concordâncias do verbete “assombro” num dicionário do final do
século XVII, encontram-se as seguintes associações: “A maravilha, o milagre, o prodígio,
o assombro.” (MIRACULUM, 1697). Isto porque, ao viver uma experiência pavorosa,
espantosa, especialmente incompreensível ou que resiste à explicação, o viajante
facilmente pode elaborar o ocorrido em termos de maravilha. Nessa via, se
considerarmos o repertório de medos que perturbaram a imaginação dos homens e