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FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.1, nº2, p. 206-222, jul.-dez., 2014.
Ramon Torres Araujo
(TERRA LIVRE, agosto de 1954, p.2). Nesse caso, o ser sem-terra estava
expressando unicamente uma determinada condição material compartilhada,
segundo o jornal, por grande parte do campesinato brasileiro, isto é, condição
de não ser proprietário de terra.
Entretanto, no mesmo número do jornal, na página seguinte, foi
publicada em quadrinhos a biograa do líder camponês e militante do PCB,
Geraldo Tiburcio, que se tornou o vereador mais votado de Anápolis-GO, nas
eleições de 1962. Segundo a pequena biograa, Tiburcio era “um legítimo
representante dos milhões de camponeses sem terra” e teria dedicado toda sua
vida à luta por melhores dias para os trabalhadores agrícolas (TERRA LIVRE,
agosto de 1954, p.3). Por isso ele era “estimado por milhares de camponeses”
e “odiado pelos latifundiários”, situação que evidenciava uma oposição que
caria muito mais acentuada nos números seguintes do jornal: a luta dos sem
terra contra o latifúndio e os latifundiários
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. Através da história individual de um
militante, contada didaticamente em quadrinhos, a condição de sem- terra já
assume outra conotação, aparecendo diretamente associada à luta por terra e
por melhores dias.
Nos dias 19, 20 e 21 de setembro, no ano de 1954, foi realizada
no recém-inaugurado ginásio do Ibirapuera, na cidade de São Paulo, a II
Conferência Nacional de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, na qual foi
criada a ULTAB. 303 delegados de 16 estados do Brasil
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estiveram presentes,
além da Federação das Mulheres e de líderes sindicais do Rio de Janeiro,
São Bernardo do Campo e Limeira (TERRA LIVRE, outubro de 1954, p.1).
Ao nal da Conferência, os delegados lançaram a Carta dos Direitos e das
Reivindicações. Nela foram tratados temas como “Direitos civis e democráticos”,
“Previdência e Seguro Social”, reivindicações especícas dos “trabalhadores
das usinas de açúcar e da lavoura canavieira”, dos “trabalhadores da fazenda
de café” e dos “assalariados agrícolas, empreiteiros e contratistas”. Além
desses pontos citados, destaca-se o da “Reforma Agrária – medida de justiça
social”. Nesse trecho especíco, a Carta expunha que a realização da “reforma
agrária democrática” deveria se dar por meio da “distribuição das terras dos
latifundiários aos trabalhadores agrícolas e aos lavradores sem-terra ou
possuidores de terra insuciente” (TERRA LIVRE, outubro de 1954, p.4).
As conferências, congressos e encontros são espaços onde
ocorrem discussões, deliberações, produção de demandas, socialização
de conhecimentos, identicação de problemas comuns e elaboração de
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A identidade latifundiário não foi forjada pelos próprios sujeitos que eram identicados des-
sa maneira, mas por aqueles que apoiavam a realização da reforma agrária.
8 São Paulo; Minas Gerais; Pernambuco; Goiás; Paraná; Rio de Janeiro (estado); Rio Gran-
de do Sul; Distrito Federal (na época, cidade do Rio de Janeiro); Ceará; Bahia; Mato Gros-
so; Espírito Santo; Alagoas; Pará; Paraíba; Rio Grande do Norte.