OLIVEIRA, Kathleen Silva
*
VIEIRA, Danilo Porfírio de Castro
**
RESUMO: O Islã apresenta um sistema financeiro
próprio que tem se expandido consideravelmente
no mundo, em especial na Ásia, mas também na
Europa. Com o crescimento da comunidade
muçulmana, a alternativa islâmica se propõe a
oferecer uma espécie de economia moral voltada
para a não utilização dos juros, visto que ele é
associado a prática da usura (riba), amplamente
proibida pelas sagradas escrituras, a Shariah. O
principal questionamento que surge é como esse
modelo é implementado e se sustenta no mercado
internacional. Para tanto, em um primeiro
momento recorreremos a pesquisa de cunho
bibliográfico, para esclarecer sobre os sistemas
político, jurídico e econômico islâmicos
tradicionais, suas aproximações e
distanciamentos com o modelo econômico
moderno-ocidental (capitalista) e seu modelo de
estado westfaliano. Demonstraremos, portanto, o
sistema econômico islâmico e as finanças
islâmicas. Ao fim, será abordado de estudo de
caso, o sistema financeiro malaio.
PALAVRAS-CHAVE: Islã; Sistema Financeiro;
Riba; Malásia
ABSTRACT: Islam has its own financial system
which has expanded considerably in the world,
especially in Asia, but also in Europe. With the
growth of the Muslim community, the Islamic
alternative proposes to offer a kind of moral
economy aimed at not using interest, since it is
associated with the practice of usury (riba),
widely prohibited by the sacred scriptures, the
Shariah. The main question that arises is how
this model is implemented and sustained in the
international market. To this end, we will first
resort to bibliographic research to clarify the
traditional Islamic political, legal and economic
systems, their rapprochements and distance
from the modern-western (capitalist) economic
model and its Westfalian state model. We will
therefore demonstrate the Islamic economic
system and Islamic finance. In the end, the
Malaysian financial system will be addressed as
a case study.
KEYWORDS: Islam; Financial System; Riba;
Malaysia
Recebido em: 23/04/2020
Aprovado em: 15/06/2020
* Graduação em Relações Internacionais pelo Centro Universitário de Brasília, UniCEUB, Brasília/DF,
Especialização em andamento em Relações Governamentais e Diplomacia Corporativa - Universidade
Católica de Brasília, UCB/DF, Brasília/DF. E-mail: kathsoliveira@gmail.com
** Doutorado em Ciências Sociais pela UNESP, Araraquara /SP. Professor titular de Relações
Internacionais e Direito no Centro Universitário de Brasília (Uniceub) e Professor de Direito no Instituto
de Direto Público do Distrito Federal (IDP), Brasília/DF. E-mail: dapocavi@gmail.com
Introdução
É incontestável a vocação voraz do capitalismo em ser o sistema econômico
universal, ditando as relações de povos e nações. Acessoriamente, o modo de vida
Moderno-ocidental foi e continua a ser levado para o mundo como modelo real que
inspira as ações globalizadoras. Os fundamentos que caracterizam a Modernidade,
considerados como universais, são os condicionantes para o cumprimento da promessa
de um mundo harmonioso e pacífico, ordeiro e solidário composto de cidadãos do
mundo, denominados de “cidadãos globais”.
Trata-se da modernização do mundo, com seu emblema de desenvolvimento,
crescimento, evolução e progresso, difusão e sedimentação dos padrões e valores
socioculturais eurocêntricos. Não se trata, portanto, de um mero projeto de disposição
de valores, mas um meio de expansão do capitalismo, estando em causa a proteção
jurídica do cidadão “proprietário”, em prol da sua autorrealização. O capitalismo, pelo
recurso valorativo da modernidade, impõe processos e estruturas organizacionais em
todas as esferas da vida social. No meio econômico, emergem critérios instrumentais de
produtividade, eficácia, eficiência e calculabilidade. A partir do século XX, a concepção
de nação começou a ser tratada como ultrapassada e perigosa, sendo mitigada por
organizações internacionais, tendo como objetivo a globalização do mercado e a
desterritorialização do trabalho.
Em razão da globalização, as fronteiras foram relativizadas e apesar de parecer
uma oportunidade de interação cosmopolita, pré-conceitos concebidos e julgamentos
contra comunidades inteiras vêm acontecendo em várias partes do mundo. Dentre essas
comunidades, a comunidade muçulmana enfrenta a “islamofobia”, em virutde da alta taxa
de migrações ao redor do mundo, levando com que enfrentem o dilema de mudar a visão
distorcida e generalizada que as sociedades construíram com o pós 11 de setembro, de
que todos os muçulmanos são terroristas.
Apesar de o sistema bancário islâmico usufruir de grande reputação em áreas
geográficas como a Ásia e o Oriente Médio, em que grande parte da população é
muçulmana, na última década, o sistema financeiro islâmico tem investido em uma
inserção cada vez maior dentro do mercado ocidental. As finanças islâmicas possuem um
sistema que tem desenvolvido notoriedade por sua peculiaridade de não acreditar em
juros e fazer com que o dinheiro trabalhe, o que, por sua vez, tem atraído além dos
muçulmanos, os não muçulmanos. O não envolvimento com transações que tratem de
apostas ou especulação é outra característica que distingue as finanças islâmicas das
tidas como convencionais. As primícias das finanças islâmicas, por volta do início da
década de 60, surgiram no Egito e na Malásia com protótipos que seguiam os princípios
da Shariah.
É oportuno se torna dizer que, no Brasil tanto em âmbito acadêmico quanto
prático, a inexistência de pesquisas de relevância que aprofundam essa temática e
conhecimento sobre esse sistema tem-se mostrado como um sinal de fragilidade
nacional com pouca dinâmica e envolvimento com as temáticas internacionais de um
mundo cada vez mais globalizado. Isso implica a necessidade do desenvolvimento de
análises sobre possibilidades de interação ou não entre os bancos islâmicos e os
convencionais, bem como possíveis direcionamentos para esse relacionamento.
O ímpeto do presente trabalho se constituirá na tentativa de compreender e
traduzir de maneira sucinta e ampla, o complexo e sui generis sistema islâmico, se
apoiando em seu desenvolvimento em pesquisas de fonte bibliográfica. Para tanto,
realizou-se um estudo em livros e artigos acadêmicos voltados para as ciências sociais,
com principal enfoque na área de Relações Internacionais, Financeira e Bancária.
Buscou-se ainda, registrar em maior quantidade, estudos de autores de origem árabe e
asiática.
As Finanças Islâmicas são um sistema adverso à usura (riba) dentro da
comunidade muçulmana Ummah, uma vez que o Corão proíbe essa prática. Segundo
Komijani e Taghizadeh-Hesary (2018) a Comunidade Islâmica buscou, como base em
suas tradições jurídico religiosas, desenvolver um sistema financeiro que não envolvesse
a usura desde o início da década de 1950, surgindo por volta da década de 1960 as
primeiras instituições a oferecerem essa modalidade de serviço.
Deve-se ressaltar que o Islã é uma expressão de “mundo de vida”, vai muito além
da transcendentalidade religiosa, sendo caracterizado por ser um sistema complexo que
abarca todos os aspectos relacionados à vida privada e coletiva do muçulmano.
Denomina-se como mundo da vida (Lebenswelt) a estrutura sociocultural, o
repositório de sentidos, de símbolos, espaço de semantização, mediada pela linguagem. A
esfera de reprodução simbólica e de sentidos compartilhados pela sociedade, a “reserva
de padrões de interpretação, organizados linguisticamente e transmitidos culturalmente
(HABERMAS, 2012, p. 215-228). Logo, a linguagem e a cultura são elementos
constitutivos do mundo da vida, visto que está intimamente ligado ao conceito
fenomenológico husserliano de “consciência coletiva”. Os fenômenos da consciência são
desenvolvidos em função da intersubjetividade, sendo resultados histórico-culturais.
Nesse sentido, o Islã concebe um sistema político-jurídico-econômico à luz da
religião. Jantalia explica que essa complexidade é justificada pelo ideal de universalidade
da religião fundado na concepção unitária que está no Islã, não fragmentando a vida
secular da vida religiosa.
Reconhecimento na unicidade, na onipotência, na onisciência e na onipresença
de Deus: se ele é o Criador de tudo e de todos, Sua legitimidade e Seu poder não
encontram limites. Por isso, o caminho por Ele proposto é tão abrangente,
abarcando todos os campos e sendas da vida do muçulmano [...] (JANTALIA,
2016, p. 35).
A indústria financeira islâmica atua por três frentes, o sistema
bancário/securitário islâmico (takaful), os ativos financeiros (sukuk) e os mercados de
capital da Shari’ah (fundos islâmicos). O presente artigo se delimitou na atuação do
sistema financeiro bancário islâmico, uma vez que ele, juntamente com os ativos
financeiros (sukuk) têm sido os de maior proeminência no mercado, além de liderarem
com cerca de 95% do total de ativos financeiros islâmicos (IMF, 2017).
De acordo com o Research and Markets (2019) em 2017 o setor bancário islâmico
contribuiu com 71%, cerca de USD 1.72 trilhões na indústria de ações; o setor registrou
505 bancos islâmicos. Esses dados revelam o nível de atuação e relevância do setor
bancário islâmico dentro da indústria financeira islâmica, uma vez que tem atraído
investidores ao empenhar-se em transmitir um sistema bancário baseado em valores
éticos e em transações que não envolvam riscos e especulações.
Base Teológica, Jurídica e Ético Moral
As bases que fundamentam o Islã é a Shariah, que significa “o caminho”, é
baseada nas fontes sagradas, sendo as primárias, o Corão, o livro sagrado, os Hadiths
(dizeres e feitos do profeta) e as Sunnas (costumes da Comunidade). as fontes
secundárias são mais extensas e consistem no (1) Consenso (Ijma), utilização de
inferências lógicas sobre a Shari’ah, quando não orientação explicita no Corão; (2)
Raciocínio analógico (qiyas) inferências nos casos não abarcados pela Ijma; (3) Equidade
(istihsan) raciocínio coletivo para determinar dentre várias soluções possíveis ou
defensíveis da Shari’ah; (4) Interesse público (maslahah mursalah ou istislah) raciocínio
para a solução de uma situação não prevista nas fontes primárias e que leva em
consideração o interesse público da comunidade e a proteção de seus valores; (5)
Prevenção de fins ou resultados ilícitos (sadd al-dhara’i) um meio de proteger os
objetivos fundamentais da Shariah utilizados pela teoria do direito islâmico para
interpretar o raciocínio jurídico e impedir atos ilícitos; (6) Costume (‘urf) conjunto de
práticas estáveis adotadas por uma determinada comunidade em um período específico;
e (7) a Presunção de continuidade (istishab), que trata da aplicação do raciocínio jurídico
em uma situação específica, única, que manm o status quo tanto nos casos positivos
quanto negativos, sendo recorrida somente nos casos em que as outras não conseguiram
oferecer uma solução.
O Corão é a palavra de Deus (kalimat Allah/  ), revelada a Maomé
(Muhammad), o último dos Profetas, por meio do Arcanjo Gabriel. O Corão é organizado
em Suras (capítulos) e versículos escritos ao longo da vida do Profeta, especificamente,
durante 22 anos, respondendo a problemas manifestados na Ummah original.
Os hadiths são as compilações de ditos e feitos do Profeta, que se tornaram
fontes jurídicas à comunidade. Não são meros exemplos de vida (sira - ), mas
tradições com conteúdo profético, ou seja, revelações, reconhecidas pela comunidade de
juristas. Também não podem ser confundidas com as sunnas, pois estas são práticas
coletivas, hábitos, costumes da Comunidade (Ummah), reconhecidos pelos juristas e
religiosos, possuindo repercussão normativa.
O Ijma ou o Consenso (), fonte secundária indispensável para aplicação do
Direito Islâmico. O Consenso é o resultado da convergência de opiniões da comunidade
muçulmana (ijma al Ummah), em especial dos juristas e religiosos muçulmanos (ijma al
aimmah), na busca da resolução de problemas não previstos no Corão e na Sunnah.
Porém, a decisão convergente não pode ser contrária aos princípios ditados pelo Livro
Revelado e os hadiths. O Ijma tem o propósito de manter coerência, uniformidade e
conexão interpretativas no Direito Islâmico. Isso não significa que o Fiqh (sistema de
direito islâmico) é imutável, pois, a interpretação é existente nas fontes secundárias do
Direito como a qiyas (), a ijtihad () e a ra’y.
O sistema doutrinal proposto pelo Islã foi o resultado do esforço teórico de
autores muçulmanos exercido por séculos para buscar a compreensão da Mensagem
escrita na Shariah, reveladas ao Profeta Mohammad. Esse sistema pode ser analisado
mediante três principais vertentes, que podem ser exploradas como conjuntos
específicos, mas estão intrinsicamente inter-relacionadas. O autor as descreve como:
[...] aqidah, de natureza eminentemente teológica, que trata dos pilares
da crença ou da fé islâmica; (ii) shari’ah, de feições predominantemente
jurídicas, que busca estabelecer os direitos e os deveres dos
muçulmanos, tanto em sua relação com Deus quanto em sua relação
com seus irmãos; (iii) akhlaq, de natureza filosófica, que abrange os
valores e virtudes éticos e morais que devem orientar o muçulmano [...]
(JANTALIA, 2016, p. 35).
É mediante a compreensão desses três elementos, que Jantalia (2016) afirma que,
tornar-se possível obter uma visão geral da doutrina islâmica e assim analisar o
sistema financeiro islâmico como uma vertente e expressão dela.
As bases teológicas, aqidah (credo), dogmas religiosos chamados de os seis
artigos da são: (1) a em Deus, Allah, o mais importante, pois no Islã existe somente
um Deus e ele é “o único criador, sustentador e organizador de todo o universo
(JANTALIA, 2016, p. 36); Imprescindível conceito que se entrelaça com a crença na
unicidade do criador (tawhid), principal elemento que une a fé dos muçulmanos; os
demais consistem na e firme convicção, sendo (2) a nos anjos; (3) a nos livros
revelados; (4) a fé nos profetas enviados ou mensageiros; (5) a fé no juízo final; e (6) a
na predestinação ou decreto divino.
Jantalia explica que, em virtude do caráter sagrado, logo imutável das fontes
primárias, o desafio posto seria o da aplicação da lei islâmica e saber “como extrair
dessas fontes os preceitos aplicáveis a situações não previstas [...]” (JANTALIA, 2016). A
grande questão consistiria em descobrir qual é a vontade de Deus, e, por isso, originou-
se a diferenciação entre a Shariah, como sendo o corpo de normas, e o fiqh, o
“subconjunto de regras práticas específicas aplicáveis a determinados temas ou
matérias, deduzidos a partir da análise do Corão e da Sunnah [...]” (JANTALIA, 2016, p.
56).
A terceira e última é a base ética e moral (akhlaq), que se volta para o tratamento
da questão da excelência do caráter do muçulmano, visto que, a filosofia islâmica
acredita que o caráter é a base para o bem-estar de toda a comunidade (JANTALIA, 2016,
p. 41-43). Rahim (2013, p. 508, tradução nossa), considerando a obra do filósofo
muçulmano Al-Farabi, considera a ética islâmica uma ciência que estuda a alma humana,
ou, referenciando-se em Ibn Taymiyyah, é a ciência que investiga as condutas,
especificamente sobre o que se deve fazer e o que se deve evitar. Em síntese é uma
ciência voltada para orientar o comportamento dos indivíduos de modo a guiá-los em sua
busca por se aproximar de Deus. No intuito de se alinhar ao Adallah (justiça divina), a
sujeição do fiel manifesta-se na sanidade da Comunidade (Ummah).
Na Ummah há a pretensão de se alcançar a unidade, à imagem da unicidade
Divina, Tawhid (MAHAIRI, 1977, p.43), estabelecida no jama’a (totalidade) e no istikhlaf
(responsabilidade pessoal e comum). Na Tawhid e no jama’a o muçulmano professa a
(shahada) em um único Deus (La Ilaha Illa Allah), justificando seu elo unitário e
indivisível com Deus a sua responsabilidade com a Ummah. (VIEIRA, 2019)
Os atos do fiel não se restringem a grupos, mas devem ter uma dimensão
universal, totalizante. Cada cidadão, portanto, assume a responsabilidade de gerir e
reformar a sociedade, preocupando-se com questões coletivas (MUSAUI, 2006. p. 43).
Na Ummah, pelo elo divino e humano, o senso cívico confunde-se com a
fraternidade, como expressado no Corão: “Os fiéis e as fiéis são protetores uns dos
outros; recomendam o bem, proíbem o ilícito; Sabe que os fiéis são irmãos uns dos
outros; reconciliai, pois os vossos irmãos, e temei a Deus, para vos mostrar misericórdia
[...]” (ALCORÃO, 9:71; 49:10).
São garantidos ao balegh (cidadãos muçulmanos) os direitos individuais de
aquisição e manutenção de propriedade e, consecutivamente, o direito à riqueza. Porém,
o cidadão muçulmano agraciado com a prosperidade responde pelo bem estar e da
equidade pelos menos afortunados no combate à miséria. Estas responsabilidades
ocorrem pela tributação, especificamente por meio do Al Khoms, Ushr, Azakat e o
sadaqats (VIEIRA, 2019).
O Al Khoms (tributo) consiste no pagamento de 1/5 de todo ganho anual de cada
cidadão (20%), destinado à receita estatal. O Ushr é um tributo destinado à receita
pública, incidindo sobre 10% de todas as atividades comerciais, industriais ou de
prestação de serviços. Contudo, o pilar distributivo encontra-se no Zakat e
complementarmente no sadaqa (VIEIRA, 2019).
O Zakat é um tributo que incide sobre 1/40 (2,5%) todos os ganhos e transações
anuais de cada cidadão, tendo como destinação a formação de um fundo que será
distribuído entre as famílias desprivilegiadas da Comunidade. O senso de solidariedade
não se restringe ao Zakat, em virtude de que o cidadão espontaneamente pode contribuir
além dos 2,5% dos seus ganhos anuais, o sadaqa (VIEIRA, 2019).
Desses últimos, os mecanismos distributivos são utilizados como forma de
obtenção de fundos para a caridade que o sistema econômico-financeiro islâmico se
utiliza para a redistribuição de renda. Jantalia (2016) explica que na visão dos
economistas islâmicos o zakat age como um meio de purificação das fontes de renda dos
muçulmanos, além de grande impacto e interesse dos mercados financeiros. Diante
disso, todo ganho que seja proveniente de atividades proibidas pelas sagradas escrituras,
deve ser usado como expiação do pecado por elas associado. Assim, além dos
muçulmanos, os bancos e outras empresas são obrigados, de acordo com os mecanismos
de regulação islâmica, a pagar o zakat sobre os seus lucros.
Estrutura Econômica
O sistema econômico apresentado pelos economistas islâmicos é baseado na
islâmica, e é possível compreendê-la através de quatro axiomas, que o distingue do
capitalismo e socialismo.
São eles: (1) Tawhid, mencionada anteriormente, a unidade e soberania de Allah;
(2) Rububiyyah, Allah é mantenedor e sustentador da criação; (3) Khilafah, o homem
como vice regente na terra é responsável perante Allah; e (4) Tazkiyah, a purificação,
sacrifício, caridade, por exemplo, o infaq ou despesa (HASSAN, 2010, p. 223). Dentre
esses axiomas, a Tazkiyah, consiste na busca pela falah, que conduz à prosperidade e
harmonia. Jantalia (2016) menciona que as atividades econômicas necessitam ser
orientadas constantemente para alcançar a falah, e Ghauri (2009, p.307, tradução)
afirma que o Alcorão incentiva através da Tazkiyah, a promoção de um equilíbrio na vida
em sociedade, ao garantir uma evolução próspera para todo ser humano, tanto
materialmente quanto espiritualmente, agindo como o autor chama de, uma purificação
de si mesmo”.
Em relação à falah, a mesma consiste em um conceito abrangente, contido no
Alcorão, que norteia a vida do homem em todas as esferas. É a partir das instruções
contidas na falah, que o muçulmano busca manter uma boa postura ética e moral que o
ajudará a cumprir aquilo que Deus determinou para os homens e mulheres, dessa forma
se aproximando Dele. As condições estabelecidas pela falah são elencadas em (a)
espiritual; (b) cultural; (c) econômica; e, (d) política (OLIVEIRA, 2018).
Um aspecto de extrema importância dentro da economia islâmica é a questão da
ética, pois, segundo os preceitos corânicos, a ética é interligada ao sistema islâmico
como um todo, sendo a responsável por guiar a política, o meio jurídico e até mesmo a
economia. Asutay esclarece que, “[…] the ethical norms of Islam are fully integrated with
its economic motives, as these are not voluntary actions but, ontologically, part of the
revealed knowledge […]” (ASUTAY, 2007, p.4). A economia proposta pela corrente de
economistas islâmicos, é voltada pela busca de senso de justiça ético social dentro das
transações econômicas.
Fundamentos Do Sistema Financeiro Islâmico
O sistema que constitui as práticas financeiras em conformidade com a lei
islâmica é chamado Shariah-compliant financing (SCF), ele é responsável pela
regulamentação da estrutura que aplica a maioria dos princípios da lei islâmica bem
como a difere das finanças convencionais (ISLAM, 2017, p. 2). De modo geral, Jantalia
(2016, p.180) afirma que a estrutura do sistema financeiro islâmico é muito similar a do
sistema financeiro convencional. Ademais de suas peculiaridades, o seu engendramento
interno age de acordo com os parâmetros internacionais estabelecidos. Dentre as
peculiaridades, existem alguns princípios que são intrínsecos e muito próprios ao
sistema financeiro islâmico por seu caráter ético religioso, e que o torna único.
Alguns dos princípios essenciais para compreender o sistema, consiste em: Usura
(Riba / CORÃO 114: 1197):, a Shari’ah exige que o retorno do capital investido esteja ligado
ao sucesso do empreendimento e não ao valor cobrado pelo empréstimo do dinheiro,
neste caso, existe uma relação de parceria que compartilha tanto os ganhos quanto as
perdas (dinheiro visto somente como meio de troca, sem valor agregado); a Incerteza
(Gharar), os contratos realizados sob a Shariah-compliant não podem ter cláusulas que
expressam incertezas ou ambiguidades, em uma venda, por exemplo, todos os itens do
contrato da coisa e eventual pagamento obrigatório devem estar explícitos, dessa forma,
evitam-se fraudes; a Especulação (Maisir), segundo o sistema islâmico as transações não
podem ser fundadas em algo incerto cujo raciocínio seja puramente abstrato e não real
(ênfase na economia real e compartilhamento de riscos e recompensas). Para a Shari’ah
os resultados dos investimentos precisam ser provenientes dos esforços das partes
envolvidas na transação; os Investimentos proibidos (Haram), as transações financeiras
que envolvam elementos ilícitos, considerados maléficos para a saúde física e mental do
indivíduo (alertado nas sagradas escrituras), como investimentos e comercialização de
bebidas alcóolicas, armamentos e apostas, sendo algumas delas (ISLAM, 2017; KOMIJANI
AND TAGHIZADEH-HESARY, 2018).
O engendramento do sistema financeiro islâmico e sua inserção no mercado
internacional são condicionados em grande parte, pela questão da relação entre estado e
religião. É levado em consideração a natureza política, jurídica e econômica do estado e
da visão do mesmo quanto à religião em si, e mais especificamente com o Islamismo.
Logo, quanto maior a aproximação entre o estado e a religião, maior a força dos
preceitos religo sobre o sistema financeiro local vigente (JANTALIA, 2016, p. 263). Além
desse fator, existe a questão das tradições e cultura que cada país tem, sendo mais fortes
e intrínsecas em alguns do que em outros.
Pressupõe-se que a questão da influência de preceitos religiosos na legislação
financeira nacional conduz a diferentes níveis de aceitação ou rejeição dos preceitos.
Disso, entende-se que existe uma espécie de “grau de islamização” que cada sistema
financeiro nacional adota, conforme suas tradições p-islâmicas, ainda presentes, e
interação (inclusive de origem colonial) com países ocidental, sendo possível dividi-los
em: (1) modelo de islamização integral, toda a legislação do sistema bancário é regida
exclusivamente de acordo com os preceitos islâmicos e com a Shariah. Os únicos países
que adotam esse modelo atualmente são o Irã e o Sudão; (2) modelo de dualidade em que
uma coexistência entre dois sistemas econômicos, apesar de variar o modo em que
ela é adaptada em cada país (JANTALIA, 2016, p. 262-264).
Dentro da modalidade dualística, é possível definir duas alternativas que são
adotadas por determinados países. Elas são determinadas a depender do grau de
adaptação que os países requerem e da forma de tratamento em seu amparo jurídico.
São, portanto, a dualidade formal, em que há uma divisão prevista no sistema legislativo,
havendo regras específicas a serem seguidas para os mercados financeiro, de capital e
segurador islâmicos, completamente diferente do sistema convencional; países que
adotam essa modalidade são: Malásia, Bahrein, Síria, Turquia, Indonésia, Emirados
Árabes, Kuwait, Brunei e Iêmen.
O outro modelo seria o da dualidade material, sendo que, diferentemente do
modelo formal não uma edição especial com regras diferentes as dos sistemas
convencionais, neste caso eles possuem regras específicas ou adicionais, previstas
particularmente nas leis que tratam dos diferentes segmentos do sistema financeiro. São
casos desse modelo: Arábia Saudita, Qatar, Egito, Jordânia, Bangladesh e Paquistão
(JANTALIA, 2016, p. 265). É importante salientar que, nos sistemas duais o que acontece
entre as instituições islâmicas e convencionais não é uma relação de
complementariedade ou suplementariedade, mas sim uma relação de competição por
clientes e investidores (JANTALIA, 2016; ABEDIFAR et al).
Para além dessas variantes, existe, ainda, o modelo de atuação marginal, que
consiste em uma espécie de amparo financeiro-legal para a comunidade muçulmana que
vive em minoria em alguns países. Com isso, não há expressiva demanda por esse tipo de
serviço. Neste caso, ao invés de leis e dispositivos, existem métodos de adaptabilidade ou
adequações na legislação nacional, mediante instrumentos como analogias e atos
normativos específicos. Devido à facilidade de abertura que o sistema islâmico encontra
através dessa “atuação marginalizada”, é possível introduzi-la em países cuja população
não possui contingente significativo de muçulmanos em relação à sua população local.
Enquadram nesse tipo, países como Coreia do Sul, Cingapura, Hong Kong, França, Reino
Unido e Luxemburgo.
Os autores Abedifar, Hasan e Tarazi (2015), elucidam que esses diferentes níveis
de aproximação entre os sistemas financeiros, não possuem a coexistência entre duas
alternativas de sistemas, mas sim em uma disputa por políticas e mecanismos que sejam
mais atrativos para clientes e investidores; agindo, dessa maneira, diretamente no nível
de competitividade entre os mercados. Para Komijani e Taghizadeh-Hesary (2018) as
finanças islâmicas agem de modo mais atrativo devido ao seu apelo à consciência ética
do investidor. Além disso, ao trabalhar com uma economia de capital real e não
especulativo, ela garante maior estabilidade.
O Sistema Financeiro Dualístico Na Malásia
O caso do país asiático é, de fato, um dos casos de maior destaque, dentro do
universo financeiro islâmico. Além de ser um dos pioneiros no desenvolvimento do
sistema islâmico, o país foi pouco impactado com o quadro da crise financeira global que
emergiu o mundo. Um dos fatores que possibilitaram tal êxito consiste na característica
do setor financeiro islâmico em lidar com as finanças reais, uma vez que a crise mundial
foi marcada pela bolha especulativa no mercado imobiliário. Como dito anteriormente, a
especulação (maisir) é fortemente condenada pela ética islâmica.
A dualidade malaia baseia-se na capacidade que o sistema legislativo do país
possui em possibilitar a coexistência entre o modelo islâmico e o convencional. O país
recebeu notoriedade por não ser do Oriente Médio, cuja população muçulmana é mais
pungente, e ainda assim instaurar um sistema dualístico que abarca a legislação islâmica,
fato que tem sido reconhecido pela comunidade islâmica mundial. De acordo com o
Departamento de Estatísticas da Malásia (Department of Statistics Malaysia, Official
Portal, 2019) 69.3% da população malaia é muçulmana. Ou seja, mais da metade dos
habitantes usufruem do sistema dualístico islâmico, enquanto 22.8% chineses, 6.9%
indianos, e 1.0% outras etnias, usufruem do sistema convencional. Lembrando que, o
sistema islâmico não é exclusivo aos muçulmanos, mais sim a todos que estejam
dispostos a cumprir com seus princípios estabelecidos (inclusive aos Dhimmis, ou povos
do contrato dhimah).
É importante ressaltar que a Ummah não é composta apenas pelos baleghs
(titularidade de direito dada aos mulçumanos), independentemente de serem árabes ou
não (), mas a ordem político-jurídica se aplica a estrangeiros e aos Ahlul Dhemmah
(dhimmis/povos do contrato ou povos protegidos) , estes são protegidos pelo Estado
Islâmico, não sendo admitidos quaisquer tipos de divisões segregadoras ou castas, a
exemplo do Paquistão.
Aos dhimmis, o respeito às minorias não se restringe apenas aos Povos do Livro
(Ahl al-kitab -   /judeus e cristãos), pois estes são apenas uma parcela
determinada de não muçulmanos que aceitaram viver dentro das regras da Ummah. Os
dhimmis se distinguem dos harbí, visitantes temporários, e dos musta’min, portadores de
salvo conduto (refugiados, asilados). Todos os povos que não se converteram ao Islã,
mas vivem na Comunidade, aceitando e se comprometendo a viver dentro dos ditames da
Ummah, serão denominados de Ahlul Dhemmah, ou seja, os povos do tratado, do pacto
de respeito e honradez com Islã. A regra é simples: se o não-muçulmano age honrada e
lealmente com a Ummah, terá de forma inconteste a garantia de liberdade religiosa e
segurança jurídica, como qualquer balegh.
Sendo um dos países precursores em criar um sistema financeiro islâmico, que
remonta à criação de fundos financeiros para peregrinos de Meca em 1969, o país deu
prosseguimento às atividades nessa área, e por volta de 1983 a 1992, a Malásia
implementou aos poucos em seu sistema legislativo, leis que viabilizassem o
desenvolvimento das finanças islâmicas no país, por meio de atos como o “Islamic
Banking Act 1983”; adotando assim, o sistema de dualidade formal. Desde então, o país
tem se revelado como uma referência na indústria islâmica e apontado como um dos
países líderes e bem sucedidos no ramo das finanças islâmicas. No transcorrer dos anos,
o sistema foi sendo aperfeiçoado mediante a institucionalização de mercados monetários
e instrumentos regulatórios, como a criação da Associação de Instituições Financeiras da
Malásia (AIBIM) em 1995, o Conselho Nacional Consultivo da Shariah em 1997 e o Ato
dos Serviços Financeiros Islâmicos (IFSA) mais recentemente em 2013; esse último atua
diretamente no Bank Negara Malaysia (BNM), o banco central do país, mediante
mecanismos regulatórios e de supervisão (ZAKHIRI et all. 2016).
O país enfrentou a sua própria crise no Leste Asiático na década de 90, quando
houve uma forte queda na desvalorização da moeda nacional em 1997. Todavia,
conseguiu se reerguer através de políticas austeras, que apesar de parecerem
semelhantes com as medidas oferecidas pelo FMI à época, o país optou por enfrentar a
situação sem apoio externo, por meio de políticas como a redução de 18% dos gastos do
governo e com uma reestruturação de toda economia política a nível macroeconômico e
liberalização (RANTA, 2017; OLIVEIRA, 2018).
De certo, em comparação aos países do Golf Cooperation Council countries,
GCC, o sistema bancário na Malásia “[…] o crescimento bancário islâmico na Malásia e
em alguns países do Conselho de Cooperação de Golfe (CCG). O crescimento dos activos
bancários islâmicos nestes países foi abrandado durante o período que se seguiu às
crises financeiras globais, com excepção do Kuwait e da Malásia, onde se verificou o
maior crescimento, 22% e 21%, respectivamente" (ELRYAH, 2014, p.125, tradução nossa)
1
.
1
[No original] [...] the Islamic banking growth in Malaysia and some Golf Cooperation Council countries
(GCC). The Islamic banking assets’ growth in these countries were slowed down during the period
Um dos mecanismos de controle regulatório de destaque tem sido o The Islamic
Financial Services Board (IFSB). A instituição foi inaugurada oficialmente em novembro
de 2002 na Malásia, mas as operações tiveram início somente em março de 2003. A
principal função desse conselho é ser um organismo internacional definidor de padrões
para agências reguladoras, garantindo a solidez e estabilidade do setor de serviços
financeiros islâmicos (IFSB, 2019). O IFSB age de forma sistemática atuando na
promoção do desenvolvimento estável da indústria islâmica de modo geral. De acordo
com a própria IFSB (2019) até dezembro de 2019, a instituição contava com 184
membros, destes, 78 autoridades de supervisão regulatória, 9 organizações
internacionais Inter governamentais, e 97 agentes de mercado (instituições financeiras,
firmas profissionais, associações da indústria e mercados bolsistas) operando em 57
jurisdições. O país possui uma legislação considerada como referência mundial de
incorporação das finanças islâmicas a ordenamentos jurídicos nacionais (JANTALIA,
2016).
Vale destacar que, o crescimento da indústria islâmica nos países da Ásia e
Oriente Médio, muitos do quais membros do Fundo Monetário Internacional, induziu a
Organização a refletir sobre a importância desse setor e as suas implicações para a
macro política e estabilidade financeira. Em razão disso, o crescimento do setor começou
a demandar maior atuação do próprio FMI, o que levou a instituição a buscar uma
participação mais significativa e sólida na construção de aparatos regulatórios, como a
participação na criação do IFSB.
O país malaio tem apontado como um dos mais influentes no setor de finanças
islâmicas. A Malásia procurou desenvolver cada vez mais o setor bancário com base na
liberalização financeira e contínuas reformas. A constante busca pelo desenvolvimento e
progresso nesse setor revela possíveis oportunidades de crescimento, como uma
parceria de grande relevância entre os bancos da Malásia e do Oriente Médio (ELRYAH,
2014). Nesse sentido, apoiando em recursos tecnológicos, o setor tem buscado avançar
em melhorias nos serviços.
Vale destacar que, uma das estratégias do governo consiste em projetos de longo
prazo como de 2000-2010, e mais recentemente o Blueprint projetado para 2011-2020,
que teve por objetivo a inovação do sistema financeiro. O projeto se direcionou pela
busca do fortalecimento do sistema bancário islâmico com base na inovação de
produtos, infraestrutura financeira, liquidez, eficiência gerencial e de propriedade. Além
followed the global financial crises except Kuwait and Malaysia which were showed it is highest growth
22% and 21% respectively.” (ELRYAH, 2014, p.125).
desse projeto, um fator de extrema importância que pode explicar o sucesso do país
nesse setor, respalda-se na atenção em relação ao desenvolvimento de um sistema de
monitoramento e diagnóstico dos problemas financeiros. Esse sistema, por sua vez, age
na prevenção de possíveis obstáculos, avaliando a qualidade e uso dos serviços
financeiros pelos usuários, além de pesquisa de satisfação (WORLD BANK, 2017).
Em suma, as constantes reformas e investimentos do país no setor financeiro
demonstram a alta capacidade de auto avaliação e autogerenciamento que possibilita um
crescimento sustentável da indústria, ao passo que propicia a inclusão financeira de
outras parcelas da sociedade que, por vezes, não possuem a condição econômica de se
inserirem no sistema bancário. Desta forma, a Malásia fornece uma série de aparatos
que se configuram como modelo para países com baixa e média inserção da população
no sistema bancário. É inegável, nesse sentido, o papel da economia ética pregada pelo
sistema islâmico na busca pela equidade entre os membros da sociedade, de modo que
consigam ter uma vida digna perante Allah (Deus).
Entretanto, isso não quer dizer que o país não enfrente dificuldades. De acordo
com o relatório realizado pelo World Bank (2017), grande parte da população não
atendida pelo setor bancário consiste em trabalhadores estrangeiros e suas famílias e,
não raramente, podem encontrar-se indocumentados no país. Contudo, o maior desafio
segundo a organização é o de garantir que as pessoas que acessam os serviços
bancários, de fato utilizem de modo ativo as suas contas. Isso, porque o relatório
identificou que, apesar da modernização na utilização dos serviços bancários, a
população ainda recorre muito ao dinheiro em espécie; um grande número de
empregadores pagam os salários em dinheiro e poucos se dispõem do depósito em conta.
Tal caso tem se caracterizado como um desafio para a modernização do sistema
proposto pelo país.
Além disso, é preciso destacar a atuação do sistema bancário islâmico malaio no
investimento de conexões comerciais com a China e a região da Associação de Nações
do Sudeste Asiático (ASEAN), em busca de vantagens no crescimento da demanda global
por produtos halal, que se adequam às exigências islâmicas. De acordo com a Global
Finance (2019), o Maybank Islamic (banco universal malaio com mercados operacionais
na Malásia, Indonésia, Singapura, Hong Kong, Londres e Labuan) constitui-se como uma
das cinco maiores instituições financeiras islâmicas do mundo; em 2018 seus ativos
financeiros chegaram a 51 bilhões, compondo-se como o maior banco do bloco ASEAN.
Na Malásia, o Maybank Islamic atua como mercado doméstico líder e controla 30% do
mercado financeiro islâmico. De acordo com a página oficial do Maybank Islamic (2020),
em 2018 o banco contribuiu com 59% para o financiamento do Maybank na Malásia. A
Global Finance (2019) afirma que o país tem se revelado inovador no mundo financeiro,
atuando fortemente no mercado de contas com empréstimos, estruturas e
investimentos, consolidando, assim, uma posição dominante no mercado mundial.
Segundo a análise do Fundo Monetário Internacional (IMF, 2013) o sistema financeiro da
Malásia é resiliente, com um sistema de supervisão e um regime regulatório bem
desenvolvidos.
Considerações Finais
Como se pôde constatar, ao trazer a perspectiva de acadêmicos
predominantemente muçulmanos, o presente artigo se atentou às explicações baseadas
no caráter teológico e moral que fundamentam o sistema financeiro islâmico, buscando
assim, trazer um olhar analítico, sem retórica triunfalista do capitalismo ocidental e
sobre a modernidade. No mundo Islâmico o que realmente prevalece são suas tradições,
que possuem a capacidade de atrair as pessoas do mundo todo e a motivá-las a agir com
uma postura ética e moral frente à sociedade. Isso se devido à intrínseca relação que
o Islã permeia e confere aos valores morais, a irmandade, justiça socioeconômica e a
solidariedade familiar, sem depender do estado ou do mercado em sua visão de mundo e
a aplicação da mesma.
A capacidade de adaptabilidade do sistema financeiro islâmico com suas
modalidades dualísticas é o que possibilita a sua inserção em diferentes países. Através
dessa entrada, o sistema pode ou o progredir, a depender de fatores como nível
populacional de muçulmanos e abertura do sistema político e legislativo do Estado. No
caso de países predominantemente islâmicos, o sistema acontece de modo inverso, ao
possibilitar, através da dualidade a entrada de investimentos no país amparados pela
legislação do sistema financeiro convencional.
Com base no modelo dualístico existente na Malásia, demonstrou-se de modo
empírico a capacidade de um sistema legislativo de se adaptar e ao mesmo tempo
assegurar a coexistência entre dois sistemas financeiros. O sistema de instituições
bancárias no país é de fato, notório. O seu histórico ao ter enfrentado uma crise
financeira regional, e ter sido afetado de modo parcial pela crise mundial, demonstra a
capacidade do sistema financeiro islâmico em oferecer subsídios estáveis, que sejam
baseados no estado real e material das finanças. Instiga-se aqui, quais seriam os riscos
que permeariam a indústria islâmica e quais seriam as alternativas oferecidas pelo setor
islâmico. Sabe-se que, a Malásia possui um hub acadêmico voltado para os estudos
financeiros islâmicos, assim como outros países. E com isso, convém evidenciar que,
tendo em vista o crescimento da comunidade islâmica ao redor do mundo, em 2006, uma
das universidades mais reconhecidas do mundo, Harvard abriu um hub direcionado para
os estudos islâmicos, o Prince Alwaleed Bin Talal Islamic Studies Program At Harvard
University.
Feitas essas considerações, o desfecho se direciona na procura por novas
perspectivas e desapego a prejulgamentos. Existe um mundo de novas possibilidades
além do mainstream e um convite ao conhecimento pouco explorado e ainda assim tão
complexo e vasto do mundo oriental.
Referências
ABEDIFAR, Pejman; HASAN, Iftekhar; TARAZI, Amine. Finance-Growth Nexus and
DualBanking Systems: relative importance of islamic banks. In. Social Science Research
Network. Madri. p. 1-42, 2015. Disponível em: orhttp://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2614180.
ALCORÃO. Fonte digital: Centro Cultural Beneficente Árabe Islâmico de Foz do Iguaçu.
Disponível em: http://www.ligaislamica.org.br/alcorao_sagrado.pdf. Acesso em: 29 jan.
2019.
AQIDAH. In: Oxford Islamic Studies Online. Disponível em:
http://www.oxfordislamicstudies.com/article/opr/t125/e176. Acesso em 28 de jan. 2019.
ASUTAY, Mehmet. Islamic Economics: Theoretical and Practical Perspectives in a
Global Context. A Political Economy Approach to Islamic Economics: Systemic
Understanding for an Alternative Economic System in. Kyoto Bulletin of Islamic Area
Studies. Kioto. vol 1, p. 3-18, 2007.
Department of Statistics Malaysia, Official Portal. The Source of Malaysia’s Official
Statistics. Current Population Estimates, Malaysia, 2018-2019. Disponível em:
https://www.dosm.gov.my/v1/index.php?r=column/cthemeByCat&cat=155&bul_id=aWJ
ZRkJ4UEdKcUZpT2tVT090Snpydz09&menu_id=L0pheU43NWJwRWVSZklWdzQ4TlhUU
T0. Acesso em: 26 fev. 2020.
ELRYAH, Yagoub. Drivers’ growth of Islamic banking industry: Lesson from Malaysia.
International Journal of Social Sciences and Management. Vol 1 (4) pp. 122-128. out.
2014. Disponível em: https://www.nepjol.info/index.php/IJSSM/article/view/10626.
Acesso em: 25 de fev. 2020.
GHAURI, Muhammad Tariq. Purification of Soul in Islamic Perspective A Comparative
Study of Islamic Concept of Tazkiah with Monasticism. Departament f Islamic Studies.
University of Peshawar. The Dialogue. Volume IV, n 3. 2009. Disponível em:
http://www.qurtuba.edu.pk/thedialogue/The%20Dialogue/4_3/1_tariq.pdf. Acesso em:
30 jan. 2019.
GLOBAL FINANCE. Best Islamic Financial Institutions In the World 2019: Coming Into
their Own. May, 2019. Disponível em: https://www.gfmag.com/magazine/may-
2019/best-islamic-banks-world-2019. Acesso em: 26 de jan. 2020.
HABERMAS, Jürgen. Teoria do agir comunicativo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012,
vol. 2
HASSAN, Ul Mehboob. Islamic Approach of Economics: Some discourses on Khurshid
Ahmad’s Vision of Socio-Economic Order, Self-Reliance and Economic Development.
Kyoto Bulletin of Islamic Area Studies. p. 216-240. 2010. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/45420145_Islamic_Approach_of_Economics_
Some_Discourses_on_Khurshid_Ahmad's_Vision_of_Socio-
Economic_Order_SelfReliance_and_Economic_Development. Acesso em: 30 jan. 2019.
IMF, 2013. Malaysia: Financial Sector Stability Assessment International Monetary
Fund. The Monetary and Capital Markets and Asia Pacific Departments. Disponível em:
https://www.imf.org/en/Publications/CR/Issues/2016/12/31/Malaysia-Financial-Sector-
Stability-Assessment-40359. Acesso em: 26 jan. 2020.
INTERNATIONAL MONETARY FUND. The IMF and Islamic Finance. Islamic Finance and
the Role of the IMF. February 2017. Disponível em:
https://www.imf.org/external/themes/islamicfinance/. Acesso em: 25 fev. 2020.
ISLAM, Anwarul. Finance. An islamic perspective. The Millennium University. Jun 2017.
Disponível em: https://www.cribfb.com/journal/index.php/ijibfr/article/view/32.
Acesso em: 18 de fev. 2019.
ISLAMIC FINANCIAL SERVICES BOARD. About IFSB. 2019. Disponível em:
https://www.ifsb.org/background.php. Acesso em: 25 fev. 2020.
JANTALIA, Fabiano. Direito, Economia E Religião: As Finanças Islâmicas E Seus
Arranjos Alternativos De Intermediação Financeira. 2016. 367 f. Tese (Doutorado)
Faculdade de Direito, Universidade Federal de Brasília, Brasília, 2016.
KOMIJANI, A; F. TAGHIZADEH-HESARY. An Overview of Islamic Banking and Finance
in Asia. ADBI Working Paper 853. Tokyo: Asian Development Bank Institute, 2018.
Disponível em: https://www.adb.org/publications/overview-islamic-banking-and-
finance-asia. Acesso em: 03 de junho, 2019.
MAHAIRI, Sheiki Ahmad Saleh. O caminho para o islamismo. Curitiba: Grafipar, 1977
MAYBANK ISLAMIC. Maybak Group Islamic Banking. 2020. Disponível em:
https://www.maybank.com/islamic/en/about-us/about_maybank_islamic.page. Acesso
em: 26 jan. 2020.
MUSAUI, Sayyed Hashem Al. O sistema social no Islam. São Paulo: CIB, 2006.
OLIVEIRA, Kathleen Silva. O sistema financeiro islâmico: características, fundamentos e
o "choque de civilizações". 2018. 62 folhas. Monografia (Graduação em Relações
Internacionais) Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais, Centro Universitário de
Brasília, Brasília, 2018.
RAHIM, Adibah Binti Abdul. Understanding Islamic Ethics and Its Significance on the
Character Building. International Journal of Social Science and Humanity, Vol. 3, No. 6,
November 2013. DOI: 10.7763/IJSSH.2013.V3.293. Disponível em:
http://ijssh.org/papers/293-B00007.pdf. Acesso em: 29 jan. 2019.
RANTA, Paula. Malaysia’s and Indonesia’s Recovery from the Asian Financial Crisis:
Comparison and Causes behind the Recovery. 2017. Disponível em:
https://www.theseus.fi/bitstream/handle/10024/130639/Ranta_Paula.pdf?sequence=1.
Acesso em: 25 de fev. 2020.
RESEARCH AND MARKETS. The World’s Largest Market Research Store. Global Islamic
Finance Markets Report 2019: Islamic Banking Is the Largest Sector, Contributing to
71%, or 1.72 trillion. March, 2019. Disponível
em: https://www.globenewswire.com/news-
release/2019/03/20/1758003/0/en/Global-Islamic-Finance-Markets-Report-2019-
Islamic-Banking-is-the-Largest-Sector-Contributing-to-71-or-USD-1-72-Trillion.html.
Acesso em: 26 jan. 2020.
VIEIRA, Danilo Porfírio de Castro. Política Externa Norte-americana no Oriente Médio e
o Jihadismo. Ed. Appris. 2019.
WORLD BANK. Knowlegde & Research. The Malaysia Development Experience Series.
Financial Inclusion in Malaysia: Distilling Lessons for Other Countries. World Bank
Group. Global Knowledge & Research Hub in Malaysia. Finance & Markets Global
Practice. May 2017. Disponível em:
http://documents.worldbank.org/curated/en/703901495196244578/pdf/115155-WP-
PUBLIC-GFM08-68p-FIpaperwebversion.pdf. Acesso em: 26 fev. 2020.
ZAKHIRI, Mohd; MOHAMAD, Ani Munirah; YAACOB, Hakimah. The Development of
Islamic Finance in Malaysia in: Islamic Banking and Finance: Principles, Instruments &
Operations. 2016. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/299441477_The_Development_of_Islamic_Fin
ance_in_Malaysia. Acesso em: 26 de jan. 2020.