Quer dizer, os mecanismos oficiais são amplamente mais conhecidos: reduções,
aldeamentos, descimentos, catequeses de toda ordem, tentativas de civilização, em geral.
Processos que, no entanto, costumam ter vínculos com instituições específicas, a saber,
as ordens religiosas, setores do poder público voltados às questões dos índios, em suas
versões coloniais, imperiais ou republicanas e outros agentes que atuaram/atuam
diretamente entre os indígenas, representando interesses alheios aos deles.
Considera-se, ainda, ter evidenciado que o Rio Grande do Sul, inclusive em suas
“regiões de imigração”, não só foi como é, também, indígena. Contrariando-se narrativas
que associam a presença indígena ao passado desses espaços, representando
populações autóctones como evanescentes, arredias, “fantasmas das brenhas” (SOUZA,
1998). Trata-se, não obstante, de contribuir para a atualização sistemática da História,
que muda conforme se olha, e no ritmo dos novos diálogos interdisciplinares. Ou seja,
tendo em vista que, antropologicamente, já não são aceitas noções como “aculturação”
ou “perda cultural”, parece oportuno ponderar que:
O homem livre da ordem escravocrata, para usar a linguagem da Maria Silvia
Carvalho Franco, é um índio. O caipira é um índio, o caiçara é um índio, o
caboclo é um índio, o camponês do interior do Nordeste é um índio [...]. No
sentido de que são o produto de uma história, uma história que é a história de
um trabalho sistemático de destruição cultural, de sujeição política, de
“exclusão social” (ou pior, de “inclusão social”), trabalho esse que é
propriamente interminável. Não é possível fazer todos os brasileiros deixarem
de ser índios completamente. Por mais bem sucedido que tenha sido ou esteja
sendo o processo de desindianização levado a cabo pela catequização, pela
missionarização, pela modernização, pela cidadanização, não dá para zerar a
história e suprimir toda a memória, porque os coletivos humanos existem
crucial e eminentemente no momento de sua reprodução, na passagem
intergeracional daquele modo relacional que “é” o coletivo, e a menos que essas
comunidades sejam fisicamente exterminadas, expatriadas, deportadas, é muito
difícil destruí-las totalmente. E ainda quando o foram, quando foram reduzidas a
seus componentes individuais, extraídos das relações que os constituíam, como
aconteceu com os escravos africanos, esses componentes reinventam uma
cultura e um modo de vida – um mundo relacional que, por constrangido que
tenha sido pelas condições adversas onde vicejou, jamais deixou de ser uma
expressão da vida humana exatamente como qualquer outra. Não há culturas
inautênticas, pois não há culturas autênticas (VIVEIROS DE CASTRO, 2006, p.
11).
O autor supracitado é enfático: a discussão sobre quem é ou não indígena é uma
questão exclusivamente política, de modo algum uma pergunta científica. Isto é, como
ocorreu em alguma medida em toda a América, a construção da nacionalidade dos países
nesse continente ancora-se em pressupostos de identidade étnica (LINARES, 2015).
Todavia, os coletivos humanos não parecem se definir por identidades, mas em
diferenciações subjetivas constantes. A tentativa de alguns projetos político-intelectuais
para compreender/capturar essas diferenciações, redundou no desenvolvimento de