seja, sobre a natureza dos delitos, abrangendo os pecados públicos, independente dos
autores serem leigos ou eclesiásticos. Mas, não tinha competência para julgar as
consideradas heresias indígenas.
Porém, com os índices populacionais nos territórios indígenas, as necessidades de
evangelização esbarravam na escassez de estruturas necessárias a esse exercício,
passando a exigir responsabilidades mais amplas. De todo modo, os processos judiciais
contra os réus indígenas decorriam na mesma formalidade de praxe dos não-indígenas,
com exceção do privilégio jurisdicional de miserabilidade, que era visto como concessão
de uma graça do direito canônico aos indígenas.
No sétimo artigo, Maria Regina Celestino de Almeida apresenta uma nova versão
de dois capítulos de seus livros publicados em 2005 e 2009
, desenvolvendo uma
relevante análise sobre a cultura política indígena e política indigenista no Rio de Janeiro
colonial através das disputas jurídicas sobre as terras e a identidade étnica dos índios
aldeados entre os séculos XVIII e XIX. Evidenciando o fato de que, para evitarem a perda
total de suas terras, os indígenas passaram a assumir nitidamente a identidade de índios
aldeados e súditos cristãos, assumindo uma posição de privilégios em relação aos negros
e índios escravos (ALMEIDA, 2019, p. 221).
Isso porque, assumindo essa condição, podiam solicitar mercês, ter direito à terra,
embora uma terra reduzida. Tinham direito ainda a não se tornarem escravos, embora
obrigados ao trabalho compulsório. Por fim, o direito a se tornarem súditos cristãos,
embora tivessem de se batizar e abdicarem de suas crenças e costumes. Sendo que as
lideranças ainda tinham direito a títulos, cargos, salários e prestígio social, o que dentro
de condições limitadas, restritas e opressivas, eram possibilidades de agir para valer o
mínimo de direito assegurado por lei.
Como parte das investigações mais recentes, escrito em espanhol, o artigo de
Pablo Ibáñez-Bonillo, Procesos de Guerra Justa en la Amazonía portuguesa (siglo XVII),
aponta a influência indígena na construção das fronteiras coloniais, partindo da premissa
de que a guerra justa é uma ferramenta para se explorar as relações de fronteira. Com
isso, a construção de alteridades e a influência das dinâmicas indígenas na história
colonial não podem ser vistas como um mecanismo de dominação, mas sim um processo
mais amplo de negociação e resistência.
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Índios, Missionários e Políticos: Discursos e Atuações Político-
Culturais no Rio de Janeiro Oitocentista.” In: SOIHET, Racehel el al (org). Culturas Políticas. Ensaios de
História Cultural, História Política e Ensino de História. Rio de Janeiro: Mauad, 2005, p. 235-255;
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Cultura Política Indígena e Política Indigenista: Reflexões sobre
Etnicidade e Classificações Étnicas de Índios e Mestiços no Rio de Janeiro – Séculos XVIII e XIX. In.:
AZEVEDO, Cecilia et al (org.) Cultura, Política, Memória e Historiografia. Rio de Janeiro: FGV, 2009, p. 211-
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