não têm um valor intrínseco. O valor lhes é sempre atribuído por sujeitos
particulares e em função de determinados critérios e interesses historicamente
condicionados. Levada às últimas consequências, essa perspectiva afirma a
relatividade de qualquer processo de atribuição de valor – seja histórico
artístico, nacional, etc. – a bens, e põe em questão os critérios até então
adotados para a constituição de ‘patrimônios culturais’, legitimados por
disciplinas como a história, a história da arte, a arqueologia, a etnografia, etc.
Relativizando o critério do saber, chamava-se a atenção para o papel do poder.
(FONSECA, 2012, p. 35).
Essa mudança, de acordo com Chuva (2017), não tem explicação somente pelas
transformações do norte institucional. Nas décadas de 1970 e 1980 havia um amplo
contexto político pela redemocratização e os movimentos sociais também passaram a
reivindicar a proteção e valorização dos seus bens culturais, exigindo a comentada
revisão crítica dos critérios e valores da política pública de patrimônio. Como resultado
legal, a Constituição Federal de 1988, no artigo 216, ampliou a noção de patrimônio,
passando a ser categorizado como material e imaterial. Além disso, incluiu no primeiro
inciso a obrigatoriedade do poder público de atuar em colaboração com a comunidade.
Tal mudança teve como desfecho os tombamentos, na década de 1990, das primeiras
construções ligadas a grupos sociais afro- brasileiros: o do terreiro Ilê Axé Iyá Nassô Oká
e da Serra da Barriga, onde se situa Palmares, porém:
[...] A maioria dos tombamentos de conjuntos urbanos na década de 1990 foi
concentrada em áreas geográficas pouco nominadas até então, como o
Nordeste semiárido e o Centro Oeste. Corumbá (MS, 1993), Cuiabá (MT, 1993),
Laranjeiras (AL, 1996) e Lapa (PR, 1998), todas elas muito marcadas pelos estilos
do século XIX e princípios do XX, foram tombadas nos três livros enquanto
Penedo (AL, 1996), a Sobral e a Icó (CE, ambos em 1998) foi negado o registro no
livro das Belas Artes. Todo eles, entretanto, são muito afins à paisagem urbana
luso-brasileira de lotes profundos de testadas estreitas, com casarios
basicamente alinhado na testada do lote e sem recuos laterais. Ainda que com
marcas neoclássicas ou com sinais mais ousados da Art Nouveau nos sobrados
ricos de Corumbá ou em raros palacetes na parte mais alta de Penedo, o que se
preservou na eleição desses conjuntos foi a paisagem “típica” luso-brasileira,
ainda que atualizada estilisticamente. Nada de bairros operários, bairros-jardins,
bairros de palacetes, áreas intensamente verticalizadas ou marcadas pela
paisagem industrial. (MARINS, 2016, p. 16).
Desse modo, apesar das renovações emergentes nos anos 1980, a década
posterior mantém viva noções de um patrimônio com valor intrínseco, supostamente
“superadas”. É no alvorecer do século XXI que ocorre uma retomada das discussões
principiadas nos meados dos anos 1980. São concebidos, em 1998, o Grupo de Trabalho
do Patrimônio Imaterial e a Comissão de Assessoramento, ambos com a missão de
elaborar uma nova legislação que atendesse às demandas dos bens culturais processuais,
dinâmicos e, finalmente, dos grupos não contemplados, ou para os quais o tombamento