A grande maioria dos textos sobre a temática islâmica insistem na ideia de
explicar o interesse pela biografia de Maomé por razões fundamentalmente
ideológicas. De fato, a religião islâmica tendeu a ser explicada a partir da figura,
circunstâncias vitais e motivacionais de seu fundador, sendo esses detalhes os
mesmos itens biográficos utilizados para refutar o Islã, rebaixando-o a uma
categoria de paganismo herético, de origem Cristã, contaminado por judaísmo,
idolatria e cristianismo.
Logo, o grande foco da representação negativa do Islã está em uma leitura
simplista da biografia do Profeta, bem como dos valores que compõem sua fé. Conforme
Muñoz destaca, a argumentação de ataque à figura do Profeta, enquanto líder de uma
falsa fé, é a mesma utilizada para refutar tal representação, uma vez que, mesmo na
multiplicidade que compõe o Islã, há uma retórica que delimita a figura do Profeta a de
homem comum, contrastando com o modelo de construção realizada por autores como
Eulógio de Córdoba e Pedro de Poitiers
. Para além desse marcador, capta-se uma
amplitude de valores vindos da cultura muçulmana presente no Corão e na sharia, e que
muitas vezes são deixados de lado.
Ainda que seja fundamental compreender o contexto das fontes em uso, deve ser
realizada uma análise crítica de tal documentação. Hoje, é conhecida a problemática de
uma verdade absoluta; porém para Eulógio de Córdoba, essa não seria uma preocupação,
sendo que a palavra da ecclesia tinha a possibilidade de ser, em uma perspectiva macro,
a final.
Em seu contexto, o Islã era algo negativo e, de acordo com seu ponto de vista,
reduzia o poder e influência da Igreja, no entanto, como Jessica Coope aponta (1995), há
um grande número de cristãos que estavam satisfeitos sob o domínio muçulmano. Sob o
olhar de Eulógio, aqueles que abandonam os cristãos e se curvam perante o Islã
afrontam os que permanecem fiéis, devendo ser enfrentados, pois acredita
[...] que valha a pena enfrentar os ignorantes, antes de expor as virtudes dos
mártires, que com uma boca repleta de blasfêmias, insultam os mártires de
nosso tempo e afirmam que eles não são iguais aos primeiros mártires.
Finalmente, eles afirmam que aqueles pagãos do passado [que atacavam aos
cristãos] eram devotados ao culto de estátuas, invadidos pela idolatria de
diferentes imagens e submetidos à monstruosidade de mil ídolos, e que, como
muitas formas de coisas terrenas que admiravam, tantas figuras de deuses
foram criadas, na ideia de que o benefício material, pelo qual com suas maiores
forças eles consumiram seu esforço miserável, não poderia ser obtido de outra
maneira senão com um abundante culto às divindades. Enganada por seu erro, a
Compreendemos que autores como os já citados, mas também somados a autores medievais como Arnau
de Vilanova, Jacopo de Varazze (Hilário Franco Júnior, 2003), Paulo Álvaro e Pedro, o Venerável, buscam
demonstrar o quão deturpada a cultura muçulmana era em comparação com o Cristianismo. Logo, em tal
contexto, refletindo com relação aos objetivos dos autores, é possível compreender o seu modo de
representar o Islã, porém sendo necessária uma análise que apresente à multiplicidade uma cultura
representada de forma minimalista e sob o viés do pecado.