Segundo Rubens Panegassi, em São Tomás de Aquino (1225-74), três ideias foram
essenciais e deveriam ser, obrigatoriamente, articuladas para a proclamação da guerra
justa: a primeira é a definição de uma autoridade legítima; a segunda verifica-se na causa
justa (Reconquista); e a terceira baseada na reta intenção. Deve-se observar que a
doutrina construída por Aquino é importantíssima para caracterizar o papel do soberano
como detentor do direito de declaração da guerra, pois estes, na lógica do direito divino
dos reis, teriam que se responsabilizar apenas à Deus. (PANEGASSI, 2017, p. 29)
.
Com base nessa unidade percebida pela compreensão da guerra medieval que o
processo colonizador se estabeleceu frente a diversidade dos povos originários na
América. Cabe lembrarmos que foi um império que abarcou inúmeros espaços humanos
e territoriais e, por isso, necessitou de um discurso que considerasse legítima a posse e o
contato com esses novos lugares e povoações, para justificar – ideológica e
juridicamente – o domínio pretendido pelo monarca e suas conexões para a manutenção
da ordem religiosa e política. Em consequência, o uso da força e da agressiva imposição
política também utilizou desse esquema discursivo frente ao confronto e a dominação.
Articulando um estreitamento cada vez maior entre os vértices da política e religião, os
portugueses se basearam na reivindicação da ortodoxia cristã e o exclusivo da guerra
justa. (PANEGASSI, 2017, p. 133)
.
Assim, a partir de documentos históricos busca-se demonstrar como a prática de
uma estrutura, a da guerra justa, passa a uma estrutura da prática, quando agenciada em
novos contextos, tais como contra os “Cayapó” Meridionais que habitavam dentre os
séculos XVIII e XIX as regiões que hoje compreendem o Triângulo Mineiro, norte de São
Paulo e sul de Goiás, buscando legitimar, neste caso, o combate, a cristianização e a
escravização indígena.
Não é de hoje que a discussão sobre a teorização da doutrina da guerra justa é amplamente debatida,
direta ou indiretamente nas análises do Império português. Contudo, seria pretensiosa de nossa parte,
querer abarcar toda essa produção. Mereceria um espaço maior e fôlego na análise. Portanto, o intuito foi
de nomear alguns importantes representantes da teorização e se debruçar na complexidade do fenômeno
no âmago do modo estruturante do império. Cf: (FREITAS, 2014); (DE SOUSA, 2017).
A doutrina da guerra justa veio a ser utilizada em diferentes circunstâncias na modernidade, recebendo
uma multiplicidade de tendências analítica sobre a compreensão da paz, da guerra e do direito de
intervenção. Exemplo disso, viu-se nos estudiosos da Universidade de Salamanca. O dominicano Francisco
Vitoria que entre os anos de 1537-1554, fez profundo debate sobre o uso da doutrina em função do
controle dos mares e o comércio de especiarias por parte da coroa portuguesa. Os dominicanos, com base
nas ações portuguesas e a utilização da guerra justa ilegítima, sustentaram as argumentações da segunda
Escolástica para que condenassem com “severidade uma prática que limitava o direito ao comércio e
constituía, por um consequente pecado mortal” (MARCOCCI, 2012, p. 300), baseando-se também, diversas
acusações de roubo e violência. Isso é importante exemplo de como a doutrina da guerra foi utilizada em
caráter político e de acordo com as ambições de quem objetivava o monopólio e a intervenção dos povos e
mares (MARCOCCI, 2012, p. 300).