Esta imagem clássica de De Bry acompanha uma série de outras sobre o mesmo
tema, que aludem ao sofrimento do corpo, servindo às discussões religiosas entre
católicos e reformados que a associam ao pecado, à ação demoníaca e ao purgatório, ou
seja, a imagem acaba ultrapassando o que os livros didáticos chamam de “costumes dos
nativos”. O que a gravura pretende expressar e discutir são as questões relevantes a seu
produtor, como a Reforma Protestante, seu exílio e a crueldade empregada nas guerras
religiosas que aconteciam na Europa. Ana Maria de Moraes Belluzzo observa que,
segundo os protestantes, “a parte simbólica de ingerir o corpo de Cristo para adquirir
poderes permite que se estabeleça um paralelo entre o canibalismo e a comunhão pela
Eucaristia, momento de renovação no cerimonial católico” (BELLUZZO, 1994, p. 58),
concluindo que “não se deve, portanto, excluir a metáfora, que tem origem no imaginário
religioso da época, nas interpretações e nos modos como essas imagens eram
vivenciadas”(BELLUZZO, 1994, p. 58), o que em nenhum momento é mencionado ou
abordado nos livros que estudamos.
As ilustrações, como vimos, representam muito mais o europeu, e não somente
em suas características físicas, mas principalmente nos assuntos que querem abordar.
Os grandes debates da época eram marcados pela comparação entre os atos dos nativos
e dos europeus, indagando quem eram, de fato, bárbaros:
[...] Mas nunca se encontrou nenhuma opinião tão desregrada que desculpasse a
traição, a deslealdade, a tirania, a crueldade, que são nossos erros habituais.
Portanto, podemos muito bem chamá-los de bárbaros com relação às regras da
razão, mas não com relação a nós, que os ultrapassamos em toda espécie de
barbárie. A guerra deles é toda nobre e generosa e tem tanta desculpa e beleza
quanto possa permitir essa doença humana; não tem outro fundamento entre
eles além da busca da virtude [...] (MONTAIGNE, 2010, p. 151-152).
Ao promover diálogos sobre a contraposição entre europeus e americanos,
selvagens e civilizados as imagens assumem uma inversão de significado. Ao invés de
combaterem e denunciarem os costumes bárbaros da América, elas lançam luz sobre o
comportamento do europeu.
Pensando na catequização e na salvação das almas, os cronistas também
defenderam tais rituais e encontraram neles uma maneira de apontar as feridas que
muito incomodavam a Europa, como a questão da tolerância religiosa. Por isso, em seus
relatos, muitas vezes, argumentam sobre tais práticas, como faz Léry em sua História da
viagem à terra do Brasil, qualificando-as como não sendo piores que a usura que
“[sugam] o sangue e a medula, e por conseguinte comem vivos as viúvas, os órfãos e
outros infelizes. Seria melhor cortar-lhes a garganta de uma vez que abandoná-los a uma
morte lenta. Esses agiotas são, portanto, mais cruéis que os selvagens” (LÉRY, 1941, p.