além, eles afirmavam uma visão específica da política de cidadania e anti-escravidão
(MIKI, 2018, p. 26). De que maneira? Yuko Miki sabe que a multiplicidade de motivos que
levavam os escravizados a fugir em pouco se confunde com semelhante ideologia. A
engenhosidade do conceito de geografia insurgente está justamente na capacidade de
transformar uma motivação factível, “a luta pela geografia”, em um significante para a
cidadania (MIKI, 2018, p. 251), ainda que para tal inferência não haja indícios capazes de
sustentá-la. Já no epílogo, a autora nos lembra que, com a Constituição de 1988, o direito
à terra se tornou, legalmente, um meio para reivindicar uma cidadania plena. O problema
que se coloca, em suma, é que se, por um lado, tal conquista é verdadeira, por outro, soa
forçoso dizer que tal associação foi forjada conscientemente pelos afro-brasileiros no
período de escravidão e pré-emancipação (MIKI, 2018, p. 257). Dessa maneira, o que
seria a mais importante contribuição do livro fica reduzida a uma ilação ou, mais
apropriadamente, à amostra de um equívoco metodológico denominado por Frederick
Cooper como ultrapassar legados, isto é, “afirmar que algo no tempo A causou algo no
tempo C sem considerar o tempo B, que fica no meio” (COOPER, 2005, p. 17).
Frontiers of Citizenship é um trabalho vigoroso, que consegue demonstrar com
sucesso a impossibilidade de compreender temas como raça, nação e cidadania sem
envolver tanto as histórias da diáspora africana quanto a das Américas indígenas. Por
outro lado, e essa é a principal crítica, não analisa alguns conceitos que são cruciais para
a sua própria fundamentação mas, pelo contrário, aplica-os nas fontes sem historicizá-
los. Cooper, já mencionado, mostrou, em Citizenship, Inequality and Difference (2018),
que apenas recentemente o conceito de cidadania foi constituído como inerentemente
igualitário, mas por Yuko Miki aplicar esse conceito sem a devida contextualização, a
existência de uma cidadania desigual, tal como defendida pelas elites na conjuntura
analisada, soa como mera injustiça. Similarmente, raça e nação lhe parecem ser
concepções tão unívocas que sequer precisam ser definidas e, dessa forma, a impressão
resultante é de que os sujeitos analisados agem em relação às mesmas identidades
coletivas que pressupomos hoje.
Em The Problem of Slavery as History: a Global Approach, Joseph C. Miller impôs
o desafio intelectual de pensar a escravidão para além da politização contemporânea.
Para ele, estamos tão preocupados em condenar a escravidão, que inibimos o
entendimento acadêmico dessa prática como sujeito de investigação intelectual
(MILLER, 2012, p. 2). Pelo demonstrado, a abordagem dos conceitos em Frontiers of
Citizenship o situa como exemplar dessa conduta que precisa ser evitada. Ainda assim,
esse é um trabalho que merece atenção, não apenas pela importância do tema, mas