anos 1990 que a história dos índios ganhará destaque, mediante obras de autores como
John Monteiro, Ronaldo Vainfas, Ronald Raminelli, entre outros.
Ao optar pelo estudo da história indígena é preciso, muitas vezes, utilizar-se de
fontes constituídas por europeus, principalmente quando nos debruçamos sobre os
primeiros séculos de colonização, devido ao acesso que temos às fontes de origem
realmente indígena ser bastante limitado, quando não inexistente. Portanto, é necessário
saber ver através dos textos e imagens produzidos pelo colonizador, compreender os
símbolos e seus significados ocultos, pois a comunicação entre fonte e historiador só
será possível a partir da compreensão do “conjunto de saberes semântico, enciclopédico
e simbólico que lhes é comum” (HARTOG, 2014, p. 46). Tais fontes raramente são
objetivas e, no século XVI e XVII, muitas delas são exageradas pelo fascínio do
desconhecido e repletas de simbologias, casos que serão abordados mais
detalhadamente no decorrer do texto.
Antes de nos dedicarmos às análises das imagens em si, é preciso compreender o
que foi a antropofagia tupinambá e o que ela representava dentro de sua cultura política
e organizações sociais. Tinham como elementos centrais a guerra e a vingança,
surpreendendo os europeus por não guerrearem por bens materiais e sim visando
capturar inimigos que, posteriormente, serviriam de alimento para toda a aldeia em uma
festa que durava dias e onde até mesmo alguns aliados participavam (CAMPOS, 2013, p.
4). A guerra era realizada para vingar os antepassados mortos e agia como um ciclo sem
fim, onde uma vez que exista um vencedor e um perdedor, há a certeza de que o futuro
trará um novo confronto e uma nova vingança, mantendo vivo o laço com os
antepassados, do mundo dos vivos com o mundo dos mortos, o tempo mítico-religioso
com a continuidade social (FERNANDES, 2006, p. 160). Ao fim de uma batalha, o grupo
vencedor capturava alguns guerreiros sobreviventes para serem parte do festim canibal
em sua aldeia, prezando pela participação de todos da comunidade, ainda que alguns dos
guerreiros quisessem executar prontamente seus prisioneiros (CAMPOS, 2013, p. 9). Já
na aldeia, a antropofagia ritual envolvia todos os membros da comunidade em um grande
banquete, cada um em sua função, as mulheres preparando a carne, os homens abatendo
a vítima em um ritual final, e com as partes que lhes convenham. Até mesmo os bebês
participavam, uma vez que as mães passavam o sangue da vítima em seus seios
(CAMPOS, 2013, p. 11). No que diz respeito ao cativo, ele poderia viver meses ou mesmo
anos na aldeia antes de ser morto e devorado, e durante esse período era assimilado pelo
povo em questão, passando a fazer parte da vida social, por vezes ganhando uma esposa
e até mesmo tendo filhos. Em alguns casos, principalmente se o filho fosse menino, ele
era morto ao nascer ou, quando a mãe intervinha, podia ser sacrificado junto com o pai;