publicar livros a respeito da temática. Exemplar desse argumento são os livros do
moçambicano Mia Couto, que entre 2008 e 2018 teve vinte e dois livros publicados no
Brasil pela Companhia das Letras e tem frequentado as feiras literárias no país desde
então.
Outro autor que tem estado em voga é o camaronês Achille Mbembe (1957-).
Doutor em História pela Sorbonne e atualmente professor de História e de Ciências
Políticas do Instituto Witwatersrand, em Joanesburgo, na África do Sul. No Brasil, suas
ideias têm sido divulgadas por meio de três livros: Sair da Grande Noite: ensaios sobre a
África descolonizada (2019); Crítica da Razão Negra (2018); Necropolítica (2018). É sobre
esse último que essa resenha se debruça.
O livro apresenta-se como um ensaio, resultado do diálogo do autor com outros
intelectuais – aos quais identifica e agradece no fim da obra. A Necropolítica parte da
definição de soberania e biopoder (a partir da leitura de Foucault
), para determinar que a
soberania é exercer o controle sobre a mortalidade, definir quem deve viver e quem não
deve viver, ou nas palavras do autor, a soberania permite definir “quem é ‘descartável’ e
quem não é” (MBEMBE, 2018, p. 41).
Mbembe reconhece no racismo o modelo exemplar do que chama de “tecnologia
destinada ao exercício do biopoder” (2018, p. 18), isto é, o direito soberano de matar.
Refletindo sobre os Estados escravistas e os regimes coloniais contemporâneos (sem,
contudo, pormenorizar a construção da raça e das hierarquias raciais do século XIX e
XX), o autor afirma que ambos são experiências máximas de: ausência da liberdade,
expressões de terror, símbolos da perda do lar, direitos ao corpo e do estatuto político
(em especial no escravismo), manifestação do poder de controle de uns sobre o
corpo/desejo de outros, em ambos os casos.
A ênfase e contribuição maior do ensaio, porém, não está na questão do
escravismo ou do racismo, mas sim nas técnicas e dispositivos da mentalidade dos
governos contemporâneos e suas formas de controle e de guerra. Essa última, levada a
cabo na contemporaneidade, com o objetivo de se instalar a completa submissão do
inimigo, sem mensurar os impactos colaterais para a sociedade civil.
Esse modelo de guerra, descrito como característico da “época da globalização”, é
exemplificado no livro com a Guerra de Kosovo, onde houve a destruição da
infraestrutura tais como ferrovias, rodovias, redes de comunicação, depósitos de
“aquele domínio da vida sobre a qual o poder estabeleceu o controle” (FOUCAULT, 1997, p. 213-234 apud
MBEMBE, 2018, p. 5-6).