ARCOLEZE, Conrado Ferreira
*
RESUMO: O Caso Proconsult foi uma tentativa de
fraude eleitoral nas eleições para governador do
Estado do Rio de Janeiro de 1982 visando dar
vitória ao candidato do PDS, Wellington Moreira
Franco, em prejuízo ao candidato do PDT, Leonel
Brizola. O objetivo principal é analisar a
veiculação do Caso Proconsult na campanha
presidencial de 1989 de Leonel Brizola através
dos dois principais jornais cariocas Jornal do
Brasil e O Globo. Buscar-se analisar não
somente tal episódio sendo retomado ou
relembrado especificamente na campanha pelos
periódicos, mas as menções e falas de Brizola
sobre possível fraude no pleito de 1989, bem
como insistentes críticas do pedetista contra as
pesquisas de opinião. É possível assinalar que o
Caso Proconsult não morreu em 1982 e continuou
rendendo discussões. Brizola sempre procurava
retomar esse episódio para falar em possível
fraude.
PALAVRAS-CHAVE: Caso Proconsult; Leonel
Brizola; Jornal do Brasil; O Globo.
ABSTRACT: The Proconsult Case was an
attempt to electoral fraud in the 1982 Rio de
Janeiro governor election aimed at giving PDS
candidate Wellington Moreira Franco a victory
over PDT candidate Leonel Brizola. The main
objective is to analyze the dissemination of the
Proconsult Case in the 1989 presidential
campaign of Leonel Brizola through the two
main Rio newspapers - Jornal do Brasil and O
Globo. It will seek to analyze not only such an
episode being specifically taken up or recalled in
the campaign by the journals, but Brizola's
mentions and speeches about possible fraud in
the 1989 election, as well as insistent criticism of
the pedetist against opinion polls. It may be
pointed out that the Proconsult Case did not die
in 1982 and continued to yield discussions.
Brizola always sought to resume this episode to
talk about possible fraud.
KEYWORDS: Proconsult Case; Leonel Brizola;
Jornal do Brasil; O Globo.
Recebido em: 08/01/2020
Aprovado em: 20/02/2020
* Graduado em Administração pela UEM, Maringá-PR, mestrando do Programa de Pós-Graduação em
História da UNESP/Assis, Assis-SP. Bolsista CNPq. E-mail: conradoarcoleze@gmail.com
Introdução
O Caso Proconsult foi uma tentativa de fraude eleitoral nas eleições para
governador do Rio de Janeiro de 1982 visando dar vitória ao candidato do PDS,
Wellington Moreira Franco, em prejuízo ao candidato do PDT, Leonel Brizola. Cabe
considerar que as eleições estaduais em 1982 se realizavam em sistema de voto
vinculado. Nesse modelo, o eleitor deveria votar para governador, senador, deputados
federal e estadual em candidatos do mesmo partido; caso contrário, seu voto seria
anulado. Por trás desse sistema estavam os interesses do Governo Militar, que pretendia
continuar com o sistema de bipartidarismo vigente durante 1964-1979. O sistema de voto
vinculado visava garantir o domínio do partido de sustentação do regime militar em todo
país, dado o fato de que este teria candidatos em todos os postos. No Rio de Janeiro, a
polarização final se deu entre os candidatos Leonel Brizola e Moreira Franco. No Estado
fluminense, Moreira Franco atendia ao interesse de domínio político dos governistas,
enquanto Brizola representava a oposição sistemática mais forte ao Governo Militar e ao
governador à época, Chagas Freitas, do PMDB. A Proconsult era uma empresa
responsável pela totalização dos votos nas eleições estaduais no Rio de Janeiro. A
apuração ganhou contornos de escândalo quando foi descoberto um esquema de fraude
nas urnas, buscando transferir os votos nulos e brancos para Moreira Franco através de
um erro na programação do computador da Proconsult. As Organizações Globo foram
acusadas de estarem participando da fraude, de maneira indireta por Brizola e de
maneira explícita por Saturnino Braga, senador pedetista, em discurso na tribuna do
Senado.
Sempre ligado ao trabalhismo, Brizola foi um político gaúcho que exerceu
diversos cargos públicos em sua vida política, sendo os mais destacados o de governador
em dois Estados: Rio Grande do Sul (1958-1962) e Rio de Janeiro (1983-1986 e 1991/1994).
Antigo membro do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), ao lado de Getúlio Vargas e João
Goulart, Brizola exilou-se do Brasil em 1964, por causa do golpe civil-militar desferido
contra o governo constitucionalmente eleito de Goulart. Voltou ao país pela Lei da
Anistia em 1979, disputando com Ivete Vargas o comando da sigla PTB. Sendo derrotado,
fundou, em 1980, o Partido Democrático Trabalhista (PDT), ao qual se manteve filiado até
o fim de sua vida, sempre como líder-mor da agremiação e concorreu ao cargo de
Presidente da República nas eleições presidenciais de 1989 e 1994 pelo partido.
Depois de 29 anos sem escolher o seu representante máximo, o povo brasileiro
compareceu às urnas do dia 15 de novembro de 1989 para escolher dentre 22 candidatos
1
dos quais metade pertenciam a organizações partidárias estabelecidas e destacadas
quem ocuparia a Presidência da República pelos próximos cinco anos. O Brasil
apresentava uma grave crise socioeconômica em 1989, com elevados índices de inflação
e volumosa dívida externa. O governo chefiado por José Sarney apresentava números
expressivos de impopularidade, ao ponto de o presidente não exercer influência alguma
sobre o pleito ou algum candidato, sendo alvo unânime de ataques dos demais
postulantes. Além disso, o país havia recém-saído de uma ditadura militar que durou 21
anos 1964 a 1985 , e que contribuiu para sério agravamento da crise socioeconômica.
O Jornal do Brasil (JB) e o jornal O Globo (OG) eram os dois principais periódicos
cariocas em 1989 e possuíam acirrada concorrência, com a liderança de mercando
estando com OG. O objetivo principal do artigo é analisar a veiculação do Caso
Proconsult na campanha presidencial de 1989 de Leonel Brizola através dos dois
principais jornais cariocas JB e OG. Buscar-se analisar não somente tal episódio
sendo retomado ou relembrado especificamente na campanha pelos periódicos, mas as
menções e falas de Brizola sobre possível fraude no pleito de 1989, bem como insistentes
críticas do pedetista contra as pesquisas de opinião. É salutar o entendimento de que por
trás dessas críticas e denúncias de fraude estava o Caso Proconsult, que ligou o alerta no
trabalhista para episódios fraudulentos possíveis de ocorrer em quaisquer eleições.
Foram tomadas para análise as edições diárias de um ano de ambos os periódicos,
entre os dias 15 de novembro de 1988 a 15 de novembro de 1989. Tal período é analisado
também em nossa pesquisa no mestrado, que busca estudar a veiculação da campanha
presidencial de 1989 de Brizola através da imprensa escrita. Não é nosso objetivo o
estudo do segundo turno dessas eleições, que foi disputado entre os candidatos
Fernando Collor de Mello e Luís Inácio Lula da Silva, pelo fato de Brizola não ter chegado
ao mesmo
2
. A temporalidade nesse aspecto permite a compreensão da campanha como
um todo, incluindo sua fase preliminar pré-campanha
3
, que é marcada por
articulações e preparação para a campanha em busca do voto do eleitor em si.
1
Concorriam ao pleito e com partidos organizados os seguintes candidatos: Affonso Camargo (PTB),
Aureliano Chaves (PFL), Fernando Collor de Mello (PRN), Guilherme Afif (PL), Leonel Brizola (PDT), Luís
Inácio Lula da Silva (PT), Mário Covas (PSDB), Paulo Maluf (PDS), Roberto Freire (PCB), Ronaldo Caiado
(PSD) e Ulysses Guimarães (PMDB).
2
Brizola terminou o primeiro turno em terceiro lugar, com 16,51% dos votos. Apoiou Lula no segundo
turno.
3
A pré-campanha compreende o período de novembro/1988 até junho/1989. Nesse período, os partidos
buscavam articulações e alianças, para então oficializar o candidato que disputaria o pleito, sendo tal
processo realizado através da Convenção partidária. Com os candidatos oficializados, a campanha em si
Analisaram-se todos os cadernos dos jornais, bem como os expedientes
discursivos dos matutinos (notícias, editoriais, colunas, artigos, informes, etc) em que
a menção a partir da manifestação de Brizola de assuntos como: fraude eleitoral,
manipulação das pesquisas eleitorais e Caso Proconsult. A escolha dos periódicos é que,
além de serem tomados como fontes na nossa pesquisa do mestrado, foram atores
destacados na veiculação do Caso Proconsult em 1982, tendo inclusive o JB
desempenhado função primordial para desmascarar a fraude. Será possível compreender
também qual a veiculação do Caso Proconsult em 1989 e se a influência e participação
dos periódicos em 1982 serviu para destacar a linha narrativa atual.
Formação de uma eleição acirrada e a Proconsult
As eleições estaduais em 1982 ocorreriam após 17 anos de ausência, ainda no
regime militar. Em 1965, o Governo Militar instituiu o Ato Institucional n°2, que dentre as
medidas, instituía o bipartidarismo no país. Passariam a existir ARENA, principal partido
de sustentação do regime militar e MDB, partido de oposição permitido pelos militares. A
ARENA deu sustentação ampla para o regime militar por cerca de 10 anos; após, o MDB
começou a crescer e ameaçar essa sustentação. Com a aprovação da Lei da Anistia em
1979, grandes lideranças pré-1964 retornariam ao país após longo tempo no exílio; entre
tais estava Leonel Brizola, político de esquerda com destacada atuação no período pré-
golpe militar. Com o retorno do pluripartidarismo em 1980, ARENA e MDB deixariam de
existir. O partido governista passaria a se chamar PDS e o da principal oposição, PMDB.
No campo da esquerda, através de lideranças sindicais, movimentos sociais e de base da
Igreja seria criado o PT. Brizola, em seu retorno do exílio, procurou remontar sua antiga
sigla, PTB. Entretanto, perdeu o direito da sigla para Ivete Vargas, representante da ala
paulista do partido, então ligada ao fisiologismo partidário. Brizola resolveu fundar um
novo partido trabalhista, o PDT, partido o qual seria a principal liderança da ideologia
trabalhista. As eleições estaduais de 1982 elegeriam representantes de todos os cargos,
exceto presidente da República. Foi instituído o voto vinculado nessas eleições, com o
eleitor devendo votar em candidatos do mesmo partido para todos os cargos; caso
contrário, seu voto seria anulado
4
. A estratégia governista era garantir amplo domínio
compreende o período de julho/1989 até novembro/1989, quando os postulantes buscavam os votos do
eleitorado de forma mais direta.
4
O voto vinculado era uma das medidas do chamado “Pacote de Novembro” decretado pelo regime militar
em 1982, que visava mudar as regras eleitorais e enfraquecer os partidos oposicionistas. Outras medidas
nacional, visto o PDS ser um partido altamente estruturado e com condições de possuir
representantes em todos os cargos, além do fato da oposição estar dividida em diversos
partidos. Tal eleição era estratégica ao Governo Militar no médio prazo, dado que seriam
eleitos os deputados federais que elegeriam o sucessor do presidente João Baptista
Figueiredo. No Rio de Janeiro, o pleito seria disputado por cinco candidatos: Leonel
Brizola (PDT), Moreira Franco (PDS), Miro Teixeira (PMDB), Sandra Cavalcanti (PTB) e
Lysâneas Maciel (PT).
No início das articulações políticas voltadas para o pleito fluminense de 1982, a
polarização ocorria entre Sandra Cavalcanti e Miro Teixeira. Brizola e o então candidato
do PDS Emilio Ibrahim apareciam com baixíssimas intenções de voto (SILVEIRA, 2018, p.
43-46). A petebista e o peemedebista foram caindo nas pesquisas e, paralelamente,
Brizola e Moreira Franco (substituto de Ibrahim) começaram a subir e polarizar a
disputa. A ascensão do pedetista ocorreu pela campanha nas ruas, bem como os
programas televisivos e debates (SILVEIRA, 2018, p. 48-51). A subida de Moreira Franco
se deveu ao suporte do Governo Militar, incluindo o seu estruturado partido, bem como
o de seu sogro, Amaral Peixoto, destacado político fluminense. Como indicação do
acirramento da disputa entre Brizola e Moreira Franco, a última sondagem do Ibope
mostrava o trabalhista com 27,2% dos votos contra 22,3% do pedessista, incluindo um
cenário de indecisos que tornavam incerta qualquer aposta segura de vitória. (SILVEIRA,
2018, p. 72).
A Proconsult era a empresa privada responsável pela totalização dos votos nas
eleições estaduais fluminense. Havia um temor antecipado de fraude antes das aberturas
das urnas, especialmente pelo voto vinculado e modelo de cédula eleitoral imposta pelo
Governo. Brizola foi informado por diversas fontes de uma possível tentativa de fraude e
decidiu montar um sistema de apuração paralelo no PDT (SILVEIRA, 2018, p. 80). Outros
sistemas de apuração paralelos que apareceriam com destaque seriam o das
Organizações Globo e JB. A estimativa da Proconsult era divulgar o resultado oficial
dentro de cinco dias; entretanto, a totalização foi lenta e começou a gerar
desinformações entre as apurações das Organizações Globo e do JB. O primeiro veículo
apurava o resultado de todos os cargos eletivos, o segundo focava em governador e
senador. Os votos no interior onde Moreira Franco tinha mais força chegavam
rapidamente, enquanto os da capital, onde Brizola liderava, demoravam. Os resultados
das Organizações Globo projetavam que a disputa estava parelha, com leve vantagem
do pacote incluíam a proibição de coligações e chapa completa, exigência esta que apenas o PDS poderia
atender pelo fato de ser a agremiação partidária mais estruturada no país.
para o pedessista. O JB, entretanto, dada a sua agilidade por apurar menos cargos,
projetava Brizola com boa vantagem sobre o oponente.
Com as informações oficiais e disparidade das apurações PDT e JB possuíam
projeções semelhantes, enquanto as das Organizações Globo tinham semelhança às do
TSE, que apresentavam lentidão Brizola teve reforçada a ideia de tentativa de fraude e
decidiu denunciá-la na imprensa estrangeira. O caso a partir desse fato começou a
ganhar contornos de escândalo. O trabalhista deu entrevista ao diretor de jornalismo da
Rede Globo, Armando Nogueira, no mesmo dia em que denunciou a tentativa de fraude
na imprensa estrangeira. Nessa entrevista, reiterou sua posição de que todas as
projeções lhe indicavam sua vitória, bem como das denúncias de fraudes que ocorriam
no Estado fluminense (urnas abertas antes do prazo, seções com votos exclusivos para
Moreira Franco). Sem mencionar o nome da emissora, culpou-a indiretamente pela
apuração errônea e indicou nas entrelinhas participação da organização na fraude
(BONES; BRAGA; DIONI; SOUZA, 2004, p. 126-129). A acusação explícita de participação
das Organizações Globo veio de Saturnino Braga, senador do PDT, em discurso na
tribuna do Senado poucos dias após entrevista de Brizola (SILVEIRA, 2008, p. 111).
Repórteres do JB juntamente com Cesar Maia, representante do PDT na apuração,
descobriram a tentativa de fraude nos computadores da Proconsult, que consistia em
transferir os votos brancos e nulos para Moreira Franco (BONES; BRAGA; DIONI;
SOUZA, p. 125). Foi constatado um erro de programação nesses computadores, com o
TSE decidindo suspender a apuração até correção do erro. Cerca de duas semanas após
o pleito, o JB denunciou que um executivo da Proconsult estava pressionando o jornal de
que o modelo de apuração do JB estava incorreto. O executivo citava um “Diferencial
Delta” para afirmar que o eleitor de Brizola acabaria se confundindo ao votar e anularia
seu voto; com isso previa-se uma vitória de Moreira Franco por 30 mil votos. O JB
recusou essa pressão e decidiu continuar com seu próprio método. Dada a dimensão que
o caso havia tomado, a Polícia Federal decidiu instaurar inquérito para apurar
irregularidades e responsáveis no caso. O resultado final do episódio foi a constatação da
não intencionalidade e falta de má-fé da Proconsult no erro computacional. Nem a
empresa ou quaisquer personagens foram punidos. A participação das Organizações
Globo ou quaisquer representantes do Governo Militar nunca foi provada. Com a vitória,
o próprio Brizola relegou o episódio ao segundo plano, passando a se preocupar com sua
administração futura. O resultado final seria divulgado um mês após o pleito e Brizola
saía vencedor com 34,2% contra 30,6% de Moreira Franco, com uma diferença de
aproximadamente 178 mil votos. O JB se vangloriou por ter errado suas projeções em
apenas 0,08% (SILVEIRA, 2018, p. 122).
Leonel Brizola e as eleições presidenciais de 1989
Leonel Brizola foi um político gaúcho, sempre ligado ao trabalhismo. Nascido em
Carazinho (RS), exerceu diversos cargos públicos, sendo deputado estadual (1946-50),
deputado federal (1954-56 e 1962-64), governador do Rio Grande do Sul (1958-62) e
governador do Rio de Janeiro (1983-1987/1991-1994). Antigo membro do Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB), ao lado de Getúlio Vargas e João Goulart, Brizola exilou-se
do Brasil em 1964, por causa do golpe civil-militar desferido contra o governo
constitucionalmente eleito de Goulart. Voltou ao país pela Lei da Anistia em 1979,
disputando com Ivete Vargas o comando da sigla PTB. Sendo derrotado, fundou, em
1980, o Partido Democrático Trabalhista (PDT), ao qual se manteve filiado até o fim de
sua vida, sempre como líder-mor da legenda. Possuindo uma personalidade
extremamente carismática, despontou em 1989 como um dos possíveis presidenciáveis
do país (MORITZ, 1996, p. 19-20).
Brizola ganhou projeção nacional em 1961, com a chamada “Campanha da
Legalidade”. Essa visava garantir a posse de João Goulart, então vice-presidente, após a
renúncia do presidente Jânio Quadros. Goulart estava em viagem à China comunista e a
garantia constitucional de tomar posse da presidência foi desrespeitada por junta de
ministros militares daquele governo renunciado. Coube a Brizola, então governador
gaúcho, liderar o movimento que exigia o cumprimento da Constituição de 1946,
contando com o apoio do III Exército (NOGUEIRA, 2006, p. 15) e variados setores da
sociedade civil. Brizola saiu com grande prestígio após esse episódio e, no ano seguinte,
se elegeu deputado federal pelo antigo estado da Guanabara. O político foi uma grande
força de sustentação do Governo Goulart e chegou a radicalizar o seu discurso em favor
das Reformas de Base do Governo. Sendo um dos líderes da Frente de Mobilização
Popular, grupo extraparlamentar que visava acelerar as Reformas de Base, Brizola
recebeu muitas críticas por sua atuação extremada a favor de ações e pressões fora do
Legislativo federal, sendo, inclusive, responsabilizado pelo golpe de 1964. Sobre isso,
Ferreira (2003, p. 356) afirma que Brizola era o líder da esquerda reconhecido naquele
momento e que a característica dos movimentos de esquerda da época era a pauta do
radicalismo, sectarismo, intolerância, pregação revolucionária. Surgindo como liderança,
seria um equívoco considerar Brizola exclusivamente como responsável pelo desgaste
político de Jango. Isso significaria desconsiderar, de um lado, a forte campanha contra as
reformas de base de Jango que, travestida de anticomunista, era promovida por forças
políticas de oposição, segmentos da elite nacional e imprensa, apoiadas pelos EUA, além
da conspiração desenvolvida por forças golpistas, e, de outro, a prática e ações próprias
das esquerdas da época, como acima destacado. Desde que passou a governar sob a
retomada do presidencialismo, Goulart teve que enfrentar paulatinamente a polarização
da vida político-partidária, sendo as suas reformas de base e a forma de aprovação delas
um divisor de águas, notadamente a da reforma agrária (FERREIRA, 2003, p. 372-381).
Após exilar-se em 1964, Brizola participou de movimentos opositores ao regime
militar, mesmo morando no Uruguai. Apoiou focos de guerrilha inicialmente no Rio
Grande do Sul e, depois, na Serra do Caparaó, na divisa entre Minas Gerais e o Rio de
Janeiro. Após não obter sucesso com essas guerrilhas, Brizola se desiludiu da luta
armada, focando e acompanhando a oposição pela via institucional ao regime militar. Em
1977, expulso do Uruguai em decorrência da instalação de ditadura militar naquele país,
mudou-se para os Estados Unidos (BONES; BRAGA; DIONI; SOUZA, 2004, p. 97-100).
Retornou ao Brasil com a Lei da Anistia em 1979. Após perder o registro do PTB para
Ivete Vargas, fundou, em 1980, o PDT, quando o regime militar substituiu o
bipartidarismo pelo pluripartidarismo. Analisando especificamente Brizola nos anos de
1980, podemos observar que o trabalhismo que defendia pretendia manter a herança
anti-imperialista e nacionalista, mas atualizando-a. Procurava se desvencilhar da imagem
de um líder radical, buscando uma solução pelo entendimento e que fosse possível
manter a soberania e controle da tecnologia pelo país. As empresas não seriam mais
objetos exclusivamente de expropriação, como entendia e mesmo fizera quando da sua
governança gaúcha, mas, sim, atuariam em parceria com o Estado, o qual estaria à frente
em um projeto nacionalista (COSTA, 2011, p. 11). Com esse projeto nacionalista, buscando
o diálogo e sendo contrário às privatizações, Brizola se afastava de seu discurso
socialista dos anos 60, agora se aproximando de um discurso social-democrata, base
ideológica do seu PDT.
Nos anos de 1980, após voltar do exílio e se elegendo governador do Rio de
Janeiro, Brizola priorizou em seu Governo questões voltadas para o povo, como os
Centros Integrados de Educação blica (CIEPs), principal marca de sua governança
carioca. Em 1984, foi um dos principais líderes do movimento nacional “Diretas Já”, o
qual exigia eleições diretas para presidente da República. Saindo com aprovação popular,
Brizola mirava a Presidência do Brasil. Costa (2011, p. 26) salienta que o político entendia
que o presidencialismo se constituía em uma força capaz [...] de mobilizar muito forte e
o Estado brasileiro, sendo um Estado forte, com a Constituição, poderia até se fazer uma
revolução”; o que tornava a conquista da Presidência um objetivo maior para ele. Com
isso, Brizola se candidatou a presidente em 1989, terminando o pleito em terceiro lugar,
com 15,45% dos votos válidos (MORITZ, 1996, p. 35).
Brizola não era o candidato predileto da mídia. Conforme pontuam Kowalski e
Santos (2010, p. 4-5), assim que Brizola e Lula começaram a aparecer na frente das
pesquisas de intenção de votos, o ataque da mídia contra ambos os candidatos se
intensificou. Com isso, um candidato pouco conhecido nacionalmente passou a se
destacar. Tratava-se do então governador de Alagoas Fernando Collor de Mello,
candidato do inexpressivo Partido da Renovação Nacional (PRN) e que se apresentava
como “caçador de marajás”, expressão empregada às suas tentativas de caçar altíssimos
salários do funcionalismo público alagoano. Promovido e apoiado pelas Organizações
Globo, da propriedade de Roberto Marinho, Collor chegaria ao segundo turno das
eleições de 1989, em disputa com Lula, saindo-se vencedor do pleito. Marcado pela luta
no início da década de 1960 contra grandes organizações, Brizola colhia grande oposição
e resistência de Roberto Marinho, cujos veículos de comunicação jornal, emissoras de
rádio e rede de TV pouco destacava a figura do líder do PDT e reserva-lhe apenas
críticas. Mas Brizola também não era, pelas mesmas razões, bem quisto por demais
proprietários de organizações de comunicação, embora a oposição de Marinho fosse
sempre a maior e mais intensa. Todavia, o partido liderado por Brizola não tinha ainda
obtido uma estrutura que favorecesse uma campanha presidencial. Observando a
estrutura do PDT à época da campanha de 1989, Costa (2011, p. 27-28) constatou que o
partido não possuía muita estrutura para a eleição, baseando-se na crença que o carisma
e a popularidade de Brizola bastavam para ganhar aquele pleito. Ainda, segundo a análise
da autora, o PDT possuía práticas que remontavam ao antigo PTB dos anos 60, como a
centralização em torno de um líder, sendo que se entendia que bastava ganhar a eleição
e a partir daí haveria a construção da máquina partidária que se necessitava (COSTA,
2011, p. 28).
Depois de 29 anos sem escolher o seu representante máximo, o povo brasileiro
compareceu às urnas do dia 15 de novembro de 1989 para eleger quem ocuparia a
Presidência da República pelos próximos cinco anos. O pleito teve 22 candidatos que
concorreram na escolha do voto de cada brasileiro, sendo que metade destes ocupava
destacado espaço na política nacional, dentre os mais importantes partidos políticos da
época. A outra metade se candidatou sem os mesmos recursos dos mais importantes e
tinha a consciência de que teria espaço reduzido para apresentarem suas ideias; ficaram
conhecidos como os “microcandidatos”.
O Brasil apresenta uma grave crise socioeconômica em 1989, com elevados
índices de inflação e volumosa dívida externa. O governo chefiado por José Sarney
apresentava altos índices de impopularidade, ao ponto de o presidente não exercer
influência alguma sobre o pleito ou algum candidato. Pelo contrário, era visto como
maior oposicionista e alvo fácil para ataques de todos os candidatos. Além disso, o país
havia recém-saído de uma ditadura militar que durou 21 anos 1964 a 1985 , e que
contribuiu para sério agravamento da crise socioeconômica.
Por outro lado, é possível destacar que no governo Sarney:
[...] foi permitida a mais ampla organização partidária, as eleições diretas aos
executivos de todos os níveis entraram definitivamente no calendário, e os
analfabetos puderam se alistar como eleitores, recuperando um direito que lhes
fora retirado no início da República, ainda no século XIX. Além disso, a
repressão aos movimentos sociais e sindicais foi freada, o que explica, em parte,
o grande aumento do número de greves na comparação com toda a história
recente do país. O poder, portanto, espraiou-se e não residia mais apenas no
gabinete da presidência da República: agora havia o Ministério Público, novos
partidos políticos, associações sindicais, imprensa, entre outros, querendo
afirmar sua voz frente a um executivo enfraquecido (GOMES, 2014, p. 19).
Leonel Brizola liderava as pesquisas de opinião até abril de 1989, sendo
acompanhado sempre de perto por Lula. Em março de 1989, Collor se mostrava um
candidato competitivo, tendo 9% das intenções de votos. Ele apareceu nos meses
seguintes em três programas partidários, criticando Sarney (especialmente a corrupção),
reforçando sua imagem como Caçador de Marajás e alguém distante da política e
partidos; começou a liderar as pesquisas a partir de abril, disparou na liderança logo em
seguida e não foi mais alcançado (GOMES, 2014, p. 46-47). Os meses de agosto e
setembro marcaram o naufrágio das candidaturas de Ulysses Guimarães e Aureliano
Chaves, representantes dos dois partidos que comandaram a Nova República. Em
pesquisa Ibope em março de 1984, Aureliano liderava o pleito ao Planalto com larga folga
sobre Brizola e Tancredo Neves (GOMES, 2014, p. 51-53).
Em meados de setembro a candidatura de Afif começou a decolar, encostando em
Brizola e Maluf. Collor atacou o liberal e pediu união do centro para evitar vitória da
esquerda. Afif era um hábil político na construção de base parlamentar, se apresentava
bem na TV e sofreu críticas de Brizola também. Parou de crescer devido aos ataques dos
adversários, que observavam sua atuação como deputado constituinte, em que
apresentou contradições nos discursos e ataques aos interesses dos trabalhadores
(GOMES, 2014, p. 67-71). Em outubro, Collor passou a apresentar viés de queda, por não
falar mais sozinho e sofrer críticas. O período marcou a ascensão de Lula. O pedetista
era líder inconteste no Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, já o petista tinha potencial de
crescimento mais homogêneo em todas as regiões do país. Além disso, sua ascensão se
deveu aos programas petistas na TV. A elite e mercado preferiam Brizola em vez de Lula.
Outubro e novembro marcaram a definição do embate entre Lula e Brizola pela vaga no
segundo turno (GOMES, 2014, p.75-79). Collor e Lula se classificaram para o embate final
no segundo turno.
Jornal do Brasil e O Globo
O Jornal do Brasil foi fundado em 1891 por Rodolfo de Souza Dantas e Joaquim
Nabuco, possuindo cunho monarquista. Em 1956, o jornal passou por uma ampla reforma
editorial e gráfica, que serviria de modelo para jornais futuros (BARROS;
SPANNENBERG, 2015, p. 3-4). Sobre essa reforma e o impacto que teve no jornalismo do
país, é possível afirmar que “[...] o jornal foi reformulado em todos os níveis, em um
processo que atingiu tanto a publicação e seu conteúdo gráfico editorial como a
empresa, seu funcionamento, o método de trabalho e o perfil dos funcionários”
(MANNARINO, 2006, p. 49). Em 1982, o periódico denunciou um esquema que visava
beneficiar o candidato a governador do Rio de Janeiro, Wellington Moreira Franco (PDS).
O caso ficou conhecido como Proconsult empresa responsável pelo sistema
informatizado de contagem de votos (MONTALVÃO, 2019, s.p.).
No decorrer da Assembleia Nacional Constituinte instaurada em 1987, o JB se
mostrou favorável à implementação do parlamentarismo e foi contra os cinco anos de
mandato ao presidente Sarney. Tais opções custaram caro ao jornal, que passou a sofrer
fortes pressões econômicas por parte do governo Sarney, que, em represália, ordenou
ao Ministério da Fazenda que fizesse uma devassa fiscal em todas as empresas do grupo,
o que deixou sérias marcas nas finanças da organização. Considerado um dos quatro
grandes veículos da imprensa no Brasil ao lado de O Globo, O Estado de S. Paulo e
Folha de S. Paulo , o periódico da família Brito ocupava em 1989 o segundo lugar no
mercado carioca, atrás do jornal de Roberto Marinho (MONTALVÃO, 2019, s.p.).
O jornal O Globo foi fundado por Irineu Marinho em 1925, na cidade do Rio de
Janeiro. Em 1931, seu filho, Roberto Marinho assumiu a direção do periódico. Em 1972, o
jornal passou a circular em todos os dias da semana. Em 1982, foi lançada a versão dos
“jornais de bairro”, com edições que traziam notícias dos principais bairros da cidade
carioca (O GLOBO, 2005). Sobre o apoio político a determinados candidatos, é possível
afirmar que “[...] a tomada de posição, através do apoio a candidatos a cargos eletivos,
está condicionada ao que o jornal chama de ‘interesse público’. [...] Entretanto, não
especifica o que seria, para ele, o interesse público” (MOREIRA, 2006, p.76).
Durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, iniciados em de
fevereiro de 1987, O Globo criticou a “prodigalidade nociva” dos capítulos
referentes aos direitos sociais. Procurou demonstrar o quanto esses benefícios
poderiam implicar a elevação dos custos da produção industrial, na medida em
que “a Constituinte preocupa-se mais com benesses e favores trabalhistas
excessivos e menos com medidas que impulsionem nossa economia”. Também
acusou os parlamentares de colocarem o Brasil na “contramão da história”, ao
dificultar a entrada do capital estrangeiro. Outros pontos de atrito com a
Constituinte foram a questão tecnológica e a reserva de mercado para a
informática, os monopólios das empresas estatais, o tabelamento dos juros em
12% ao ano e a proposta parlamentarista, considerada golpismo, conforme o
editorial de 19 de novembro de 1987, onde se lê: “Os atuais congressistas foram
eleitos para exercer funções legislativas, mas não para eleger e depor, de forma
indireta, o chefe do Poder Executivo”. (LEAL; MONTALVÃO, 2019, s.p.).
Caso Proconsult não morreu
Em seus tijolaços
5
no JB, Brizola afirmou que as pesquisas são uma arma
dos grupos poderosos e não refletem a realidade, visto que o poder econômico
visa usar essa influência de manipulação das massas (BRIZOLA, 1989a, p.7). No
tijolaço seguinte fez crítica mais incisiva às pesquisas, atacando diretamente a
simbiose entre a Rede Globo e o Ibope, pois a emissora vendia suas peças
publicitárias via pesquisa do instituto, que se beneficiava desse faturamento da
mesma; acusou ainda as pesquisas de serem armas de promoção de candidaturas
e abuso de poder econômico e que o Ibope estaria buscando beneficiar Collor
(BRIZOLA, 1989b. p.7). No tijolaço do mês seguinte, criticou a Globo por abuso de
poder econômico ao divulgar pesquisas duvidosas feitas pelo Ibope, ressaltando
que elas são caras e somente grandes empresas podem contratar. Criticou ainda o
Ibope e Vox Populi por fazerem parte do esquema de poder no país, salientando
que Collor vem caindo e as pesquisas escondem deliberadamente isso (BRIZOLA,
1989c, p.7).
Sobre os ataques à Globo, OG respondeu Brizola em duas ocasiões,
rechaçando tal conspiração. A primeira resposta veio em uma nota da redação
após Brizola comentar sobre o fato de a Globo estar promovendo as pesquisas:
[...] o que o candidato Leonel Brizola diz não merece crédito. A afirmação de que
existe uma relação entre a TV Globo e o Ibope é simplesmente ridícula. A
liderança da TV Globo é fato blico e notório, constatada não apenas pelo
Ibope, inclusive por modernos métodos eletrônicos de aferição, como também
por todos os demais órgãos de pesquisas (BRIZOLA VOLTA, 1989, p. 6).
5
Nome popular das colunas pagas por Brizola nos principais jornais do Rio de Janeiro, em que o pedetista
abordava inúmeros assuntos políticos. Não possuía frequência, variando em momentos e aparecendo
preferencialmente aos domingos, dia de maior circulação dos jornais.
A segunda resposta veio através de pequena coluna de resposta do jornal
6
,
intitulada “Paranoia”. O periódico destacou que Brizola acusou o Gallup de trabalhar
para a CIA em 1986, ressaltando que os resultados do Ibope e do Gallup são semelhantes.
Ao candidato do PDT resta ampliar o número de conspiradores. Pelo andar
das pesquisas, fará melhor se dispensar intermediários e acusar de vez o
verdadeiro responsável por seus índices melancólicos: o eleitorado inteiro.
Restará decidir a que sinistra organização terá se vendido o povo brasileiro
(PARANOIA, 1989, p. 2).
O presidente do Ibope criticou Brizola por ataques ao instituto e que estes seriam
de fins eleitoreiros. Relembrou que o pedetista se utilizou da empresa enquanto
governador, como quando se baseou em pesquisa do instituto (em que estaria eleito)
para denunciar na imprensa estrangeira tentativa de fraude na Proconsult. Recordou
ainda que Brizola telefonava ao Ibope para saber das pesquisas em 1988 e se utilizou da
mesma havia duas semanas, para afirmar que liderava no Rio de Janeiro. Ele entendia que
o trabalhista tentava criar uma cortina de fumaça para fugir de números desfavoráveis
que estaria tendo (IBOPE ACUSA, 1989, p. 2). O pedetista foi alvo também de crítica do
diretor do Gallup, que afirmou que Brizola só reclamava das pesquisas em que não
liderava. Relembrou ainda que Brizola criticava as pesquisas de 1986
7
, ressaltando que
Darcy Ribeiro seria o vitorioso, mas não foi o que ocorreu (MATHEUS, 1989, p. 3).
Brizola possuía grande temor de um novo Caso Proconsult, que dessa vez em
nível nacional (BRIZOLA, ACLAMADO, 1989, p. 3). Entendia que o Caso Proconsult
poderia ser induzido através de pesquisas fraudulentas (BRIZOLA TEME, 1989, p. 4), mas
não duvidava da idoneidade dos funcionários da Justiça Eleitoral, temendo especialmente
vírus no computador e que o ponto mais sensível de todo o processo de apuração era o
sistema computadorizado em si (IBOPE ABRE, 1989, p. 4). O pedetista pediu que a
totalização dos votos não fosse feita apenas no sistema computadorizado, mas também
de forma manual, destacando que as classes dirigentes fizeram de tudo para manter uma
ditadura por mais de 20 anos e que não teriam nenhum pudor em fraudar o pleito.
Invocava sempre o exemplo do Caso Proconsult para destacar que isso poderia ocorrer
(BRIZOLA AINDA, 1989, p.5).
6
A coluna continha comentário do jornal sobre diversos assuntos e notícias e não possuía espaço fixo de
veiculação. O espaço regular e fixo de opinião do jornal era o editorial veiculado na quarta página do
periódico.
7
Ano marcado por eleições estaduais. No Rio de Janeiro, Brizola tentou eleger sem sucesso Darcy Ribeiro
(PDT), que acabou em segundo lugar, atrás de Moreira Franco (PMDB).
A fraude do Caso Proconsult se realizaria na junção de vários pontos, como a
premissa do eleitor de Brizola anular o voto por desinformação, urnas fraudadas em
diversas seções especialmente no interior, local de menor fiscalização e o programa
da Proconsult, que transferiria os votos nulos e brancos para Moreira Franco. O papel da
Rede Globo seria o de preparar o cenário para fraude, buscando sempre colocar Moreira
Franco na liderança durante a contagem dos votos
8
, o que, combinado com esses outros
pontos, faria o processo fraudulento ter se concretizado. Por outro lado, a fraude
desmoronou quando Brizola a denunciou à imprensa estrangeira. O pedetista tinha esse
mesmo raciocínio para a eleição de 1989 (com exceção do eleitor anular o voto por
desinformação, visto não haver o voto vinculado no pleito), ressaltando que existia uma
sucessão feita de forma paralela e clandestina, em que Collor estaria sendo beneficiado
pelos veículos de comunicação, com objetivo de preparar a coletividade para favorecer
uma fraude (BRIZOLA COMPARA, 1989, p. 3).
Brizola possuía uma ideia fixa de que haveria uma fraude para tirá-lo do segundo
turno e acreditava seriamente nessa possibilidade, e, por isso, suspeitava das pesquisas,
desconfiando que possuía mais do que seus atuais índices. Ficou satisfeito em ver César
Maia voltar dos Estados Unidos com um documento em que se provava que a fraude era
possível. Brizola ressaltava que não estava inconformado apenas com seu resultado, mas
com o pífio desempenho de Ulysses Guimarães, homem de singular trajetória e
importância. O PDT iria formar um ambicioso sistema de acompanhamento e fiscalização
da apuração dos votos., com a síndrome do Caso Proconsult estando ainda viva e, por
isso, ele buscaria trazer de fora observadores internacionais. Caso passasse ao segundo
turno, o pedetista deveria esquecer da possibilidade de fraude e ir adiante na campanha
(NOBLAT, 1989, p. 11).
Brizola não confiava nas pesquisas nacionais e, por isso, decidiu entrar em
contato com dirigentes da Internacional Socialista
9
, buscando verificar a possibilidade de
ser assessorado por agências de pesquisas internacionais (BRIZOLA QUER, 1989, p. 5).
Por tais suspeitas, Brizola foi alvo de críticas do JB, que, em editorial, o criticou por
querer contratar tais institutos de pesquisas internacionais para realizarem as pesquisas
aqui, destacando que:
[...] quem leva o nacionalismo aos limites da intolerância, a disposição assume
para o candidato uma questão de vida ou morte. Não é apenas a denúncia de
8
A Rede Globo defendia-se dizendo que o voto do interior era contabilizado mais rapidamente.
9
Organização composta por diversos partidos de esquerda e não integrantes do bloco soviético de
influência. O PDT era o único partido brasileiro membro de tal organização.
que as empresas brasileiras são inidôneas, mas a fraqueza de pedir à
Internacional Socialista e ao Partido Democrata americano ajuda financeira para
a pesquisa. O candidato chega a admitir até a ajuda do Partido Republicano dos
Estados Unidos caberia nesse parêntese aberto no antiamericanismo que o tem
sustentado politicamente dentro do país (ESTRANHOS, 1989, p. 10).
Ainda na questão das pesquisas internacionais, Brizola foi alvo de críticas de
Lúcia Hippolito:
Sabe-se apenas que Brizola louva as pesquisas quando espor cima, espinafra
quando está por baixo, pensando mesmo [...] em contratar um instituto
internacional para realizar uma grande pesquisa de opinião. Vamos imaginar por
um minuto que este famoso instituto internacional confirme os resultados dos
institutos tupiniquins. Brizola vai acusa-lo de estar mancomunado com a CIA,
para desnacionalizar a economia brasileira? Ou vai acatar os resultados,
pedindo desculpas pelo que anda dizendo dos institutos brasileiros? Difícil
acreditar na última hipótese, tendo em vista o perfil psicológico do candidato
(HIPPOLITO, 1989. p. 4).
O JB relembrou o Caso Proconsult em sua coluna Informe JB, destacando que
Brizola disse na época que haveria uma fraude sem nenhuma prova e apenas tendo em
mãos as pesquisas. Ironizando o pedetista, a coluna ressaltou que o mesmo confia
apenas nas pesquisas em que aparece na frente, mas diz que são manipuladas aquelas
em que não lidera (INFORME JB, 1989, p. 6). O Caso Proconsult também foi relembrado
em OG. O periódico destacou que não houve -fé ou prática criminosa comprovada e,
que após erro de projeção da Proconsult em que era indicada vitória de Moreira
Franco ser revisto, foi constatado que Brizola seria o vitorioso (UMA PRÁTICA, 1988,
p. 7). O Caso Proconsult era sempre mencionado por Brizola ou nas explicações das
matérias pelos periódicos
10
, mas sem entrar em maiores detalhes. O detalhamento maior
ocorreu apenas nos casos mencionados acima.
Temor de Brizola
Apesar de ninguém ter sido responsabilizado ou punido pelo Caso Proconsult,
esse evento de 1982 continuou na pauta do mundo político, especialmente através de
Leonel Brizola, personagem central desse episódio que ocorreu nas eleições fluminenses.
O trabalhista continuou levantando hipótese de fraude nas eleições futuras, como as
estaduais de 1986 e a presidencial de 1989, assinalando que poderiam ocorrer por
diversos fatores, tendo as pesquisas papel central nisso. Elas mascarariam a campanha
10
Quando Brizola levantava possibilidade de fraude. Era mencionado ainda quando ocorria exemplos de
fraudes em outros pleitos ou citado por alguma outra personalidade. O episódio entrou no jargão político
como possibilidade ou tentativa de fraude em uma eleição.
eleitoral, apontando cenários inverídicos e estimulando o voto do eleitorado: em suma,
não representariam a realidade e seriam manipuladas. Brizola acusava principalmente as
elites econômicas e dirigentes do país de manipular a realidade, buscando direcionar o
voto do eleitor no candidato que representasse os interesses do grupo dominante. Tais
candidatos foram Moreira Franco em 1986 e Fernando Collor em 1989.
Na fraude, outro papel fundamental seria o da Rede Globo. A emissora de Roberto
Marinho, então líder absoluta em audiência no país e exercendo um domínio quase
monopolista, era o principal veículo de comunicação no país. Ao divulgar as pesquisas do
Ibope, praticamente todo o eleitorado seria atingido e influenciado por elas, segundo
Brizola, que assinalava ainda a relação simbiótica entre a emissora televisiva e o instituto
de pesquisa, visto que ambas se beneficiavam dessa relação.
Brizola possuía grande temor no sistema computadorizado da apuração,
especificamente porque tal foi o principal ponto do Caso Proconsult, no “erro” de
programação que transferia os votos nulos e brancos para Moreira Franco. O pedetista
possuía temor semelhante em 1989 e o PDT dedicou grande soma de recursos para
montar um sistema de apuração paralelo para fiscalizar a contagem dos votos. Brizola
não possuía conhecimentos em informática então vista como algo que não fazia parte
do cotidiano da sociedade civil e temia que um vírus no computador pudesse fazer com
que o processo de 1982 se repetisse em 1989. Cabe considerar que o pedetista falava em
termos gerais quando mencionava um rus computacional, e não um programa ou tipo
de vírus específico.
A junção desses diversos fatores fazia com que Brizola temesse fraude.
Exemplificava através do Caso Proconsult, em que isso era possível e esteve perto de
ocorrer, caso o mesmo não tivesse denunciado à imprensa estrangeira. Apesar de a
Proconsult como empresa não existir mais e a computação dos votos estar a cargo do
Serpro (empresa estatal), Brizola continuava temeroso.
O pedetista assinalava que alguns passos deveriam ser tomados para a fraude não
ocorrer e o eleitor não ser influenciado pelos grupos dirigentes na escolha do voto.
Defendia o fim da divulgação das pesquisas do Ibope pela Rede Globo, visto esta ser o
principal veículo de informação da população e meio de indução ao voto mais fácil.
Paralelamente cobrava pesquisas mais isentas, com fiscalização mais rigorosa na
metodologia dos institutos de pesquisas e assessoramento de agências internacionais e
qualificadas de pesquisas. Brizola defendia ainda um sistema paralelo de apuração dos
votos, o que permitiria confronto diante de possíveis discrepâncias dos resultados.
Conclusões
É possível destacar que o Caso Proconsult foi pouco mencionado durante a
campanha pelo JB e OG. Quando foi, era destacado em poucas linhas e em tons
rememorativos. Não foi objeto de matéria especial ou análise mais acurada. Assim como
a Justiça Eleitoral, os periódicos não temiam que um novo Caso Proconsult ocorresse.
O JB teve papel central em 1982 com seu sistema de apuração paralela e no
descobrimento da fraude. Entretanto, o periódico não rememorou tal papel durante o
período analisado, buscando apenas caracterizar em termos gerais o que foi o Caso
Proconsult. Na relação com Brizola, o periódico criticou o pedetista por duvidar das
pesquisas, procurando assinalar que faz parte do repertório político do trabalhista os
ataques às pesquisas e aos grupos que as encomendam. OG procurou salientar
brevemente o que foi o Caso Proconsult, destacando que houve apenas um erro na
programação e fugindo das polêmicas que envolviam as Organizações Globo no episódio,
como as acuações de participação da empresa feitas por Brizola e por Saturnino Braga.
Na relação com Brizola, criticou duramente o pedetista por buscar veicular as
Organizações Globo especialmente a Rede Globo em uma conspiração com o Ibope
para promover Collor e ajudar a preparar a fraude eleitoral. O jornal buscou mostrar que
tal artifício fazia parte do repertório político de Brizola e o título da nota “Paranoia”
exemplifica este comportamento que o pedetista teria.
Portanto, é possível assinalar que o Caso Proconsult não morreu em 1982 e
continuou rendendo discussões, especificamente através de Leonel Brizola e sua
campanha presidencial de 1989. O pedetista sempre procurava retomar esse episódio
para falar em possível fraude. No caso dos jornais cariocas analisados, é lapidar o
entendimento que o JB não buscou destacar seu papel central no episódio original. É
possível assinalar que o periódico não tenha desejado dar destaque às acusações de
Brizola contra as pesquisas, visto o pedetista ter tido o mesmo tipo de comportamento
em 1986. Nesse aspecto, ambos os periódicos cariocas se alinharam nas críticas ao
trabalhista pelo ataque às pesquisas e denúncia de possibilidade de fraude, buscando
assinalar que tal comportamento era exagerado e fazia parte da retórica política de
Leonel Brizola de se colocar como uma espécie de “líder” e “porta-voz” dos setores
excluídos da sociedade na luta contra adversários que não possuiriam escrúpulos para
conservar seus interesses.
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