Entrevista com Profa. Dra. Monica Simas
Laboratório de Interlocuções com a Ásia, FFLCH, USP
Jorge Lúzio
1
Em 2010, um passo importante foi dado nos Estudos Asiáticos no Brasil, quando foi
criado no Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas e, junto ao Departamento de
Letras Orientais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de
São Paulo (FFLCH/USP), o “Grupo Portugal e o Oriente / Pt. Oriente literaturas, línguas e
culturas”, desdobrado posteriormente na formação do Laboratório de Interlocuções com a
Ásia LIA, uma instância interdepartamental criada em 2012. Configurado de modo
interdisciplinar e interuniversitário, o Laboratório que abrangia dois outros grupos de
pesquisa (Pensando Goa e Línguas em Contato) do Departamento de Letras Orientais da
FFLCH-USP, surgiu com os projetos desenvolvidos no estudo das fontes da literatura
lusófona asiática e nos Estudos Culturais, tornando possível estabelecer análises e
discussões sobre a Ásia nos contextos da produção literária em Goa, Macau e Timor, além
de estudos sobre o Japão. Atualmente, o laboratório conta com um grupo de pesquisa que
investiga as relações entre linguagens e cognição e outro que estuda as literaturas clássicas
chinesas, além dos grupos voltados para Macau, Goa e Timor já citados. Em seu primeiro
evento, o I Congresso Internacional 500 Anos Portugal China, realizado em 2013 na
Universidade de São Paulo, e dos contínuos Seminários Abertos realizados desde 2014,
contribuições significativas vêm sendo apresentadas na construção dos Estudos Asiáticos e
Orientais por pesquisadores brasileiros como campo de pesquisa.
As investigações concentram-se nas diversas áreas da História, das Artes, da
Filosofia e nos Estudos de Linguagens em contato com as culturas orientais, como os
1
Doutor em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo / PUC-SP, mestrado em História
pela mesma instituição e estágio doutoral na Universidade de Évora - Portugal (Bolsista CAPES Sanduíche).
Desenvolve projeto de Pós-doc interdisciplinar em História da Ásia, com trabalho em andamento na
Universidade Federal de São Paulo, sobre estudos em cultura e representação nas relações étnico-raciais. E-
mail: jorgeluzio@hotmail.com
Faces da História
, Assis/SP, v.6, nº2, p.312-317, jul./dez., 2019
313
orientalismos, as sinologias e o Jesuitismo no Oriente. Dos Estudos Orientais, os temas que
emergem dos estudos literários e dos estudos pós-coloniais se articulam,
predominantemente, com os estudos da China e de Macau; da Índia e de Goa, e do Japão,
além das circulações e das relações luso-afro-asiáticas com o Brasil. O Laboratório busca
aprofundar as pesquisas sobre os espaços que se formaram nas rotas do Império português
em direção ao Oriente e observar os contatos culturais para superar o localismo em direção
às perspectivas interculturais e interdisciplinares como propostas para se repensar e
renovar modelos de interação cultural.
A Profa. Dra. Monica Simas, uma das idealizadoras e coordenadora do Laboratório,
comenta sobre a trajetória do LIA e sobre a construção deste campo de pesquisa no Brasil,
entre seus avanços, suas demandas e desafios.
Dr. Jorge Lúzio: Como se iniciou o seu percurso nos temas voltados ao Oriente e à Ásia?
Dra. Monica Simas: Primeiro, seria preciso dizer que a Ásia e o conjunto de conhecimentos
que denominamos “orientais” são parte constitutiva da identidade brasileira, pois em
diversos campos eles estão presentes, como nas artes, na arquitetura, nas técnicas de
cultivo agrários, na medicina, na cultura corporal, etc. Então, desde que morei em São Paulo,
entre os 9 e 13 anos de idade, tive contato com as culturas chinesa e japonesa, além das do
Oriente Médio. No Rio de Janeiro, a partir dos 14 anos, comecei uma longa trajetória nas
artes marciais internas; depois nos estudos filosóficos chineses, principalmente os do
taoísmo. Quando terminei o meu mestrado, que tratava de um estudo sobre as cidades na
obra de Eça de Queirós, ocorreu-me que Macau poderia ser uma cidade importante para
pensarmos sobre as conexões entre mundos e, imediatamente, comecei a busca de fontes e
de estudos para elaborar um projeto de doutorado. Isto foi em 1997, e desde este ano, esta
tem sido uma busca ininterrupta. Em 2001, defendi a tese que foi publicada (de forma
resumida) em 2007 com o título Margens do destino: Macau na literatura emngua
portuguesa, pela editora Yendis; também em 2007 foi a primeira vez que visitei Macau; em
2010, criamos o grupo “Portugal e o Oriente: literaturas, línguas e culturas”; depois o LIA,
em 2012, e de lá pra cá viemos nos reorganizando e agregando diferentes pesquisadores do
Brasil e do exterior.
Faces da História
, Assis/SP, v.6, nº2, p.312-317, jul./dez., 2019
314
Dr. Jorge Lúzio: Os Estudos Orientais e Asiáticos compõem uma área complexa e
multidisciplinar. Qual a sua visão sobre os parâmetros metodológicos no trabalho com as
fontes referentes à história e às culturas asiáticas, em função da distinção entre as fontes
produzidas por europeus e as fontes dos asiáticos?
Dra. Monica Simas: Essa é uma pergunta bastante importante e complexa. Mesmo nas
historiografias produzidas na Europa existem parâmetros muito diversos quando estudamos
as histórias dos impérios, dos colonialismos, dos orientalismos. Em 1998, fiz um curso na
Universidade da Arrábida sobre historiografias dos impérios, sob a direção do Professor
Diogo Ramada Curto da Universidade Nova de Lisboa, e pude verificar essa multiplicidade
de versões, de métodos, de enfoques. Por isso, penso que uma primeira exigência para estes
estudos seja o de estabelecer contornos do objeto de pesquisa bem claros e definidos,
apontando àquelas perguntas sobre as circunstâncias; quem fala, de onde, com qual
bagagem, em que tempo, com qual objetivo, etc. Pensar as circunstâncias que geram um
conhecimento é fundamental. Como sabemos, os que estão envolvidos nestes estudos, a
própria divisão “Ocidente x Oriente” é circunstancial, já que a compreensão sobre o espaço
envolve elementos simbólicos e perspectivas locais. Para dar um exemplo, o periódico que
circulava em Macau, sobre os assuntos sínicos, tinha o nome “Ta-Ssi-Yang-Kuo”, com o
subtítulo “Arquivos e anais do Extremo-Oriente português”. No entanto, a expressão em
chinês corresponde ao modo como os chineses costumavam nomear a Índia (Grande País do
Ocidente), e por exteno, em Macau e em Ghanzou, os assuntos ligados à Índia portuguesa.
Para a China, a Índia sempre esteve a ocidente. Não existe um meridiano definido para
estabelecer o que es a ocidente ou a oriente como acontece com a linha imaginária do
Equador, a meio caminho do Pólo Norte e Pólo Sul, dividindo o planeta em hemisfério norte
e sul. O problema das fontes é imenso porque precisaríamos desenvolver ao máximo a
intermediação linguística, aquisição de outras línguas, bem como fomentar traduções, o
debate que as atravessa e trabalhos coletivos para ampliarmos a comunicação e o escopo
dos diversos estudos. Arrisco-me a dizer que este é o maior desafio dos nossos estudos
juntamente com o que chamo de “abertura metodológica”, que seria aprofundarmos as
bases dos vários pensamentos, criando metodologias próprias. Não vejo muito sentido no
nome “laboratório” se não for para realmente buscarmos experimentar novas formulações
diante dos problemas que se apresentam na nossa realidade. E as possibilidades mais
importantes parecem vir das conversas entre estudiosos de diferentes áreas. Temos muito a
Faces da História
, Assis/SP, v.6, nº2, p.312-317, jul./dez., 2019
315
fazer porque é necessário descrever, circunstancializar, mostrar processos (históricos,
sociais, literários, filosóficos, educacionais), mas também criar modos de operar, de
conhecer. Esse é um grande risco a que os laboratórios devem estar sujeitos. Digo isso
porque ao longo desses anos verifico que temos um horizonte infinito pela frente, mas, na
prática, e por várias pressões, os pesquisadores tendem a se agarrar ao mais familiar
(incluindo suas bibliografias de formação), ficando enredados numa engrenagem que os
fazem não saírem das projeções e expectativas do seu lugar de origem. Ora, o fato de os
assuntos orientais serem ainda tratados como “exóticos”, como algo do mundo do “fora” e
do “estranho”, só reforça esse comportamento, já que os pesquisadores, para lidarem com
este “estranho”, acabam por buscar enquadrá-los ao máximo dentro das discussões
acadêmicas mais usuais, o que implica, por sua vez, usar bibliografias que já tenham um
reconhecimento prévio, etc. Esse comportamento fortalece a repetição e não valoriza a
criação de novos modos de pensar. É natural que no início sejamos mais presos à roda das
nossas formações e que depois passemos às experiências mais alargadas. O problema é
quando essa mão se inverte. Para isso não acontecer é preciso uma atenção extrema e muita
força de vontade.
Dr. Jorge Lúzio: Além das temáticas e dos objetos, na sua opinião, de que modo a
Literatura mais contribui com as investigações sobre os estudos Orientais e Asiáticos no
Brasil?
Dra. Monica Simas: Há uma contribuição muito importante no que se refere às
construções de memórias coletivas, onde a literatura exerce uma função muito própria. A
literatura, como gostava de repetir Alfredo Bosi, é um veículo privilegiado para o transporte
de subjetividades, ou seja, dos imaginários. Para os nossos estudos, a literatura, então, é
este veículo que transporta as projeções imaginárias que uns povos fazem dos outros, que
um “eu” faz de um “outro”. Foi Homi Bhabha, ao que parece, que explicitou a ideia de que a
literatura poderia ser pensada como o estudo das projeções das alteridades. Por outro lado,
para as artes, incluindo a literatura, as ambiguidades, ambivalências e deslizamentos de
sentidos são poderosas forças criativas, principalmente quando pensamos em estudar os
processos de negociação em ambientes multiculturais. O Brasil é um país multicultural com
várias línguas, que tem a sua história atrelada à rede que os impérios formaram participando
Faces da História
, Assis/SP, v.6, nº2, p.312-317, jul./dez., 2019
316
na negociação de sentidos dessa rede, mas ainda pouco conhecida entre nós.
Dr. Jorge Lúzio: Em que medida o colonialismo nos países asiáticos e os debates
contemporâneos se articulam com os quadros políticos no Brasil e nos demais contextos
no âmbito Sul-Sul?
Dra. Monica Simas: Veja bem, Macau já é Norte, mas que certamente participa da sua
interrogação acerca do âmbito “Sul-Sul” justamente pela rede que me referi na resposta
anterior, que os impérios e os colonialismos formaram. Existe uma tendência mundial de se
estabelecerem organizações intergovernamentais ou unes políticas e econômicas com o
intuito de salvaguardar sobrevivências e solidariedades frente a processos hegemônicos no
contexto da globalização. Um dos principais problemas do Brasil é o fato dos seus quadros
políticos desconhecerem as negociações praticadas nessas redes, por ignorância ou por
propósito ideológico, e, sendo assim, não poderem projetar as suas atuações internacionais
de um modo eficaz. O Brasil, como se sabe, assimilou os procedimentos coloniais
internamente e parece ter uma intenção de aprofundar ou mascarar as idiossincrasias
existentes em vez de comba-las. O Brasil só poderá consolidar um eixo econômico-político
internacional viável e de interesse à maioria dos seus cidadãos quando os quadros políticos
se interessarem em conhecer melhor as relações subalternas que se desenharam nos
processos coloniais e integrarem esse conhecimento nos seus planos de internacionalização
e de educação.
Dr. Jorge Lúzio: Em sua opinião, quais as tendências historiográficas e literárias na
produção de pesquisa sobre as temáticas referentes à Hisria e Culturas da Ásia?
Dra. Monica Simas: Tentarei fazer um resumo no âmbito dos estudos literários que,
provavelmente, não dará conta da multiplicidade de estudos envolvidos, mas, por um lado,
existe a tendência a abarcar esses espaços no âmbito do desenvolvimento das
historiografias europeias e americanas mais voltada para a expansão das descrições
temáticas e de produções autorais. Também pode-se pensar na tendência de uma expano
pelo viés das línguas que se projetaram durante a constituição dos Estados Nacionais. É o
Faces da História
, Assis/SP, v.6, nº2, p.312-317, jul./dez., 2019
317
caso, por exemplo, dos estudos que pensam “as literaturas em língua portuguesa” ou “em
língua inglesa” ou “em língua espanhola”, etc. Um caminho mais recente, nos estudos
literários, é o que pensa em historiografias multilíngues, buscando observar o comum e o
diferente entre elas em um mesmo espo ou em rotas que tendem a seguir as mobilidades
dos povos.