Faces da História, Assis/SP, v.6, nº2, p.566-572, jul./dez., 2019
O primeiro capítulo, “Falando sobre nós mesmos: as regras do jogo”, parte das
discussões sobre as narrativas de “si” na contemporaneidade, ao analisar articulações
analisando articulações entre autobiografias e mídias (com destaque a programas
televisivos como Oprah). Partindo de vasta revisão bibliográfica e passando por autores
como Oliver Sacks, Eakin discute e identifica alguns processos envolvidos nas narrativas
autorreferênciais construtivas de cada indivíduo. Entre os temas que gravitam este
capítulo estão: os efeitos/elaborações de acontecimentos atuantes na constituição das
subjetividades; as “regras” que constituem o ato narrativo e a identidade narrativa, que
para o autor é algo característico de todo sujeito; a ideia de efeito de verdade, permitindo
ao(a) leitor(a) observar um breve panorama da densidade de discussões que perpassam o
debate sobre autobiografias. Neste capítulo, a discussão realizada destaca que “[...]
quando se trata de nossas identidades, a narrativa não é simplesmente sobre o eu, mas
sim de maneira profunda, parte constituinte do eu.” (EAKIN, 2019, p. 18, grifo do autor)
A respeito desta discussão é interessante apontar que, na perspectiva do autor, a
construção autobiográfica é um processo que lida com diferentes dimensões temporais
de passados e experiências vividas, para além de ser um ato sempre do “tempo
presente”, ou seja, do momento de elaboração da narrativa. Essa construção no presente
é o que manifesta, ou representa, as identidades dos sujeitos que a constituem a partir
de suas vivências, memórias, lembranças e projeções de futuro. Dentro desta chave é
possível aproximar os atos narrativos da elaboração de acontecimentos (narração de
fatos) que rompem com as temporalidades, sendo uma questão em comum entre o autor
e as discussões de François Dosse (2013). Para o historiador francês, a elaboração de um
acontecimento é sempre uma produção atual, do momento de comunicação, que articula
uma forma de significação acerca da experiência, sem a qual o evento não existiria.
Eakin (2019) aproxima-se dessa leitura ao considerar que esses processos, muitas
vezes, levam a incluir experiências coletivas, que nem sempre são frutos de vivências
pessoais. Para exemplificar, o autor destaca o 11 de setembro de 2001, uma vez que
inaugurou a possibilidade de ter civis como personagens do acontecimento, o que atesta
“o desejo de pessoas comuns enxergarem por si mesmas o que aconteceu naquele dia”
(EAKIN, 2019, p. 20). Ao analisar esse evento, Dosse (2013) observa o papel das mídias
que fabricaram instantaneamente o acontecimento, ao mesmo tempo que o
historicizavam. Nesse caso, Dosse e Eakin concordam que um acontecimento
testemunhado, direta ou indiretamente, é fundamental na elaboração das identificações,
relação possível através das narrativas que permitem ao sujeito inserir-se em contextos
que não necessariamente tenha vivido ou experienciado diretamente.