Faces da História
, Assis/SP, v.6, nº2, p.78-99, jul./dez., 2019
casas de caridade e cuidados médicos no império Asoka, datados do século XV a.C.
(WUJASTYK, 1998, p. 1-2; VALIATHAN, 2002, P. 18-24).
Seguindo a etimologia da palavra, a medicina ayurvédica pode ser compreendida
como o conjunto de conhecimentos e práticas para alcançar a longevidade (ROCHA
NETO, 2009, p. 78). A principal chave interpretativa é a teoria dos humores (tridosa-
vidya) − o vento (vata), o calor (pitta) e a fleugma (kapha) −, que interagem com os sete
constituintes do corpo: “linfa, sangue, carne, gordura, ossos, medula e sémen”. Assim
como na medicina Ocidental do período moderno, para conservar a saúde, era
necessário ter moderação e prevenção, abrangendo todos os fatores da vida, “incluindo
limpeza dos dentes, dieta, exercício, regimes, moralidade” (WUJASTYK, 1998, p. 3). A
alimentação, o sono, os exercícios, o sexo e os remédios deveriam ser mantidos sempre
com “limite, racional, controlado e equilibrado” (WUJASTYK, 1998, p. 4). As doenças, por
sua vez, teriam suas causas internas (humores e má digestão), externas (influência do
ambiente) e mentais (“por não se ter o que se quer”) (WUJASTYK, 1998, p. 70).
A tradição ayurvédica foi consolidada em textos, como no Compendium de
Caraka (século V a.C.), dividido em 120 capítulos, que apresentou as principais
recomendações quanto a farmacologia, dietética, causas das enfermidades e terapias
(WUJASTYK, 1998, p. 41). Muitos séculos antes da chegada e conquista dos portugueses
em Goa, existiam centros de estudos avançados em diversas áreas do conhecimento,
incluindo a Medicina chamados de agraharas e brahmapuris (reservadas aos brâmanes)
(FIGUEIREDO, 1984, p. 226). Segundo o Compendium, havia mais de uma forma de
prática médica ligada à ayurvédica e ao hinduísmo: (1) sacra (ligada à ritualística e às
cerimônias hindus, com recitação de mantras e oferendas aos deuses); a (2) racional
(utilizando princípios terapêuticos na “dieta, medicinas e drogas”); e ainda uma (3) que
combinava bons pensamentos e se afastar de tudo que pudesse ser prejudicial ao
indivíduo. Sobre os médicos, afirmou que o bom e virtuoso deveria saber conciliar
conhecimentos teóricos e as práticas (WUJASTYK, 1998, p.72-73). Vale observar que os
praticantes da medicina eram denominados de vaidyas, e que o termo pandito foi a
denominação dada pelos portugueses, oriunda do termo Pandit, que em sânscrito
significa estudioso (FIGUEIREDO, 1984, p. 228).
A complexidade da Ayurveda, sumariamente apresentada acima, foi ignorada e
negada por estudos históricos sobre a Medicina do Império Português. Saltam aos olhos
algumas referências com certo teor nacionalista e, em alguns casos, ufanista, próprios do
Estado Novo Português (1933-1974). Como se faz notar no artigo de Luís de Pina (1938),
apresentado no I Congresso da História da Expansão Portuguesa no Mundo, no qual
debateu os contributos dos portugueses para a medicina. Afirmou que, no século XVI, a