Faces da História
, Assis/SP, v.6, nº2, p.218-237, jul./dez., 2019
divina. Esse recurso fica ainda mais evidente em Dabiq 15, de julho de 2016, no texto Pela
espada:
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A clara diferença entre os muçulmanos e os judeus e cristãos corruptos e
desviantes é que os muçulmanos não se envergonham de cumprir as regras
enviadas pelo seu Senhor em relação à guerra e ao cumprimento da lei divina.
Portanto, se fossem os muçulmanos, em vez dos cruzados, que tivessem
combatido os japoneses e os vietnamitas ou invadido as terras dos nativos
americanos, não haveria arrependimento em matar e escravizar os nativos. E
como mujahidins teriam feito isso de acordo com a Lei, eles teriam sido
minuciosos e sem alguma necessidade “politicamente correta” de se desculpar
anos depois. Os japoneses, por exemplo, teriam sido convertidos à força para o
Islã a partir de seus costumes pagãos – e se eles teimosamente recusassem,
talvez outro ataque nuclear os fizesse mudar de ideia. Aos vietnamitas também
seriam oferecidos ou islamismo ou leitos de napalm. Quanto aos nativos
americanos – após o massacre de seus homens, aqueles que favorecessem a
varíola se renderiam ao Senhor –, os muçulmanos teriam levado as mulheres e
crianças sobreviventes como escravas, criando os filhos como muçulmanos
modelos e engravidando suas mulheres para produzir uma nova geração de
mujahidin. Quanto aos judeus traiçoeiros da Europa e de outros lugares –
aqueles que trairiam seu pacto –, então seus machos pós-pubescentes
enfrentariam um massacre que faria o Holocausto parecer uma história para
dormir, já que suas mulheres seriam feitas para servir aos assassinos de seus
maridos e pais.
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(DABIQ, 2016, p. 80, tradução nossa).
As duas citações são impactantes por sua agressividade, mas apontam para uma
expressão relevante al Wala wal Bara – respeito e repúdio. Segundo o filósofo Mohamed
Bin Ali (2012), al Wala wal Bara é o alicerce, nas vertentes pacíficas e violentas, do
pensamento salafista. Esse movimento ultraconservador defende que o islã praticado
pelo Profeta e seus primeiros seguidores é perfeito, sendo necessário emular as práticas
do que se considera a era dourada da religião. Para alcançar esse objetivo é
imprescindível respeitar e honrar aquilo que deus ama, e odiar e punir aquilo que não é
permitido por Alá. Al Wala wal Bara tem uma longa tradição dentro do islamismo, mas
seus contornos sectários contemporâneos remetem à produção de Abu Muhammad al-
Maqdisi. O jordaniano Maqdisi é uma das principais referências do movimento jihadista
e, segundo Loretta Napoleoni (2005), teve profunda influência no conterrâneo Abu
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[No original] “By the sword” (DABIQ, 2016).
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[No original] “The clear difference between Muslims and the corrupt and deviant Jews and Christians is
that Muslims are not ashamed of abiding by the rules sent down from their Lord regarding war and
enforcement of divine law. So if it were the Muslims, instead of the Crusaders, who had fought the
Japanese and Vietnamese or invaded the lands of the Native Americans, there would have been no regrets
in killing and enslaving those therein. And since those mujahidin would have done so bound by the Law,
they would have been thorough and without some “politically correct” need to apologize years later. The
Japanese, for example, would have been forcefully converted to Islam from their pagan ways – and if they
stubbornly declined, perhaps another nuke would change their mind. The Vietnamese would likewise be
offered Islam or beds of napalm. As for the Native Americans – after the slaughter of their men, those who
would favor smallpox to surrendering to the Lord – then the Muslims would have taken their surviving
women and children as slaves, raising the children as model Muslims and impregnating their women to
produce a new generation of mujahidin. As for the treacherous Jews of Europe and elsewhere – those who
would betray their covenant – then their post-pubescent males would face a slaughter that would make
the Holocaust sound like a bedtime story, as their women would be made to serve their husbands’ and
fathers’ killers” (DABIQ, 2016, p. 80).