História e Pós-Modernidade:
uma polêmica na historiografia
History and Post-Modernity:
a polemic in historiography
BARROS, José D’ Assunção. História e Pós-Modernidade. Petrópolis, RJ:
Editora Vozes, 2018.
OLIVEIRA, Ana Carolina
*
Perante as polêmicas na historiografia sobre uma história pós-moderna, as quais
trazem à tona os debates sobre a aproximação da história com a ficção e com seu
significado polissêmico, o embasamento argumentativo deve encaminhar aspectos
teóricos e não de senso comum. Sendo assim, é necessário pontuar, de forma teórica e
crítica, o conceito de pós-modernidade e o que isso representa na historiografia.
O livro História e Pós-Modernidade, escrito pelo autor José D’ Assunção Barros,
possui o objetivo de pontuar questões que permeiam a discussão da pós-modernidade na
história, compondo uma estruturação explicativa e básica sobre o tema. O autor procura
expor referências e indicações de leituras, mas os seus capítulos são curtos, o que torna
o livro uma introdão com posveis caminhos de leituras, isso se deve à
intencionalidade de Barros em escrever algo mais próximo de um manual, em pequenos
capítulos, para aqueles que não têm conhecimento sobre o tema.
O livro contém treze capítulos que estão elencados na seguinte ordem: “Pós-
Modernidade: referências iniciais”, “Pós-Modernismo: o conceito e algumas análises
clássicas”, “A análise de Fredric Jameson sobre o pós-modernismo”, “Historiografia e
Pós-Modernismo: a polêmica de Ankersmit”, “A crise da história total e a fragmentação
da história”, “Narrativa e cognição histórica: interações e conflitos”, “Hayden White: a
História como gênero literário”, “Resistências à redução da história ao discurso”, “Paul
Ricoeur: tempo e narrativa”, “A Pós- Modernidade e os novos modos de escrita
historiográfica”, “Traços do Pós-Modernismo: alguma síntese”, “Quem são os pós-
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Mestranda na Pós-Graduação em História da UNESP de Assis, estado de São Paulo (SP), Brasil.
Atualmente é bolsista CAPES. E-mail para contato: anacarolinaoliveira1234@gmail.com.
Recebido em: 22/07/2019
Aprovado em: 21/08/2019
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modernos”, “Conclusões: a história pós-moderna e o contexto das crises
historiográficas”. Os capítulos são escritos de forma acessível, para aqueles que queiram
tirar dúvidas ou ter uma visão geral do tema.
A proposta de Barros foi de elaborar uma escrita que dialogasse com o contexto
histórico e a promoção de discussões historiográficas, trazendo uma análise da pós-
modernidade, sob a ótica de vários autores como Jameson e Ankersmit.
Barros começa seu livro com a discussão acerca do conceito de pós-
modernidade, por tratar-se de uma definição conceitual que impõe consigo
ambiguidades. Às vezes, pós-modernidade e pós-modernismo são usados como
sinônimos, causando confusão. É no capítulo “Pós-Modernismo: o conceito e algumas
análises clássicas” que as diferenças conceituais são apresentadas. Segundo Barros, a
pós-modernidade significa um período específico da História Contemporânea, enquanto
o pós-modernismo representa um campo da esfera cultural (BARROS, 2018, p. 11).
Seguindo o conceito, a linha de pensamento da pós-modernidade é questionar a
concepção de verdade clássica, a ideia de progresso ou de uma possível emancipação
universal, como se a história tivesse um objetivo para ser atingido, o conceito de razão, a
questão da identidade e objetividade, além das críticas contra as grandes narrativas.
A pós-modernidade surge da mudança histórica no Ocidente, quando o
capitalismo se implanta na sociedade, na qual encontramos um mundo do consumismo e
da indústria cultural. Por meio de uma análise marxista sobre a cultura e a história no
pós-modernismo, Barros trabalha em seu capítulo “A análise de Fredric Jameson sobre o
pós-modernismo”, com a posição de Jameson sobre a pós-modernidade, apontando para
o poder imensurável que a mídia passa a conter. Tudo é comercializado, tanto produtos
materiais quanto imateriais e com a historiografia não poderia ser diferente, pois ela
transformou-se em um produto. Por conta do consumismo houve o crescimento de livros
no mercado. Os historiadores passaram a escrever obras literárias ao estilo do romance
histórico, para que seus livros chegassem à maior parte da população, além dos
historiadores, visando à ampliação do lucro. O problema é que não fica nítido se nesses
livros a obra é uma ficção para entretenimento literário ou se contém alguma
metodologia científica (BARROS, 2018, p. 21-22). Segundo Jameson:
na cultura pós-moderna, a própria cultura se tornou um produto, o mercado
tornou-se seu próprio substituto, um produto exatamente igual a qualquer um
dos itens que o constituem: o modernismo era, ainda que minimamente e de
forma tendencial, uma crítica à mercadoria e um esforço de forçá-la a se
autotranscender. O pós-modernismo é o consumo da própria produção de
mercadorias como processo (JAMESON, 1997, p. 14).
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Da esfera cultural para a historiografia, Barros utiliza o artigo Historiografia e
pós-modernismo, escrito por Frank Ankersmit, a fim de iniciar as discussões sobre a
historiografia no capítulo “Historiografia e Pós-Modernismo: a polêmica de Ankersmit”.
O artigo de Ankersmit trabalha a historiografia pós-moderna, mostrando uma quebra de
paradigma, com a crítica de que a “crise das metanarrativas seria o traço principal da
Condição Pós-Moderna” (BARROS, 2018, p. 27).
Por meio da historiografia pós-modernista, encontrada principalmente na história
das mentalidades, é realizada uma ruptura com a tradição essencialista, no pensamento
pós-moderno. O objetivo não é mais a integração, uma totalidade ou uma história
universal. Para Ankersmit as principais diferenças entre uma história moderna e pós-
modernista são:
Para o modernista, dentro de sua noção científica de mundo, dentro da visão de
história que inicialmente todos aceitamos, evidências são essencialmente
evidência de que algo aconteceu no passado. O historiador modernista seguia
uma linha de raciocínio que parte de suas fontes e evidências até a descoberta
de uma realidade histórica escondida por trás destas fontes. De outra forma,
sob o olhar pós-modernista, as evidências não apontam para o passado; mas
sim para interpretações do passado; pois é para tanto que de fato usamos essas
evidências (ANKERSMIT, 2001, p. 124).
Portanto, não apontar para os padrões essencialistas no passado é, antes de tudo,
a essência da pós-modernidade. Nesta fase da historiografia, parece que o significado
adquiriu mais importância que a reconstrução, sendo o objetivo dos historiadores
desvendar o significado do acontecimento no passado, para poder informar gerações
atuais e posteriores. A historiografia pós-moderna é enquadrada em um paradigma
historiográfico, em uma alternativa ao positivismo, historicismo, entre outros inúmeros
existentes. Barros chama a atenção para a indagação que Ankersmit transmite “o nosso
insight sobre o passado e a nossa relação com ele serão, no futuro, de natureza
metafórica, e não real” (ANKERSMIT apud BARROS, 2018, p. 33), ou seja, é o momento
de colocar em primeiro plano o pensar sobre o passado e em segundo lugar investigá-lo.
Para a corrente historiográfica pós-modernista “a História seria essencialmente
construção e representação, com pouca ou nenhuma ligação em relação a uma realidade
externa” (BARROS, 2018, p. 77). Desta afirmação surgem diversos posicionamentos.
Existem aqueles que veem a história com ceticismo ou como uma possível alternativa de
misturar história e ficção ou aqueles que relacionam a construção da história com
práticas disciplinares e com um sistema de poder.
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A História (ou as histórias) torna-se aqui profundamente subjetivada no que se
refere a suas destinações. E, mais ainda, ao escrever uma história dirigida para
um público específico, o historiador pode pensar isto socialmente
direcionando-a a grupos que cultivem identidades específicas, como a
negritude, o feminismo, o ecologismo, o movimento gay, as identidades
religiosas ou simplesmente pensar a destinação do seu trabalho em termos de
públicos consumidores, pois o mercado editorial contemporâneo até mesmo o
estimula a isto (BARROS, 2018, p. 78).
Aqui voltamos para a questão da superprodução historiográfica: por um lado
existem obras que misturam história e ficção. Os historiadores escrevem romances
históricos e apresentam uma narrativa sem problematização ou sem uma metodologia
científica. Por outro lado, encontramos algo importante, como as histórias que foram
deixadas de lado. Podemos aqui direcionar a história para um público, como a história
das mulheres, a cultura africana, as diversas religiões excluídas; encontramos uma
variedade de histórias que antes não seriam escritas e aceitas no meio acadêmico.
Encontramos na historiografia um diálogo com a sociedade. Se antes os paradigmas
historiográficos ou os grupos acadêmicos não aceitavam determinado tema, como os
pesquisados na micro-história ou dos pós-modernistas, com o tempo esses aspectos
importantes foram modificados.
Os historiadores dificilmente se assumem pós-modernistas, por conta das
polêmicas e atritos na historiografia. O que implicaria ser um historiador pós-moderno?
Seguindo um modelo de apresentação, Barros utiliza as definições de Ciro Flamarion
Cardoso, no capítulo “Traços do Pós-Modernismo: alguma síntese”, para pontuar as
cinco características principais de um historiador pós-moderno: “(1) a desvalorização da
Presença em favor da Representação; (2) a crítica da origem; (3) a rejeição da unidade
em favor da pluralidade; (4) a crítica da transcendência das normas, em favor da sua
imanência; (5) uma análise centrada na alteridade constitutiva” (BARROS, 2019, p. 81-82).
No entanto, são apenas tentativas de atribuir características, pois a rotulação de
historiadores e suas pesquisas são difíceis.
Por fim, Barros apresenta muitos questionamentos interessantes. Um deles é a
seguinte pergunta, no capítulo “Conclusões: a história pós-moderna e o contexto das
crises historiográficas”: “Será a historiografia pós-moderna um produto das crises
historiográficas, ou uma resposta a estas mesmas crises?” (BARROS, 2018, p. 99).
Em primeiro lugar, vivemos em uma época com alternativas para o historiador
optar ao escrever história, conceitos e paradigmas. Como a história é devir, é natural que
comecem a surgir novos paradigmas e questionamentos das concepções de história
existentes. A crise acontece com frequência, é a partir dela que repensamos a própria
forma de escrever e se essa ou aquela corrente historiográfica precisa ser modificada.
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Neste caso, podemos expor dois fatores: os “endógenos, que são aqueles que foram
produzidos pelo próprio sistema em causa; e há os fatores exógenos, que são aqueles
que intervieram de fora” (BARROS, 2018, p. 99).
Se analisarmos a historiografia do início do século XIX, por exemplo, nota-se que,
com seu próprio desenvolvimento, surge a superconsciência histórica, o historiador
contemporâneo começa a elaborar a sua própria consciência histórica, a qual condiz com
a historicidade e relatividade da história que são frutos, desde as mudanças “dos
desenvolvimentos da hermenêutica historicista à crescente tomada de consciência
gerada pela própria prática historiográfica, ao se confrontar com níveis vários de
subjetividade” (BARROS, 2018, p. 100). Este processo é algo que ocorreu no âmbito
interno da história como campo de disciplina, pois o historiador entra em contato com “a
natureza relativa e histórica daquilo que servirá de base material para a produção do
conhecimento histórico: a fonte” (BARROS, 2018, p. 100).
As discussões em relação ao tratamento dos documentos foram debatidas já com
os primeiros historicistas. O texto historiográfico não era mais visto com neutralidade ou
como um documento oficial detentor de verdades inquestionáveis. As críticas
documentais mostraram que um texto sempre carrega a subjetividade e o contexto da
época de sua escrita. Com o tempo, o texto escrito pelo historiador passou a ser
analisado da mesma forma, considerando a subjetividade. Já no século XX, o historiador
contemporâneo constatou a necessidade de lançar críticas e refletir sobre a própria
historiografia.
As obras com as discussões sobre a historiografia surgiram em 1970, como por
exemplo, A Operação Historiográfica de Michel de Certeau, Como se escreve a História
de Paul Veyne, A Meta História de Hayden White, entre outras, a partir de obras como
estas “foi se desenvolvendo no historiador contemporâneo, enfim, aquilo que poderemos
categorizar como uma superconsciência histórica” (BARROS, 2018, p. 101).
No entanto, o fator “endógeno” é um produto do próprio “sistema em causa”, ou
seja, é a superconsciência histórica. Por se tratar de um processo interno da história, ela
é produto e causa. Por conter a superconsciência, o historiador vê-se obrigado a
repensar a historiografia que escreve promovendo uma transformação na historiografia.
Já o fator “exógeno” é o conjunto de acontecimentos externos que afetam a história,
como a reflexão vinda da linguística que trouxe questionamentos sobre os limites da
narrativa histórica. Com esta reflexão surgiu a centralização das “práticas e
representações de um setor da chamada historiografia pós-moderna que, no limite,
passou a reduzir a Historiografia apenas ao Discurso” (BARROS, 2018, p. 102).
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São inúmeras as crises na historiografia, como aponta Barros no capítulo
“Conclusões: a história pós-moderna e o contexto das crises historiográficas”, sendo que
uma delas é marcada pela afirmação de Fukuyama, em 1989, sobre o “fim da história”,
que usou como argumento a queda do socialismo como um sinal de que a “história tinha
chegado ao fim”, por atingir o capitalismo (BARROS, 2018, p. 102). Essa afirmação, de que
a “a história tinha chegado ao fim”, recebeu mais críticas do que elogios, pois foi na
realidade um efeito político e midiático e não um posicionamento pautado em
argumentos históricos fundamentados e verossímeis. Por outro lado, a crise da
cientificidade de 1980 proporcionou um questionamento da História Serial e gerou uma
crise para os herdeiros da corrente historiográfica dos Annales. Para concluir, Barros
afirma que:
as crises na história - das de baixo impacto às de alto impacto, das fugazes às de
longa duração, das que trazem decadência às que permitem crescimento, das
que perturbam às que autorregulam, das que são geradas por dentro às que vêm
de fora podem ser pensadas, em um plano mais alto, como partes importantes
desta complexa história da historiografia. Os rumos da história pós-moderna, se
assim podemos chamar a um certo setor da historiografia contemporânea, e
também os futuros desenvolvimentos de umarie de outras propostas que não
se adequem propriamente ao conceito de “pós-modernismo historiográfico”,
ainda estão por se definir no interior desta mesma complexidade (BARROS,
2018, p. 104).
Portanto, estamos diante de um livro que contém vantagens e desvantagens. A
vantagem é que os capítulos trazem uma leitura, que flui com explicações simples e
objetivas. Outro ponto positivo é que Barros cita e indica várias obras para leitura sobre
o tema. A desvantagem é que o livro se aproxima de um manual com capítulos curtos.
Seria interessante se estes fossem densos, pois é um tema pouco trabalhado, mas
acredito que o objetivo de Barros tenha sido o de apontar um panorama geral. Além de
tudo, o livro compõe uma leitura dinâmica e agradável, com uma linguagem objetiva e
didática, fato que impulsiona a leitura até o fim do livro, prendendo a atenção aos
argumentos e indicações que Barros coloca em sua narrativa.
Referências
ANKERSMIT, Franklin Rudolf. Historiografia e Pós-Modernismo. Topoi, Rio de Janeiro, p.
113-135, mar. 2001.
BARROS, José D’ Assunção. História e Pós-Modernidade. Petrópolis, Rio de Janeiro:
Editora Vozes, 2018.
JAMESON, Fredic. s-Modernismo: a Lógica Cultural do Capitalismo Tardio. São Paulo:
Editora Ática, 1997.