Faces da História
, Assis/SP, v.6, nº2, p.157-180, jul./dez., 2019
Outra constância no discurso dos entrevistados são as tradições do café nos
momentos do casamento e velórios. Sobre este último, cita-se como sendo um café
diferente, um café “amargo”. Talal fala sobre esse café, que possui uma forma diferente
de preparo daquilo que considera o café cotidiano:
Talal – Lá tem café especial, […] o café de luto. Esse café, pra fazer, precisa de
mais ou menos 4 ou 5 horas. Não como o dia-a-dia, não. Esse café executado
com muito de água, ah... e deixa no fogão mais ou menos 3-4 horas. Cada vez é
só colocar água, você sabe, vai...
Bruno – ...ferver.
Talal – Ferver, fica vapor. Então, você precisa colocar água a cada 30 minutos,
depende!
Bruno – Sim.
Talal – É. Depois, 3-4 horas fica bem, bem, magro [amargo] e... forte! Amargo e
forte. (Talal Al-Tinawi, entrevista, 31 mai. 2017).
Dentro da cultura islâmica,
23
o luto possui um papel comunitário nos rituais de
morte, sendo a participação de um funeral um “dever social”, uma oportunidade para
“refletir sobre a vontade de Deus e sobre a vulnerabilidade e transitoriedade da vida”
(RACY, 1986, p. 28, tradução nossa).
24
Talvez por isso, Salah, que é diretor da Mesquita
de Santos e da Baixada Santista, tenha trazido em sua narrativa:
Salah – ...ainda. Exemplo, no Líbano, exemplo, é... quando morre uma pessoa, as
pessoas preparam esse café bem forte, amargo, e fica servindo de direita pra
esquerda, com pouquinho – uma quantidade bem pequena – a pessoa pega e
pede benção ou pede perdão pro morto. Hoje em dia, a gente pega uma matéria,
porque não tem como receber... exemplo, na minha cidade é uma localidade que
falei o nome dela – Kamed al Laouz – 10 mil habitantes mas, praticamente, todo
mundo vai dar os pêsames pro família do morto, ou do falecido. Onde você
recebe essa gente? Então você pega um terreno, põe uma cobertura, uma tenda
de lona, pega emprestado 400, 500 cadeiras coloca lá e o pessoal [inaudível];
então tem uma pessoa que pega o, faz o café, esse aí é sinal de tristeza pra
começar a servir. Antigamente, a pessoa pegava o rakwe, quando morria
alguém, e virava de cabeça pra baixo e deixava algum tempo em sinal de luto,
igual quando a gente coloca um sinal de luto quando morre alguém. Então lá, na
minha cidade, o pessoal oferece o café com essas quantidades pequenas, é...
sem chacoalhar; porque se você chacoalha, mostra aquele barulho que eu falei
no início, quando tá sinal de alegria, de visita, normal, mas não pra... na, no
recebimento do... das pessoas, quando morre alguém, não pode balançar, não
pode fazer barulho nenhum, só servir pequenas quantidades para as pessoas, as
pessoas – do jeito que eu falei – pega e toma de uma vez só, e pede clemência,
perdão, do morto. Até agora tem esses costumes. (Salah Muhammad Ali,
entrevista, 30 jul. 2017).
23
É importante destacar que nem todo árabe professa a fé islâmica. Em especial a comunidade síria em sua
primeira época de deslocamentos para o Brasil, muitos cristãos ortodoxos e maronitas vieram e aqui se
fixaram. Entretanto, os quatro principais entrevistados nesta pesquisa são muçulmanos, portanto não
consideraremos neste artigo a influência de outras religiões na cultura do café árabe.
24
[No original] “Funeral attendance is considered a public duty. The funeral enables those in attendance to
reflect upon God’s will, and upon the vulnerability and transience of life.” (RACY, 1986, p. 28).