Faces da História
, Assis/SP, v.6, nº2, p.11-27, jul./dez., 2019
Ficou decidido em 1600 que os órfãos a serem recolhidos, independentemente de serem
gentios, mouros ou judeus, fossem meninos de até 14 anos e meninas de até doze anos
sem nenhum parente vivo. O Pai dos Cristãos deveria levá-los para o Colégio de São
Paulo ou a casa dos catecúmenos para serem batizados e receberem instruções cristãs.
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As meninas que têm mais de 12 anos e os meninos de mais de 14 anos – sendo ainda
menores e com a mãe ou avós vivos – deveriam ser encaminhados a tutores cristãos.
Além disso, o juiz dos órfãos deveria fazer um inventário de suas heranças (ARCHIVO
PORTUGUEZ-ORIENTAL, Fasc. V.).
A provisão do Arcebispo não se manteve por muitos anos. No Quinto Concílio
Provincial de Goa (1606) ficou decidido que os menores que não tivessem pai deveriam
ter tutor cristão, a quem seus bens e fazendas seriam entregues. O gerenciamento dessa
renda, por outro lado, não era tarefa apenas do tutor, mas também do juiz dos órfãos,
que deveria ter o controle dos registros sobre toda a movimentação do dinheiro. Era
considerado também como dever do tutor cristão promover o batizado do menor ainda
que a mãe fosse viva e se opusesse, pois o tutor sucederia o lugar do pai, tendo, desse
modo, autorização para isso (ARCHIVO PORTUGUEZ-ORIENTAL, Fasc. IV.).
É interessante notar que os Concílios também adotaram uma postura precavida, a
fim de evitar que os órfãos fossem deslocados para terras firmes.
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O decreto 9 da ação
segunda do Quinto Concílio pontuou que muitos gentios deixavam para se converter na
hora de sua morte, quando por vezes encontravam impedimento, principalmente quando
sua esposa e outros parentes os deslocavam para as “terras de mouros”, onde mesmo
que quisessem os batizar, não conseguiriam.
Neste decreto, as mulheres foram acusadas
novamente de se deslocarem maliciosamente para terras não portuguesas a fim de evitar
que seus filhos fossem retirados de sua tutela caso seus respectivos maridos
adoecessem e viessem a óbito. Em função disso, pelo bem da conversão e da salvação, o
decreto solicitou que o rei fizesse valer a lei que nenhum infiel enfermo pudesse ser
movido para terras firmes “que não possa ir por seus pés, e estatua graves penas aos
que os levarem”, pois nessas terras tentam o curar através de cerimônias (ARCHIVO
4 Sabemos que a instituição do Pai dos Cristãos buscou zelar pelos menores considerados órfãos e instigar
a sua conversão. Basicamente, o Pai dos Cristãos foi uma instituição exclusiva das missões católicas no
Oriente Português, que buscava integrar as populações nativas conversas. Cabia ao Pai dos Cristãos zelar
pelos neófitos e atender suas necessidades para que estes não retrocedessem as suas antigas práticas.
Desse modo, o Pai dos Cristãos assumia o papel de Pai dos nativos e embora tenha sido um cargo laico, foi
constantemente ocupado pelo clero regular (AMES, 2008; WICKI, 1969).
5 O termo "terras firmes" é utilizado para se referir a territórios não gerenciados pela Coroa portuguesa
no Oriente. Ressalta-se que esses territórios poderiam estar sob soberania hindu ou muçulmana. O termo
existe nas fontes do século XVI e também XVII. Por exemplo, em 1560 o jesuíta Luís Fróis escreveu:
“nestas terras firmes [...] que se chamam Salcete, há perto de mil cristãos, e por lá estarem misturados
com os gentios e tão vizinhos dos mouros, careceram até agora de quem os cultivasse e viviam quase
como os mesmos gentios.” (WICK, 1956, p. 742-743, grifo nosso).