Discursos orientalistas sobre a dança
:
o caso de Almée, an egyptian dancer,
de Gunnar Berndtson
Orientalist discourses about dance
:
the case of Almée, an Egyptian dancer,
by Gunnar Berndtson
PASCHOAL, Nina Ingrid
*
RESUMO: A ideologia colonial produziu uma
mentalidade, práticas, políticas, discursos e
também imagens. Tomando a pintura “Almée,
an egyptian dancer” (1883), de Gunnar
Berndtson, como foco da análise, este artigo
procura relacioná-
la com dados
bibliográficos, no intuito de identificar a
relação entre um destes estilos da pintura -
reconhecido pela alcunha de orientalismo -
com o processo de colonização do Oriente
Médio, especialmente do Egito. Longe de
questionar o mérito artístico, técnico e
apreciativo da obra de arte destacada,
visamos questionar o contexto e motivação
para sua feitura, dados que fizeram
Berndtson e outros artistas europeus a
pintarem cenas das danças orientais
femininas que, em seguida, passam a ser
reconhecidas pelo Ocidente como “Daa do
Ventre”.
PALAVRAS-CHAVE:
Almée; Colonização;
Dança do ventre; Gunnar Berndtson;
Orientalismo; Pintura.
ABSTRACT: The colonial ideology produces
mentality, practices, politics, discourses and
also images. Taking the painting “Almée, an
egyptian dancer
” (1883), by Gunnar
Berndtson, as the main document to
analyze, this article aims to connect it with
bibliography, intending to make explicit the
relations between this style and genre of
painting - usually known as Orientalist -
with the process of coloni
zation of the
Middle East, especially in Egypt. Not
questioning the artistic, technical and
appreciative worth of the art piece, here we
aim to question the historical context and
motivations to make it, which is the
information that influenced Berndtson and
other European artists to paint scenes with
oriental female dancers which, in the
following, had been recognized as “Belly
Dancers” by the West.
KEYWORDS: Almée;
Colonization; Belly
dance; Gunnar Berndtson; Orientalism;
Painting.
Recebido em: 25/06/2019
Aprovado em: 29/08/2019
*
Mestra em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), estado de São Paulo
(SP), Brasil. E-mail: nina_paschoal@hotmail.com.
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, Assis/SP, v.6, nº2, p.274-289, jul./dez., 2019
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Introdução
Ao nos depararmos com uma pintura (uma representação imagética de algo), é
esperado que haja certa projeção pessoal do autor refletida. Pintores como Gunnar
Berndtson (1854-1895), artista que teve toda sua educação formal nas Belas Artes da
França, e muitos outros de fins do século XVIII e todo o XIX, foram orientados a partir
de uma ideologia colonialista já consistente. Esta, a seu modo, regulamentava o
imaginário e a produção discursiva de quase todos os meios de produção de
conhecimento (artísticos, científicos, catedráticos, etc), para que corroborassem a suas
intenções exploratórias.
Nesta perspectiva nasce o orientalismo, palavra que designa três diferentes
frentes de ação intelectual, como nos mostra Edward Said: a) disciplinas profissionais
que estudam o Oriente; b) estilo de pensamento; c) instituição autorizada a lidar com o
Oriente (SAID, 2007, p. 28).
No caso das Belas Artes, todas as frentes se aplicaram. Esse ideário foi
compartilhado por meio da escolha de elementos, cores, personagens e cenários. A partir
da obra selecionada, Almée, an egyptian dancer, pretende-se buscar uma compreensão
das profundas marcas que o poder colonial exerceu sobre o meio artístico, em especial
sobre os pintores. Para isso, antes de partir a uma análise do documento pictórico, é
necessário explicitar o contexto em que ele foi pensado e produzido. Com isso,
retornaremos ao início da colonização francesa no Egito, para depreender alguns pontos
importantes, e compreender as influências coloniais na pintura.
Os aspectos que serão destrinchados a seguir, presentes e identificáveis na
pintura escolhida para análise, foram largamente propagados na Europa, tornando-se a
matéria prima para que conclusões sobre o Oriente, sua gente, história, paisagem e
cultura fossem identificadas e mantidas de forma quase fixa ainda na atualidade. Este
repertório visual disseminado pelos pintores orientalistas tornou-se um dos pilares a
sustentar a mentalidade colonial daquele período, resultado das políticas que
ambicionavam a colonização do Oriente não somente de forma física e geográfica, mas
também intelectual e visualmente.
Berços do orientalismo: a colonização do Egito
Em 1798, Napoleão Bonaparte, acompanhado de uma caravana de militares
franceses, chegou em expedição exploratória ao Egito. Este ainda era formalmente parte
do território do Império Otomano, que passava por um angustiante momento de
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fraqueza e descentralização de seu governo, praticamente dissolvido entre as milícias
mamelucas locais.
Entre o contingente de cerca de 30 mil homens que chegaram a Alexandria,
estavam vários membros da elite cultural francesa, que eram denominados savants. O
grupo era composto de cientistas, literatos, botânicos, arquitetos, entre outros ofícios
dotados de certo prestígio intelectual. Também muitos pintores e artistas plásticos
fizeram parte deste destacamento: alguns deles haviam sido convidados diretamente
pelo comandante, enquanto outros partiram de vontade própria.
Este grupo de artistas era principalmente interessado em novos ares para buscar
inspiração, além de já vislumbrarem possíveis encomendas por parte da caravana, de
outros escritórios e oficiais e, claro, do próprio Napoleão. A impenetrabilidade que o
Oriente parecia suscitar, junto de suas paisagens tão distintas das já lidas e relidas pelos
europeus, novas paletas de cores, nova inspiração tridimensional com suas construções
monumentais, e ainda sua gente “exótica” e dessemelhante, claramente pareciam um
assunto interessante para os olhos aguçados dos artistas.
A partir do extenso trabalho dos 160 savants (ENGLUND, 2005) se tornaram
recorrentes temas como passagens bíblicas retratadas em desertos, oásis em meio a
lugares inóspitos, animais regionais como camelos e fales, homens e mulheres vestidos
com lenços, turbantes e uma infinidade de outros tecidos coloridos envolvendo seus
corpos, mercados de rua enormes e lotados, mesquitas grandiosas, e, claro, haréns com
odaliscas. Todas estas imagens logo passaram a fazer parte da imaginação da classe
média e alta da França e, logo, também de outros Estados europeus.
Criando uma nova categoria, os artistas-viajantes tornaram-se responsáveis por
elaborar um importante conjunto de obras que foram produzidas, reproduzidas e
disseminadas ao público tanto em forma de compêndios enciclopédicos
1
- que começam
a ser consagrados nesta época - quanto nas próprias telas e gravuras, vendidas e
expostas individualmente ou em Salões. Todos estes novos produtos, bem como objetos
de antiquariatos (EGGERS, 2017), influenciaram a formação do imaginário europeu sobre
a geografia, as práticas e a gente oriental. É a este estilo de composição imagética que se
deu o nome de Orientalista, associando as obras muito mais pelos temas do que pelos
critérios formais da pintura, tais como a linha, a pincelada, a cor, a forma, o suporte, etc.
1
Foram produzidos diversos materiais sobre o Oriente a partir dos estudos conduzidos pela caravana de
savants que acompanhou Napoleão Bonaparte em sua campanha no Egito. Dois dos mais emblemáticos e
conhecidos exemplos deste tipo de produção foram a Description de l’Egypté, publicado por Vivant Denon
em 1806, e An Account Of The Manners And Customs Of The Modern Egyptians, publicado por Edward
William Lane no mesmo ano.
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No período em que o orientalismo se consolidou enquanto gênero das artes
visuais, principalmente durante o século XIX, ele já era uma realidade dentro da
produção e transmissão dos saberes, se fazendo presente em praticamente todas as
áreas de erudição da época. Como veremos a seguir, esta corrente teórica e ideológica
não foi somente “uma visionária fantasia europeia sobre o Oriente, mas um corpo
elaborado de teoria e prática em que, por muitas gerações, tem-se feito um considerável
investimento material” (SAID, 2007, p. 33). O orientalismo foi, antes de tudo, um método
discursivo, pelo qual o Ocidente tratou o Oriente em suas pesquisas, literatura, artes, e
mesmo nas relações internacionais após a dominação francesa e britânica das, então,
colônias orientais.
De todo modo, é válido frisar que os mesmos savants que retrataram estas cenas
carregadas de conteúdo ideológico, que objetivava corresponder e atender à ideologia do
colonialismo, também foram os responsáveis por produzir os documentos da época a
que temos acesso, e que ainda hoje servem de base para estudos e análises. Ainda que
correspondam a uma mentalidade própria de seu tempo e cabe ao historiador filtrar
estes dados foi a partir do conhecimento construído por eles e suas instituições que
importantes disciplinas como a arqueologia, a arquitetura, as artes plásticas, a história e
a egiptologia se ampliaram e desenvolveram.
Por meio das imagens produzidas primeiramente por este grupo de savants e,
posteriormente, por outros artistas que buscaram inspiração em suas obras, ideias e
viagens, o povo e o território do Oriente passam a ser retratados de forma a corroborar
com o ideal de superioridade racial que era trazido à tona pela colonização, pelo
darwinismo social, e pela eugenia correntes cientificamente embasadas que ganhavam
espaço no século XIX. Os orientais, em especial os árabes, eram mostrados como um
povo à beira da selvageria, envoltos em um clima e ambientes inóspitos, detentores de
costumes rudes, que pareciam desafiar a cultura vitoriana, especialmente sua falta de
moralidade, civilidade e salubridade. Tampouco tinham capacidade política para o
autogoverno, junto de todos os processos burocráticos, econômicos e administrativos
que isso envolveria.
Em outras palavras, o Oriente estava praticamente relegado às condições
similares ao primitivo “estado de natureza”,
2
parecendo então “necessitar” do civilizado
europeu para lhes apresentar os ideais europeus de modernidade, moral e disciplina,
2
Conceito também elaborado no século XIX, como fruto da corrente iluminista, o “estado de natureza” foi
alvo de teses e dissertações de diversos filósofos. Corresponde, basicamente, ao período anterior à
formação da sociedade civil e da delegação de um poder centralizado no Estado. A forma de controle de
milícias no Oriente, a fantasia de que os orientais cediam facilmente às paixões e aos desejos, e suas
noções de moral e modernidade sendoo diferentes das que tinham os ocidentais, era simples que estes
fizessem esta rápida associação.
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bem como a ilustração, o cientificismo e a racionalidade. Embora não possuíssem
nenhum destes atributos se desenvolvendo naturalmente, jamais seriam capazes de fazer
ou escrever sua própria hisria, ou representarem a si mesmos. Os europeus sentiam
ter, então, a missão de fazê-lo pelos orientais, através de suas políticas, imagens, textos,
discursos e documentos.
Durante o século XIX, e mesmo se estendendo por parte do século XX, essa
representação foi profusamente realizada, passando a cristalizar padrões dentro do
imaginário ocidental, ainda que muitas vezes esta iconografia não correspondesse
exatamente à realidade do Oriente. Tendo em vista o próprio termo “representação”,
compreende-se que um enunciado veiculado, seja ele apoiado em suportes textuais, orais
ou imagéticos, procura transmitir um sentido para seu interlocutor (
HALL, 2016).
Portanto, só é possível ocorrer produção de sentido quando há um ouvinte ou um
observador. Para as pinturas Orientalistas houve muitos observadores, uma vez que foi
um estilo amplamente aceito pela sociedade europeia burguesa da época. Mas ser um fiel
retrato da época não era exatamente um objetivo destas obras: o estilo das cenas está
muito mais atento a encaixar-se dentro das fantasias e expectativas do público europeu
sobre o Oriente, do que numa fidedigna representação dele.
Este tipo de anseio, suprido com vigor pelos Orientalistas, foi ensejado pelas
transformações urbanas, econômicas e sociais que a Europa vivia naquele momento. A
era Vitoriana (1837-1901), acompanhada da Revolução Industrial (1820-1840), criava a
sensação de progresso e de ascensão para os habitantes do Velho Continente. Mas, por
outro lado, também os afastava da natureza e de qualquer ambiente ou possibilidades
oníricas e desprendidas das normas sociais e morais. A sensação de imobilidade causada
por estes fatores fez com que muitos europeus buscassem escapes de sua rotina,
geralmente em ambientes mais livres e permissivos, que de algum modo dessem vazão às
suas necessidades de liberdade, alívio e repouso. Impulsionadas por esta urgência
burguesa, as viagens ao Oriente aumentaram exponencialmente, já amparadas por todos
os mecanismos tecnológicos de deslocamento e de avanço da colonização, praticados
pelas caravanas francesas e inglesas que se mantinham nas colônias para manutenção
dos novos domínios. Ainda que soe como um dado contraditório ao ideal da liberdade,
esta frenética movimentação só foi possível graças ao desenvolvimento mercantil,
maquinário e urbano do período. As viagens ao Oriente e a outros territórios distantes e
diferentes cultural e visualmente, foram entendidas no período como uma forma efetiva
de suprir aquela demanda de fantasia, de aventura e de desábito sensações que já não
pareciam encontrar espaço dentro da veloz e monótona rotina das cidades modernas.
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Especialmente para os homens, o retrato que se fazia das mulheres orientais
parecia corresponder vividamente a este tipo de expectativa e desejo. O enfado europeu
não era somente relacionado ao seu trabalho e vida pública, mas também privada,
adentrando os campos dos desejos, e das liberdades sexuais.
As mulheres árabes foram, muitas das vezes, retratadas de forma a aparentar
viver dentro deste tipo de cotidiano onírico, delirioso, que alimentava fantasias e ânsias
masculinas, sorvendo corpos permissivos e sem limitações morais, quer estas fossem
impostas pelos costumes, quer fossem pela Igreja. Assim, a representação da mulher
oriental e sua imaginária disponibilidade formaram uma forte coluna para sustentar a
representação Orientalista; e também sua grande produção, exibição e comercialização:
[...] a introdução da figura feminina como um profundo e perceptível objeto de
desejo que é também, e mais importante, ineloquente. [...] não há real intenção
em entender as mulheres egípcias, orientais, como seres humanos com suas
próprias características e desejos. Elas são meramente apresentadas como
parte do cenário que contribui com a construção do mito do Oriente como um
cenário para a realização sexual, coisa que não está disponível na sociedade
vitoriana. (SHOKRI, 2018, p. 255, tradução nossa).
3
Estas figuras femininas foram constantemente exploradas pelos artistas que
queriam deixar visível o ar de fantasia do Oriente; elas iam a pleno encontro do desejo de
repouso e voluptuosidade dos viajantes abastados e civilizados, sendo a própria
personificação de um oásis exótico e deleitoso (DIB, 2011). Os corpos destas mulheres
eram visualizados tais quais objetos sempre disponíveis, podendo ser usados ao bel
prazer do homem europeu.
Todavia, o mesmo contexto que diz respeito às mulheres também nos permite
algumas conclusões sobre os homens, tanto orientais, quanto ocidentais. Apesar de
serem (ou parecerem) tão permissivas, estas mulheres geralmente pertenciam a alguém
comumente a um sultão. Deste modo, ainda que o corpo, formas, ambientes e detalhes
tenham sido aproveitados pelas Belas Artes enquanto temática e estilo, também por meio
deles transpareciam os fundamentos patriarcais, machistas e masculinos que eram
presentes tanto na sociedade oriental, quanto na ocidental que os colonizava.
Parte do devaneio estético que procurava demonstrar a obediência e servidão dos
corpos femininos aos masculinos, bem como sua disponibilidade e sensualidade, apoiou-
se na representação da dança. Através de seu movimento, subentendia-se que os corpos
3
[No original]: “[…] is the introduction of the female figure as a profoundly unsubtle object of desire that is
also, most importantly, voiceless. Very much like the women in The hareem, there is no real intention to
understand the Egyptian, oriental, women as living human beings with their own desires and characters.
They are merely present as part of the scenery that contributes to the myth building of the Orient as a
setting for sexual fulfillment that is not available in Victorian society.”
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fossem vulneráveis, maleáveis, irrestritos em diversos sentidos, e sem pudores. A arte da
dança dos povos orientais foi tema recorrente para demonstrar ao povo europeu as
liberdades incivilizadas, incontroladas, amorais e libidinosas que as mulheres orientais
exerciam.
Almée, an egyptian dancer: análise da imagem
Tomando o quadro Almée an egyptian dancer como referencial para análise,
busca-se, no panorama a seguir, reportar os traços que se repetem em diversas pinturas
oriundas do movimento Orientalista nas Belas Artes. No próximo momento, as
referências dessa pintura serão aproveitadas para explicitar alguns dos pontos que
remetem à história e popularização da “Dança do Ventre”, denominação responsável por
ocidentalizar, mas também identificar e sistematizar as práticas corporais das mulheres
orientais. O período de divulgação massiva dos corpos femininos e dançantes se alinha
ao ápice do orientalismo nas representações imagéticas, justamente após o tenso
contato destas com os europeus colonizadores do Oriente Médio durante os finais do
XVIII e todo o XIX.
Como metodologia de investigação, utilizo a proposta de Michel Foucault,
4
segundo a qual os possíveis sentidos de uma obra ou de um discurso devem ser
entendidos dentro do contexto histórico das mesmas, jamais de forma desvinculada.
Portanto, neste caso, alinhando os paralelos que colocam a figura o mais próximo
possível da conjuntura colonial, classicista e europeia em que foi produzida.
Na imagem, Gunnar Berndtson nos propõe a perspectiva de um observador
escondido já que nenhum personagem nos mira , olhando para um ambiente interno,
onde se passa uma cena com quatro personagens. O quarto é grande o suficiente para
que todos pareçam de tamanho insignificante diante do pé direito, do qual não vemos o
fim, mas podemos supor graças ao lustre de características orientais dependurado, bem
como do arco islâmico que abre para a varanda interna, popularmente chamada de
mashrabeya,
5
onde dois homens repousam.
4
Mais aprofundamento pode ser encontrado nas obras Arqueologia do saber (2008) e A ordem do
discurso (2006), ambas de Michel Foucault.
5
A mashrabeya possui uma função social na vida da mulher árabe e islâmica, melhor explicada no artigo
de Shokri (2018).
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Imagem 1. Almée, an egyptian dancer (1883).
Fonte: BERNDTSON, G. Almée, an egyptian dancer. 1883. Oléo sobre madeira.
Ricamente adornado em janelas, tapeçarias, lajotas e decoração, a ideia do pintor
é de que este ambiente seja rapidamente associado ao mundo árabe e oriental devido às
formas geométricas e arquitetura representadas. Este tipo de detalhismo exagerado na
composição do décor onde a cena se passa foi um dos chavões mais repetidos pela arte
Orientalista. Expressava um sentido de realidade ao expectador justamente por evocar
tamanho realismo, mesmo que o autor nunca tivesse visto tal dança, tal ambiente ou
mesmo o próprio Oriente.
Estes detalhes, supostamente inseridos para denotar diretamente a realidade,
estão lá na verdade simplesmente para que seja notada sua presença no
trabalho como um todo. Como [Roland] Barthes pontua, a maior função de
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detalhes gratuitos e acurados como estes é declarar “somos de verdade”. Estes
são significantes da categoria do real, postos para dar credibilidade ao
“realismo” do trabalho como um todo, para autenticar todo o campo visual
como se fosse uma simples e não artística reflexão neste caso, de uma
suposta realidade oriental. (NOCHLIN, 1991, p. 38, tradução nossa).
6
A principal figura, única que recebe foco da pouca iluminação, proveniente das
frestas do acortinado nas janelas, é uma mulher de costas, da qual podemos ver parte do
rosto apenas por seu perfil. Vemos seus longos cabelos escuros, presos em uma trança
com adornos, e seu olhar disperso acima.
Ela se desloca pelo salão pouco iluminado na ponta de seus pés, descobertos tal
qual todo seu torso, deixando expostos seus seios, ombros, barriga, pescoço e braços.
Suas pernas são cobertas por uma calça larga, mas quase transparente, que possibilita
ver o contorno destes membros por seu tecido fino e empastado aos mesmos. A primeira
questão possível e pertinente é acerca desta parcial nudez apresentada por Berndtson.
Confirmando o que era esperado por sua audiência europeia, o pintor deixa implícito que
mesmo as (poucas) roupas não eram capazes de encobrir a sensualidade latente e
instintiva da mulher árabe, bem como seus movimentos e voluptuosidades. Esta nudez
poderia não ser questionada se ela estivesse, de fato, presente no cotidiano da mulher
egípcia. Mas não o era.
O islamismo já era majoritariamente praticado entre a população árabe durante o
século XIX e, por conta dele, a maioria das mulheres transitava pelos ambientes não
somente vestida, mas também com véu a cobrir cabeça e cabelos. Mesmo em ambientes
internos, os corpos não eram vistos por outros homens que não fossem seu sultão ou
seu marido. Este uso de véu, necessário segundo o Alcorão, pouquíssimas vezes aparece
nas pinturas Orientalistas, mas é sempre presente no imaginário acerca do Oriente
Médio. Este é um dos pontos paradoxais que se alinha entre a representação e a
vivência.
Observando o título da pintura, sempre uma legenda que visa orientar nosso olhar
e ratificar ou afirmar uma informação aprioristicamente colocada por nós junto de nosso
repertório visual, podemos concluir que se trata de almée, um tipo de artista e dançarina
egípcia. Almée era o termo utilizado para designar apenas uma mulher, enquanto seu
grupo era chamado de awalin, termo reservado para tratar do plural.
6
[No original]: “Such details, supposedly there to denote the real directly, are actually there simply to
signify its presence in the work as a whole. As [Roland] Barthes points out, the major function of
gratuitous, accurate details like these is to announce "we are the real." They are signifiers of the category
of the real, there to give credibility to the "realness" of the work as a whole, to authenticate the total visual
field as a simple, artless reflection-in this case, of a supposed Oriental reality”.
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As awalin eram mulheres versadas nas artes, mas que faziam parte de uma elite
própria, detendo certo prestígio social entre os artistas, justamente o que as diferenciava
de outras classes de dançarinas no Egito durante os séculos XIX e anteriores, que
dançavam nas ruas com estilo mais popular (ASSUNÇÃO, 2018). Entre si, estas mulheres
não possuíam necessariamente uma linhagem sanguínea ou reforço de parentesco,
apenas eram ligadas por serem profissionais, ou seja, eram especialistas pagas por seus
serviços artísticos. Estes eram constituídos por recitais em que declamavam poesias,
cantavam e tocavam instrumentos, além de dançar, número que era apreciado pelas
elites europeias quando chegaram ao Oriente.
Geralmente, a almée era encontrada em haréns dos sultões otomanos,
principalmente naqueles pertencentes a grandes e importantes membros das elites e do
poder. Porém, justamente por possuírem um alto status dentro da estrutura dos haréns,
local importante para a organização familiar, é muito improvável que estes homens de
feição europeia tenham estado tão perto de uma verdadeira almée. O próprio termo que
as designa propõe o significado de “mulher culta”, transparecendo sua notoriedade.
Mesmo assim, estas personagens “acabaram entrando no imaginário orientalista
[apenas] como dançarinas” (ASSUNÇÃO, 2018, p. 115).
Estas habilidades, mesmo as de dança pelas quais ficaram mais conhecidas, eram
raramente vistas por homens, já que as awalin se apresentavam geralmente na parte de
dentro dos haréns apenas para as mulheres que lá conviviam, ou para os sultões que as
possuíam. Ainda assim, muitas vezes tinham a preocupação de se esconder atrás de
paredes de treliça ou com véus durante suas performances, evitando os olhares diretos
dos espectadores aos seus corpos. Na Imagem 1, em sentido totalmente oposto ao que
era comumente feito na realidade oriental, dois homens a observam próxima e
atentamente, direto dos sofás estampados, acomodados à luz da mashrabeya, que
compõem a imagem.
Os espaços internos, fossem públicos como restaurantes, ou privados como as
residências, também possuíam áreas especificas para a convivência das mulheres.
Quando dos picos de presença europeia nos territórios orientais, esta divisão física entre
os gêneros era bastante clara e, visto que não era de fácil acesso ou mesmo totalmente
proibida a entrada de estrangeiros e homens nestes espaços, restou que estes fossem
capazes de adentrar tais ambientes apenas através de sua imaginação. Assim, a grande
maioria das representações feitas pelos artistas não se baseou em cópia de uma
realidade testemunhada; deixavam de passar para suas obras de arte exatamente aquilo
que viam. Pode-se afirmar, portanto, que estas eram planejadas e concebidas usando
grandes doses de idealização.
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Este dado cabe também às próprias feições com que as mulheres árabes eram
representadas: seus traços se pareciam muito mais com os europeus, que geralmente
eram feitos com modelos dentro dos estúdios de pintores, do que propriamente com os
traços orientais - e mesmo negros - aos quais deveriam fazer referência. Tal como a
almée retratada, a maioria das personagens era branca e com corpos magros,
assemelhando sua postura às canônicas esculturas clássicas greco-romanas.
O quarto participante presente na cena é um homem negro tocando um
instrumento semelhante a um tambor. Este ser é praticamente desprezado à primeira
vista na pintura, uma vez que se sobressai pouquíssimo entre as sombras pinceladas pelo
artista, e se encontra em um dos cantos da obra, uma área em que nossos olhos não
costumam deslizar naturalmente durante a apreciação de obras de arte. A incidência de
luz sobre este homem, ou justamente a falta dela, claramente não é despropositada.
Tal particularidade é utilizada muitas vezes como um recurso estilístico imbricado
de significados. Normalmente, são personificados através de um eunuco ou serva,
constantemente pintados negros. Estas pessoas são colocadas na composição para criar
um contraponto visual-racial à brancura exagerada das peles das mulheres que dançam.
Fica implícito o significado de que, ainda que estas dançarinas tivessem uma posição
hierárquica inferior em relação ao homem ocidental (ao menos dentro da mentalidade
colonial), existiam também aqueles que estavam abaixo delas.
Cria-se, assim, um distanciamento dos corpos negros. De qualquer modo, sua
inserção cumpre a função de tornar ainda mais exóticas e fetichizadas as cenas como
esta apresentada ao público por Gunnar Berndtson,
[...] a figura negra da criada parece ser um indicador do atrevimento sexual [...].
A grande passividade da amável figura branca é como um oposto para a
atividade vigorosa da desgastada, não feminina e feia negra, sugerindo que a
bela nudez passiva está sendo explicitamente preparada para o servo na cama
do sultão. [...] Esta noção de disponibilidade erótica é ainda mais aguçada
quanto maiores forem os tons proibidos, pela conjuão de preto e branco, ou
de corpos femininos escuros e claros [...] (NOCHLIN, 1991, p. 49, tradução
nossa).
7
Ainda que o pintor tenha realmente estado no Egito em 1882, após estudar e
trabalhar em Paris, a convite do periódico Le Monde Illustré, é improvável que ele tenha
presenciado a apresentação artística de uma almée. Isto porque, naquela época, elas já
7
[No original]: “[…] the black figure of the maid seems to be an indicator of sexual naughtiness very
passivity of the lovely white figure as opposed to the vigorous activity of the worn, unfeminine ugly black
one, suggests that the passive nude beauty is explicitly being prepared for service in the sultan's bed. […]
This sense of erotic availability is spiced with still more forbidden overtones, for the conjunction of black
and white, or dark and light female bodies […]”.
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eram raramente encontradas no território egípcio, graças a uma lei proibitiva da dança
ser realizada em espaços públicos no Cairo.
Outro tipo de dançarina, as ghawazee, muitas vezes se apresentava em locais
privados, nomeando-se como almée, para elevar o preço de seus serviços de
entretenimento.
A palavra almée perdeu completamente seu sentido original de mulher erudita.
No começo do século dezenove, seu significado mudou para cantora-dançarina,
e em meados de 1850, já denotava uma dançarina prostituta. Dançar se tornou
strip-tease, e aumentou o número de dançarinas que trabalhavam como
prostitutas. (HAWTHORN, 2019, p. 2, tradução nossa).
8
Deve-se considerar que as ghawazee foram provavelmente a “ponte” dos
europeus com a dança egípcia, pois dançavam também em locais públicos, tendo se
mudado para periferias e regiões no delta do Nilo após a medida política cairota contra
si. Ainda é possível que outras mulheres, nem do grupo ghawazee, muito menos das
awalin, tenham feito da dança, em associação com a prostituição, uma forma de
sobreviver no Egito colonizado.
Estas representações feitas pelos artistas Orientalistas em forma de relatos e
imagens, como buscou ser demonstrado, nem sempre foram, ou mesmo se interessaram
em ser, fieis aos traços culturais das dançarinas egípcias que existiam no século XIX.
Entretanto, são as únicas fontes que temos para conhecer a forma como estas danças
eram executadas.
O (re)conhecimento da Dança do Ventre
Este tipo de imagem, por mais idealizada que seja, pode ser tida como as primícias
do contato do Ocidente com a chamada “dança do ventre”. Ainda que fossem objeto de
desejo, tendo sido o segundo maior motivo para o embarque de tantos europeus ao Egito
durante o século XIX (NIEUWKERK, 1995), estas mulheres do outro hemisfério também
chocavam e provocavam ojeriza pela exibição dos seus corpos. Especialmente ao dançar,
com seus movimentos amplos, cadenciados, com trancos e, principalmente, focados no
quadril , os europeus viam um total contraste com as danças burguesas e de corte
executadas na Europa, como é o caso do ballet.
Infelizmente, não dispomos de uma autorrepresentação feita por parte destas
dançarinas. Além da não autorização por parte da própria colonização - que deixava seus
8
[No original]: “The word alma completely lost its original meaning of learned woman. At the beginning of
the nineteenth century, its meaning had changed to singer-dancer, and by the 1850s it denoted a
dancerprostitute. Dancing became stripping, and dancers increasingly worked as prostitutes”.
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homens muito mais seguros ao poder retratar seu colonizado em alguns períodos
históricos, a religião muçulmana não era afeita à representação das figuras humanas,
pois acreditam que este tipo de iconografia seria uma tentativa de se igualar a Deus, real
criador das pessoas. Além disso, nos continentes africano e asiático, onde temos a
extensão geográfica do Oriente Médio, a produção e transmissão dos saberes são
tradicionalmente feitas por via da oralidade e corporeidade, incluindo nisto a própria
música, elemento artístico que caminhou sempre inextricavelmente junto da dança.
Na visão dos ocidentais, os costumes ligados ao saber oral e corporal aproximam
o Oriente dos elementos da natureza e do feminino, antítese da civilizão patriarcal que
queriam construir e demonstrar para si. Isso também explica a constante reprodução da
combinação mulher-dança-instrumento-animal, repetida em diversas pinturas
Orientalistas.
Repetidamente, os corpos dançantes não ocidentais eram retratados usando as
mesmas descrições paradigmáticas já familiares: corpos que eram estranhos,
disformes, obscenos e desregrados. Especialmente, como veremos, são as
torções e ondulações dos corpos femininos que, para os espectadores
ocidentais, parem fundir humano com animal, e mesclar-se com os outros
corpos dançantes à sua volta. (KEFT-KENNEDY, 2005, p. 51, tradução nossa)
9
Estes corpos, retratados com tanta disponibilidade, veemência, passividade e
exposição eram uma metonímia para a forma com que os europeus procuravam traduzir
o Oriente. Imagens como as das pinturas Orientalistas estão carregadas de
generalizações, pré-conceitos e estereótipos que visavam diminuir a figura dos orientais,
em especial a de suas mulheres, para que houvesse uma clara distinção entre si e “os
outros” ou seja, entre ocidentais e orientais. Este tipo de representação, portanto, atua
não somente na esfera gráfica e visual, mas exibindo um padrão corporal que não
deveria ser imitado pelo europeu, contrapondo posturas e atribuindo a elas uma ideia de
moral. A dos povos árabes, especialmente a de suas mulheres dançarinas era tida como
tão maleável ou desinteressada quanto seu físico (HAWTHORN, 2019).
9
[No original]: “Repeatedly, non-western dancing bodies were depicted using the same familiar
paradigmatic descriptions: bodies that are strange, formless, obscene, and unruly. Especially, as we shall
see, it is the twisting, undulating female bodies that for Western spectators seem to merge human with
animal, and blur with the other dancing bodies around them”.
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Imagem 2. La danse de l’almée (1863)
Fonte: GÉROME, J.L. La danse de l’almée. 1863. Óleo sobre tela.
Estes elementos citados (véus, instrumentos musicais típicos, espadas, cobras e
outros animais) eram comumente pintados junto das mulheres dançarinas neste tipo de
cena Orientalista. Assim, não é mera coincidência que ainda sejam usados na Dança do
Ventre moderna, inclusive na forma como é incansavelmente praticada no Ocidente
desde então.
A prática da dança oriental começou a ser documentada principalmente mediante
à literatura e à pintura, sendo produzidas dentro do contexto colonial que, por
conseguinte, criava e enraizava estereótipos e expectativas que se mantêm ainda pouco
problematizados.
O próprio nome “Dança do Ventre” foi cunhado dentro deste contexto, e acabou
generalizando e ignorando todas as características particulares de cada região do
Oriente Médio. Inclusive, a influência das Belas Artes foi tão forte para essa
sistematização, que o primeiro uso reportado dessa nomenclatura (na versão em francês,
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danse du ventre) ocorreu em associação à pintura de 1863,
10
produzida pelo artista
francês Jean-Léon Gérome (1824-1904), de quem Gunnar Berndtson foi aluno, e que
também reproduzia a dança de uma almée.
Considerações finais
É possível que muitos estrangeiros tenham presenciado cenas de dança em suas
incursões no Oriente. Mas há, provavelmente, demasiado exagero na maneira em que
eram retratadas, e mesmo na denominação que usavam para se referir a estas
dançarinas. É o caso da pintura Almée, an egyptian dancer (1883) de Gunnar Berndtson.
A minuciosidade da pintura e o realismo das formas, ferramentas do
neoclassicismo que também estava em voga na Europa, foram recursos adotados pelo
orientalismo para dar impressão ao observador que aquela imagem era real. Todavia, a
pesquisa focada nos aspectos da cultura oriental, deixando de lado o etnocentrismo que
normalmente está no centro da produção de saberes, possibilita que façamos uma leitura
mais crítica destas representações. Dessa maneira, é possível perceber que esta pintura
provavelmente não trata de uma representação fiel de certa vivência, mas de um misto
de imagens reais e fantasiadas, que procuram instigar o observador em relação ao corpo
feminino e em movimento, bem como satisfazer um propósito de representação
específico, atrelado ao movimento de colonização.
Por mais sutil ou romântica que possa parecer tal idealização europeia, retratada
com tanta repetitividade no estilo Orientalista, é importante que notemos que eles fazem
parte da construção do poder colonizador sobre um território e uma gente. Nas palavras
de Foucault, “uma abordagem como essa enraíza o poder nas formas de comportamento,
nos corpos e nas relações locais de poder que não deveriam, de forma alguma, ser vistas
como uma simples projeção de um poder central” (FOUCAULT, 2016, p. 91).
Aqui, o poder era o das colônias sobre o Egito, que atuou não somente obtendo
territórios, mas também docilizando corpos, imbricando-se em imaginários, e assumindo
uma estética e temática que esbarravam também nas artes.
Referências
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inglesas da Era Vitoriana e a "dança do ventre". 2018. 192 f. Dissertação (mestrado em
10
Segundo Hawthorn, não se sabe precisamente o contexto em que o termo foi usado, mas acabou se
tornando um nome alternativo da referida pintura, pelo qual a imprensa francesa se referiu diversas vezes.
(HAWTHORN, 2019, p. 3).
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, Assis/SP, v.6, nº2, p.274-289, jul./dez., 2019
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história). Departamento de filosofia e ciências humanas, Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Porto Alegre, 2018.
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