Faces da História
, Assis/SP, v.6, nº2, p.274-289, jul./dez., 2019
No período em que o orientalismo se consolidou enquanto gênero das artes
visuais, principalmente durante o século XIX, ele já era uma realidade dentro da
produção e transmissão dos saberes, se fazendo presente em praticamente todas as
áreas de erudição da época. Como veremos a seguir, esta corrente teórica e ideológica
não foi somente “uma visionária fantasia europeia sobre o Oriente, mas um corpo
elaborado de teoria e prática em que, por muitas gerações, tem-se feito um considerável
investimento material” (SAID, 2007, p. 33). O orientalismo foi, antes de tudo, um método
discursivo, pelo qual o Ocidente tratou o Oriente em suas pesquisas, literatura, artes, e
mesmo nas relações internacionais após a dominação francesa e britânica das, então,
colônias orientais.
De todo modo, é válido frisar que os mesmos savants que retrataram estas cenas
carregadas de conteúdo ideológico, que objetivava corresponder e atender à ideologia do
colonialismo, também foram os responsáveis por produzir os documentos da época a
que temos acesso, e que ainda hoje servem de base para estudos e análises. Ainda que
correspondam a uma mentalidade própria de seu tempo – e cabe ao historiador filtrar
estes dados – foi a partir do conhecimento construído por eles e suas instituições que
importantes disciplinas como a arqueologia, a arquitetura, as artes plásticas, a história e
a egiptologia se ampliaram e desenvolveram.
Por meio das imagens produzidas primeiramente por este grupo de savants e,
posteriormente, por outros artistas que buscaram inspiração em suas obras, ideias e
viagens, o povo e o território do Oriente passam a ser retratados de forma a corroborar
com o ideal de superioridade racial que era trazido à tona pela colonização, pelo
darwinismo social, e pela eugenia – correntes cientificamente embasadas que ganhavam
espaço no século XIX. Os orientais, em especial os árabes, eram mostrados como um
povo à beira da selvageria, envoltos em um clima e ambientes inóspitos, detentores de
costumes rudes, que pareciam desafiar a cultura vitoriana, especialmente sua falta de
moralidade, civilidade e salubridade. Tampouco tinham capacidade política para o
autogoverno, junto de todos os processos burocráticos, econômicos e administrativos
que isso envolveria.
Em outras palavras, o Oriente estava praticamente relegado às condições
similares ao primitivo “estado de natureza”,
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parecendo então “necessitar” do civilizado
europeu para lhes apresentar os ideais europeus de modernidade, moral e disciplina,
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Conceito também elaborado no século XIX, como fruto da corrente iluminista, o “estado de natureza” foi
alvo de teses e dissertações de diversos filósofos. Corresponde, basicamente, ao período anterior à
formação da sociedade civil e da delegação de um poder centralizado no Estado. A forma de controle de
milícias no Oriente, a fantasia de que os orientais cediam facilmente às paixões e aos desejos, e suas
noções de moral e modernidade sendo tão diferentes das que tinham os ocidentais, era simples que estes
fizessem esta rápida associação.