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É tarefa dos historiadores tentar remover essas vendas, ou
pelo menos levantá-las um pouco ou de vez em quando e, na
medida que o fazem, podem dizer à sociedade contemporânea
algumas coisas das quais ela poderia se beneficiar, ainda que
hesite em aprendê-las. Felizmente, as universidades constituem
a única parte do sistema educacional em que os historiadores
foram autorizados e até encorajados a fazer isso.
(HOBSBAWM, 1998, p. 48).
As leitoras e os leitores deste número encontrarão as vozes, as nuances e as
faces da história nacional e internacional, bem como uma historiografia que dialoga
com as ciências humanas e sociais, escrita por pesquisadores e professores do
ensino superior brasileiro. Os vinte e quatro textos publicados comprovam a
diversidade de temas e de linhas de pesquisa na área da história. Desse conjunto,
treze artigos fazem parte da seção dossiê, oito da seção livres e três resenhas, soma
que compõe o primeiro número do sexto ano da Faces da História, revista concebida
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e coordenada pelo trabalho voluntário de discentes do programa de pós-graduação
em História da Unesp de Assis.
O dossiê História oral e memória na construção das narrativas sobre as
representações político-culturais do Brasil atual, sob coordenação da Profa. Dra.
Zélia Lopes da Silva (Unesp/Assis) e do Prof. Mestre José Augusto Alves Netto
(Unespar/Paranavaí), reúne artigos que tratam da memória e da história oral por
meio dos testemunhos, depoimentos e entrevistas presentes em praticamente todos
os textos dessa seção. Ancorados no aporte teórico-metodológico que os auxiliam na
discussão das temáticas investigadas, as autoras e os autores dos artigos relativos ao
dossiê apresentam uma diversidade de narrativas e fontes, que, por sua vez, são de
substanciosa contribuição para o campo historiográfico da oralidade e da memória.
Parte dos artigos livres também analisam o assunto do dossiê, ainda que a
grande maioria dos trabalhos da seção livre retrate diferentes linhagens da
historiografia. Do rol de oito artigos, seis dizem respeito à História do Brasil: os
textos que analisam o sistema prisional no brasileiro no período do Império; os
projetos educacionais metodistas no interior de São Paulo de finais do século XIX e
início do XX; as campanhas contra imigração japonesa durante os anos 1930 e 1940; a
nódoa da ditadura civil-militar retratada no documentário “Em busca da verdade”; e a
dancinha pró-Bolsonaro encenada na contemporaneidade. Os dois últimos artigos
que compõem essa seção objetivam os processos históricos vivenciados em outras
nacionalidades; de um lado, as memórias de um diplomata português no decorrer do
Congresso de Utrecht (1713-1715) e, de outro lado, três filmes russos que passaram
pelo crivo da censura soviética.
Em Dentro e fora da cadeia pública: trabalho e reforma prisional na província
do Grão-Pará (1830-1850), João Victor da Silva Furtado e Érico Silva Alves Muniz
apresentam os debates acerca da instalação de uma nova prisão na Capital do Grão-
Pará, discussões contextualizadas no âmbito da reforma prisional implementada no
Brasil Império. Os autores apoiam-se nas teorias de Michel Foucault e de Edward
Thompson, destacando as estratégias desenvolvidas pelos prisioneiros frente às
medidas disciplinadoras das instituições penais.
Robson Roberto da Silva é o autor de Afinal, onde estava o povo? A ausência
das camadas populares na Proclamação da República, artigo cujo propósito é refletir
sobre os motivos pelos quais houve uma suposta inação das camadas populares
diante dos eventos que conduziram à instalação do regime republicano no país. Para
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atingir a meta proposta, Robson manuseia as obras de historiadores
contemporâneos, de Max Weber e de literatos de finais do Oitocentos, como Lima
Barreto e Euclides da Cunha, a fim de pensar como a cidadania do povo era
respeitada pela elite política e intelectual apenas quando ocorriam manifestações e
revoltas sociais.
A partir de uma série de relatos memorialísticos de missionários, os
pesquisadores Vitor Queiroz Santos, Sérgio César Fonseca e Felipe Ziotti Narita, no
artigo Educação metodista no interior de São Paulo: movimentos e conexões entre o
final do século XIX e o início do XX, investigam projetos educacionais metodistas no
interior de São Paulo, na virada do século XIX para o XX. Essa experiência é
analisada tendo em vista a flexibilização das fronteiras nacionais, uma vez que os
autores chamam a atenção para a expansão das comunicações e o consequente
aumento da circulação mercadológica e cultural no entre-séculos.
O artigo Livrai-nos do maléfico perigo amarelo: a Sociedade dos Amigos de
Alberto Torres e a campanha contra a imigração japonesa no Brasil (1932-1946),
elaborado por Rodrigo Luis dos Santos, examina o discurso antinipônico defendido
pelos membros dessa sociedade, entre as décadas de 1930 e 1940, bem como as
estratégias e formas de inserção da entidade para atingir os seus objetivos,
principalmente durante os anos de Estado Novo. Além disso, o autor tece algumas
considerações sobre o pensamento social brasileiro durante o processo de imigração
e da relação do governo com determinados grupos étnicos, dos quais alguns eram
classificados como “perigosos” ou “indesejáveis”.
Natália Aparecida Godoy da Silva investiga as atividades levadas a cabo pela
Comissão Nacional da Verdade entre 2012 e 2014. Em História pública, cinema e o
documentário “Em busca da verdade” a autora retrata as atividades da comissão por
meio do documentário dirigido por Deraldo Goulart e Lorena Maria, composto de
dois episódios que foram lançados, em 2015, na Comissão de Direitos Humanos e
Cidadania Participativa do Senado. Godoy examina o primeiro episódio do
documentário, parte que integra depoimentos dos agentes da repressão da ditatura,
de vítimas dos casos de violação dos direitos humanos e dos trabalhos da comissão.
Dancinha ou quando o fascismo inaugura uma dramaturgia é o título
provocador do texto assinado por Thiago Torres. Esse trabalho discute um tipo de
dramaturgia relacionada ao tempo presente, e o faz por meio das teorias
desenvolvidas por historiadores marxistas ligados aos estudos culturais e teatrais. Ao
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basear-se nas discussões ocorridas em uma disciplina cursada pelo autor no
programa de pós-graduação em Artes da Universidade Federal do Ceará e da
nomeada dancinha pró-Bolsonaro, Thiago procura demonstrar como a coreografia
teatral expressada pela dança é um posicionamento político e corporal, com
possibilidade de se tornar um portentoso canal de comunicação de ideias fascistas.
Os dois últimos artigos da seção de livres abordam temas internacionais. Luiz
Francisco Albuquerque de Miranda e Vítor Bicalho Mota debruçaram-se sobre a obra
Memórias da paz de Utrecht, escritas pelo diplomata português Luís da Cunha
durante o Congresso de Utrecht (1713-1715). Por meio do relato memorialístico e da
metodologia escolhida pelos autores, o objetivo do artigo Luís da Cunha, o
Congresso de Utrecht e a política externa inglesa no início do século XVII é verificar
a interpretação de Cunha em relação às disputas diplomáticas no evento. Já Moisés
Wagner Franciscon e Gelise Cristine Ponce Martins, no texto A sátira social no
cinema soviético da Era Brejnev: os limites da censura, analisam três comédias
fílmicas, que obtiveram resultados distintos diante da censura na União Soviética,
embasando-se na sócio-história cinematográfica de Marc Ferro e na obra de Mikhail
Bakhtin sobre a ambivalência do humor popular.
Os livros resenhados são de dois autores estrangeiros e uma autora brasileira.
A resenha crítica de Vinícius de Castro Lima Vieira, intitulada Sobre prazeres,
percepções e apropriações: um convite à leitura de 1913, de Florian Illies, estimula a
leitura do livro do historiador de arte alemão ao mencionar o quanto a escrita da obra
proporciona uma envolvente apresentação dos episódios ocorridos nas capitais do
modernismo europeu, muitos dos quais foram protagonizados por personagens das
elites intelectuais, políticas e culturais europeias. A segunda resenha intitula-se
História global: uma solução ou um retorno?, assinada por Elaine Calça, que examina
What is Global History?, do historiador alemão Sebastian Conrad, interessado em
pensar e questionar a teoria, a metodologia e outros aspectos da história global. E a
derradeira resenha, Folia de Reis em Florínea: manifestação popular, memória e
patrimônio, é escrita por Aline Fabri, que tece comentário sobre o livro de Rafaela
Sales Goulart, Sentidos da Folia de Reis: um estudo da memória e da identidade da
celebração popular em Florínea/SP. Esta obra é resultado da pesquisa de Goulart
sobre as comemorações da festa popular, utilizando-se dos relatos e das memórias
dos habitantes que participam das celebrações em Florínea, cidade localizada no
sudoeste do estado de São Paulo.
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Esta coletânea de textos da Faces da História é resultado do trabalho de
muitas autoras e autores que são financiados por bolsas de pesquisas públicas.
Tratam-se de discentes e docentes atuantes nas universidades federais, estaduais e
privadas, responsáveis por esquadrinhar temáticas das ciências humanas e sociais.
Em tempos de cortes e contingenciamentos financeiros nas Ciências desenvolvidas
no ensino superior público brasileiro, a epígrafe extraída da obra Sobre História, de
Eric Hobsbawm, é um alerta para defendermos a pesquisa e a educação pública,
gratuita e de qualidade, capazes de ensejar o pensamento crítico e de investigar as
contradições presentes na história da humanidade.
Assis, junho de 2019.
Amanda Pereira dos Santos
Helen de Oliveira Silva
Hugo Quinta
Editores