FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.6, nº1, p.06-11, jan.-jun., 2019
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inserções dos embates conjunturais que modulam suas vivências. Nesse sentido, foram e
continuam sendo recorrentemente arguidas por evidenciarem subjetividades que
inicialmente estiveram definidas como empecilho para chegar ao conhecimento sobre os
fenômenos submetidos, unicamente, aos relatos desses narradores. Segundo os seus
arguidores, por serem fontes inscritas em passado recente, não permitem aos atores
envolvidos (entrevistador/entrevistado) certo distanciamento para lidar com esses
registros de testemunhas oculares que trazem as marcas de suas implicações nas
querelas de seu tempo.
As discussões avançam no sentido de reconhecer a diversidade de narrativas e a
formulação de outras para o mesmo evento, que esgarça a perspectiva da narrativa
certa, em contraposição ao discurso errado sobre o acontecido. Portelli alerta à “atitude
do narrador em relação a eventos, à subjetividade, à imaginação e ao desejo, que cada
indivíduo investe em sua relação com a história” (PORTELLI, 1993, p. 41) que pode não
incidir na realidade, mas na possibilidade. Ou seja, a representação de um “presente
alternativo, uma espécie de universo paralelo no qual se cogita sobre um desdobramento
de um evento histórico que não se efetuou” (PORTELLI, 1993, p. 50) que, na análise do
autor, é característico da “narrativa ucrônica” que se inscreve em paradigma maior: a
grande narrativa literária do inconformismo.
Isso não significa desconsiderar os lapsos, esquecimentos, omissões e
reelaborações presentes nessas narrativas. Afirma-se sua importância para esclarecer
não apenas ausências de informações e envolvimentos dos próprios narradores nos
acontecimentos tratados, mas também o universo de valores e visões de mundo
atinentes aos protagonistas em tela. E, ainda, ficar atenta para perceber aquelas
memórias que foram soterradas ou silenciadas, como observou Michel Pollak (1989). O
não-dito não significa o esquecimento, mas sim estratégias de sobrevivência diante de
situações embaraçosas e sem solução, como a convivência com o inimigo de ontem.
No âmbito dessa trajetória, passa-se à arguição sobre a problemática da verdade,
assunto de acalorado debate, chegando-se à formulação de sua ilusão por uns
(BOURDIEU, 1998), ou à “produção de verdade”, para outros teóricos, como Beatriz
Sarlo. A autora analisa a “transformação do testemunho em um ícone da verdade ou no
recurso mais importante para a reconstrução do passado” (SARLO, 2007, p. 19), tecendo
pesadas críticas a certos reducionismos de uso do relato oral, a partir de referencial que
trata de situação-limite como o holocausto, para eventos corriqueiros.
Independentemente da complexidade teórica que envolve esse campo, o convite
aos autores/autoras foi bem sucedido pela presença marcante de textos alusivos ao
temário desse dossiê. Resultaram do processo avaliativo textos que foram estruturados