FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.6, nº1, p.425-446, jan.-jun., 2019
MIRANDA, Luiz Francisco Albuquerque de; MOTA, Vítor Bicalho
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Característica da documentação
Como sinalizamos acima, a diplomacia, segundo Pedro Cardim, estava a adquirir
uma maior especificidade, numa relação cada vez mais profunda e diversificada com os
aparelhos de governo e de administração. Caminhava-se para uma compreensão mais
“burocrática” do serviço diplomático e, portanto, as autoridades régias preocuparam-se
em formar os primeiros arquivos de correspondência diplomática. Tais arquivos eram
indispensáveis enquanto suporte de trabalho para a secretaria de assuntos exteriores.
Para Cardim (2004, p. 25),
desde meados de Seiscentos que se assiste à criação de coleções documentais
especificamente ligadas à atividade diplomática, tendo em vista dar apoio à ação
dos enviados ao estrangeiro. As coleções de correspondência eram como que
uma “memória” que apoiava as iniciativas governativas, e o próprio intercâmbio
de cartas, entre embaixadores e enviados, começou a obedecer a normas
rigorosas. Não exageramos se dissermos que a troca de missivas possuía uma
importância verdadeiramente estratégica, pois era por essa via que se obtinha
informação. Terá sido isso o que motivou o aparecimento das diretivas precisas
quanto à obrigação dos embaixadores de deixarem “memórias” da corte onde se
encontravam, as quais se destinavam aos seus sucessores no posto.
A troca de correspondência, portanto, era fundamental para a diplomacia do
período, pois formava uma rede de conexões que estruturava as decisões
governamentais no plano das relações internacionais e possibilitava a formação de
arquivos, sem os quais a organização do métier diplomático teria sido impossível.
Consciente da importância das missivas, Luís da Cunha mandou copiar suas
Memórias
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– um conjunto de epístolas de caráter oficial – em quatro volumes luxuosos
de pergaminho, iluminados e com encadernações sofisticadas, o que mostra
preocupação com o suporte material do texto e a tentativa de realçar seu valor
simbólico. As ofereceu a D. João V, à rainha D. Maria Ana de Áustria e ao Conde de
Tarouca.
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Convém lembrar a importância dos manuscritos na cultura portuguesa do
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Ele explica um dos aspectos da escrita das memórias: “Como cada Tratado continha muitos pontos, e
sobre cada um deles se repetiam as conferências ora só com os ingleses, ora juntamente com os franceses,
seria necessário mais um volume, se as houvéssemos de referir por sua ordem, e com as particularidades
que nelas se passaram, e assim unicamente diremos o essencial sem nos atarmos à cronologia das ideias e
das mesmas conferências” (CUNHA, 1715a, parte 3, p. 373).
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João Gomes da Silva, 4º Conde de Tarouca (1671-1738), iniciou cedo o serviço ao rei, com uma viagem ao
Palatinado, em 1686, na comitiva de seu pai, 2º Conde de Vila Maior e 1º marquês de Alegrete, afim de
ultimar o casamento do rei Pedro II com Maria Sofia de Neuborg. Desde essa data Tarouca participava da
vida da corte, apesar de não ter ocupado nenhum cargo governativo ou função junto da casa real. Sua
primeira nomeação ocorreu em 1701, na qualidade de Governador do Baluarte da porta de Alcântara. A
partir de 1704, integrou, como oficial, as fileiras do exército português que combatiam na Guerra de
Sucessão Espanhola. Tarouca, como fazia prever sua origem social, recebeu instruções em seguida para se
deslocar à Inglaterra na qualidade de Embaixador Extraordinário. Nomeava-se elementos da nobreza
titular para opulentas missões de representação, atribuindo-lhes, quase sempre, o grau de Embaixador, um
tipo de acesso raro. Por fim, foi nomeado como 1º Plenipotenciário de Portugal no Congresso de Utrecht.