FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.6, nº1, p.102-119, jan.-jun., 2019
DA COSTA, Lourenço Resende; ANTUNES, Jair
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Mas em Prudentópolis, padres, freiras e catequistas da Igreja Ucraniana tiveram
um papel relevante na resistência e no trabalho de preservação da língua, pois, além do
rito, todos os materiais religiosos eram em língua ucraniana
2
. As freiras, Irmãs Servas de
Maria Imaculada (ISMI), durante o Estado Novo atuaram efetivamente para que a língua
não fosse abandonada. Na Linha Tijuco Preto (zona rural do município de Prudentópolis),
conforme apontou Lídia Zawadzki, no início da década de 1940, no auge da repressão
estado novista, as ISMI ministravam aulas do idioma ucraniano ocultamente na escola
após o horário de funcionamento do estabelecimento escolar (ZAWADZKI, 1998, p. 28).
A língua ucraniana em Prudentópolis, portanto, não chegou ao século XXI por
acaso
3
. Ela aparece como um elemento de identificação entre os descendentes dos
primeiros imigrantes. A análise da identidade das pessoas com essa ascendência passa
necessariamente pela religião e pela língua. Podemos dizer que a conjugação dessas duas
características forma aquilo que Paulo Augusto Tamanini (2017) definiu como
ucraneidade:
Compreende-se a ucraneidade aquela maneira de ser que não se resume
unicamente à afetação e ao deslumbramento de aspectos materialmente visíveis
dos trajes típicos, indumentárias, enfeites, comida da etnia ucraniana. Longe de
ser única e padronizada, a ucraneidade nesta pesquisa quer ser entendida
sempre no plural; e porque entendida por uma ‘segunda natureza’, é remontada
e adaptada conforme os espaços e grupos que a têm (TAMANINI, 2017, p. 28).
Para percebermos o papel atribuído ainda hoje à língua ucraniana e como esta
continua sendo relevante para a ucraneidade, analisaremos quatro entrevistas realizadas
com pessoas de ascendência ucraniana e que residem na comunidade rural de Linha
Ligação. Primeiro faremos alguns apontamentos a respeito das quatro pessoas
entrevistadas e da metodologia utilizada. Na sequência, a partir dos dados coletados com
as fontes orais, analisamos como o uso do ucraniano se mantém na contemporaneidade
em meio a permanências e abandonos. Sem esquecer que a identidade é sempre
construída no contato com o outro (BARTH, 2011).
2
A Igreja Ucraniana no Brasil pode ser dividida, grosso modo, entre católicos e ortodoxos. Em
Prudentópolis não existe igreja ortodoxa, já em Curitiba existe uma Eparquia Ucraniana Ortodoxa
(equivalente à uma Diocese). A respeito dessas diferenças há o trabalho de Paulo Augusto Tamanini (2017).
Os imigrantes ucranianos em Prudentópolis solicitaram a vinda de sacerdotes ucranianos e no final do
século XIX chegaram diretamente da Ucrânia os primeiros sacerdotes católicos pertencentes à Ordem de
São Basílio Magno (OSBM); posteriormente vieram também da Ucrânia as freiras da congregação das
Irmãs Servas de Maria Imaculada (ISMI). A esse respeito ver o trabalho de Paulo Renato Guérios (2007) e
Maria Luiza Andreazza (1996), entre outros.
3
A intenção no artigo não é fazer uma análise linguística propriamente dita acerca do uso do ucraniano e
nem das transformações/adaptações que o idioma sofreu no Brasil. Mas, alguns trabalhos acerca do tema
podem ajudar o leitor a problematizar tal questão: a Tese de Marta Maria Simionato (2012) O processo de
alfabetização e a diáspora da língua materna na escola: um estudo em contexto de imigração ucraniana
no sul do Brasil; a Tese de Marlene Maria Ogliari (1999) As condições de resistência e vitalidade de uma
língua minoritária no contexto sociolinguístico brasileiro, entre outros trabalhos.