Recebido em: 05/03/2019
Aprovado em: 07/05/2019
Entre Abandonos e Permanências:
A Língua Ucraniana
em Prudentópolis-PR na Segunda Metade do Século XX
Between Abandonment and Permanency:
The Ukrainian
Language in Prudentópolis-PR in the Second Half of the
Twentieth Century
COSTA, Lourenço Resende da
*
ANTUNES, Jair
*
Resumo: O objetivo desse artigo é discutir, a partir de fontes orais, a importância
atribuída à língua ucraniana no município de Prudentópolis-PR, bem como as dificuldades
em torno de sua preservação. Para os descendentes de ucranianos no Brasil, a língua
está intimamente ligada à religo, uma vez que professam o catolicismo de rito oriental e
utilizam o idioma ucraniano nas celebrações da liturgia. As entrevistas foram feitas com
pessoas residentes em uma comunidade da zona rural, Linha Ligação, que fica a
aproximadamente 60 quilômetros da área urbana do município. A partir das entrevistas
foi possível tecer algumas considerações acerca do papel da escola e da Igreja Ucraniana
no trabalho de manutenção da cultura e das tradições dos descendentes de ucranianos.
Palavras-chaves: Prudentópolis-Pr; Língua ucraniana; Identidade.
*
Graduado e mestre em História pela Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná UNICENTRO,
Irati-PR, doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná
UFPR, Curitiba-PR. Professor de História pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná SEED.
Bolsista CAPES. E-mail: resendedacosta@gmail.com.
*
Doutor em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas UNICAMP, Campinas-SP, cursa
Bacharelado em Direito na Universidade Estadual de Ponta Grossa UEPG, Ponta Grossa-PR. Professor
de Filosofia, História e História do Direito, na Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná -
UNICENTRO. E-mail: jair1903@gmail.com.
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.6, nº1, p.102-119, jan.-jun., 2019
Entre Abandonos e Permanências: Angua Ucraniana em Prudentópolis-PR na Segunda Metade do Século XX
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Abstract: The purpose of this article is to discuss, from oral sources, the importance
attributed to the Ukrainian language in the municipality of Prudentópolis-PR, as well as
the difficulties surrounding its preservation. For the descendants of Ukrainians in Brazil,
the language is closely linked to religion, since they profess Eastern rite Catholicism and
use the Ukrainian language in the celebrations of the liturgy. The interviews were
conducted with people living in a rural community, Linha Ligação, which is
approximately 60 kilometers from the urban area of the municipality. From the
interviews it was possible to make some considerations about the role of the school and
the Ukrainian Church in the work of maintaining the culture and traditions of the
descendants of Ukrainians.
Keywords: Prudentópolis-Pr; Ukrainian Language; Identity.
Embora o recorte temporal do artigo privilegie a segunda metade do século XX,
entendemos necessário situar o leitor no que diz respeito ao processo de chegada dos
imigrantes ucranianos. Por isso o texto recua ao século XIX. Além disso, a análise
ultrapassa o século XX e chega ao presente. Tal situação se deve, em grande medida, à
utilização da História Oral. Por mais que nas entrevistas se buscasse um entendimento
do passado, as pessoas rememoram a partir do presente.
A colônia Prudentópolis foi criada em 1895 e, já no ano seguinte, passou a receber
levas numerosas de imigrantes do leste europeu (GUÉRIOS, 2007). Portanto, na última
década do século XIX a região, que fazia parte do município de Guarapuava - PR,
começou a receber seus primeiros imigrantes eslavos: ucranianos e poloneses, estes
últimos em menor número. De acordo com Paulo Renato Guérios (2007, p. 117), entre
1896 e março de 1897 mais de 5000 ucranianos chegaram à recém-criada colônia. Em
1906 Prudentópolis se emancipou de Guarapuava pela Lei Estadual nº 615 de 05 de
março de 1906 (SKAVRONSKI, 2015, p. 38).
Os ucranianos que foram trazidos para Prudentópolis eram basicamente
camponeses, originários, sobretudo, da Galícia, região dominada no século XIX,
principalmente pelo Império Austro-Húngaro; no Paraná passaram a desenvolver, na
medida do possível, atividades agrícolas tal qual faziam na Europa. Em razão do número
expressivo de ucranianos instalados em intervalo curto de tempo e em áreas contíguas
da mesma colônia, formou-se no atual município uma “comunidade ucraniana”: “O grupo
de imigrantes, ali estabelecidos, era majoritariamente formado por pessoas que
trabalhavam na agricultura (...). Esse grupo foi responsável pela formação de núcleos
coesos” (HAURESKO, 2015, p.14).
A distribuição dos lotes da colônia foi realizada visando a instalação do maior
número de pessoas possível, haja vista que uma das intenções era a povoação dos
territórios paranaenses considerados, para o governo da Província, “vazios”.
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Aproximadamente 1700 terrenos (entre 10 e 25 hectares cada um) receberam um grande
contingente de ucranianos (HAURESKO, 2015, p. 14). É preciso ressaltar que o Estado
brasileiro desconsiderava as populações ameríndias quando dizia que havia um vazio
demogfico no Paraná que precisava ser preenchido.
Como uma das metas do governo paranaense era o aumento da densidade
demográfica, o modelo de pequenas propriedades prevaleceu nas colônias criadas no
Paraná no final do século XIX e no início do século XX. Os imigrantes ucranianos
alojados em Prudentópolis, e seus descendentes posteriormente, continuaram as
atividades na área rural ao longo do século XX, o que resultou em uma economia agrária.
A população urbana cresceu lentamente e apenas no início do século XXI é que há um
equilíbrio maior entre campo e cidade no que diz respeito ao número de habitantes
1
.
Tabela 1. População rural e urbana de Prudentópolis.
Ano
População Urbana
População rural
População total
1940
2.076 (9%)
20.694 (91%)
22.760 (100%)
1982
8.472 (21,5%)
22.498 (78,5%)
30.970 (100%)
2000
18.276 (39,5%)
28.070 (60,5%)
46.436 (100%)
2010
22.463 (46,1%)
26.329 (53,9%)
48.792 (100%)
Fonte: Adaptado (GUÉRIOS, 2007, p. 233) e (COSTA, 2013, p. 55)
Nesse contexto rural, em que há um número significativo de descendentes de
ucranianos, a língua obteve condições de atravessar o século XX e continuar sendo
usada por pessoas de diferentes gerações. Mas, evidentemente, ao longo de mais de cem
anos houve mudanças que, se por um lado garantiram a permanência, por outro,
demonstram abandono da língua ucraniana pelos jovens.
Nesse artigo o objetivo é analisar algumas questões a respeito da relevância da
língua ucraniana para os descendentes dos imigrantes ucranianos em Prudentópolis em
contraste com as dificuldades em torno da sua manutenção. Dentro do recorte espacial,
no município de Prudentópolis, fazemos uma delimitação, pois as pessoas entrevistadas
moram na comunidade rural de Linha Ligação. Na comunidade localiza-se o Colégio
Estadual do Campo Imaculada Conceição, o único estabelecimento escolar do Estado do
Paraná em que figura, na grade curricular, a disciplina de Língua Ucraniana. Linha
1
A vinda de imigrantes para o Paraná estava orientada por uma política tanto da província criada em 1853
como do governo Imperial. Os objetivos, entre outros, era garantir a posse do território, aumentar a
densidade demográfica e produzir alimentos. As sucesso na década de 1870, com as colônias próximas
aos centros urbanos maiores no final do século XIX, foram feitos esforços para a instalação de colônias em
regiões mais distantes. Foi nesse contexto que os ucranianos chegaram ao Brasil e foram dirigidos à região
paranaense onde se localiza Prudentópolis e outros municípios com presença ucraniana significativa. A
esse respeito ver o trabalho de Sérgio Odilon Nadalin (2001) Paraná: ocupação do território, população e
migrações.
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Ligação está a cerca de 60 quilômetros da área urbana, sendo que a maior parte do
trajeto é composta por estradas sem pavimentação asfáltica. A rego norte, onde está
situada a referida linha, é limítrofe com os municípios paranaenses de Turvo e Cândido
de Abreu.
O número de imigrantes, por si só, não é uma garantia para o sucesso da
permanência da língua do grupo, mas é um fator a ser considerado na conjugação com
demais fatores. Lembrando que a questão numérica dos ucranianos em Prudentópolis é
relevante em termos de município, pois quando se considera um quadro geral da
imigração no Brasil se percebe que o total de imigrantes ucranianos é bem inferior ao de
outros grupos.
A alocação em núcleos na zona rural possibilitou a endogamia, pois o “mercado
matrimonial” era restrito (ANDREAZZA, 1996). O percentual de casamentos celebrados
na Paróquia ucraniana de São Josafat, ao longo do século XX, em que ambos os noivos
eram descendentes de ucranianos demonstra acentuada endogamia, sendo esta
consequentemente um fator relevante para que a língua permanecesse viva (RAMOS,
2012).
Mas, mesmo em um contexto favorável, tanto pelo número de imigrantes
instalados como pela geografia das colônias, os ucranianos tiveram problemas com as
autoridades brasileiras no que diz respeito ao uso da língua. A legislação que buscava
“assimilar melhor” o imigrante já causava embaraços desde o início do século XX, mas foi
durante o governo de Getúlio Vargas (1930-1945) que as línguas estrangeiras sofreram
maiores reprimendas do Estado. No período estado novista (1937-1945), aquilo que havia
sido ensaiado e nunca efetivamente colocado em prática passou a ser executado.
Contrariamente ao ocorrido na década de 1920, quando as leis assimilatórias
não foram levadas às últimas conseqüências e tiveram pouco efeito no cotidiano
das colônias, ao longo do Estado Novo a fiscalizão foi intensa e o campo de
intervenções ampliou-se especialmente no que diz respeito à regulamentação
das práticas religiosas, fundamentais para os colonos ucranianos. A vida
cotidiana dos moradores de Prudentópolis sofreu então várias interferências. A
desobediência civil passou a ser a regra na cidade (GUÉRIOS, 2007, p. 218).
Nesse contexto, um alvo recorrente e amplamente atingido foram as escolas
étnicas. Elas foram desmanteladas sem que o governo brasileiro oferecesse, de imediato,
uma alternativa. Muitas comunidades em que a única escola era aquela mantida pelos
próprios imigrantes e, portanto, com professores do próprio grupo que ministravam
aulas na língua trazida da Europa, ficaram sem instrução escolar e proibidos de utilizar
sua língua materna (RENK, 2009); (PARANÁ, 2008).
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Mas em Prudentópolis, padres, freiras e catequistas da Igreja Ucraniana tiveram
um papel relevante na resistência e no trabalho de preservação da língua, pois, além do
rito, todos os materiais religiosos eram em língua ucraniana
2
. As freiras, Irmãs Servas de
Maria Imaculada (ISMI), durante o Estado Novo atuaram efetivamente para que a língua
não fosse abandonada. Na Linha Tijuco Preto (zona rural do município de Prudentópolis),
conforme apontou Lídia Zawadzki, no icio da década de 1940, no auge da repressão
estado novista, as ISMI ministravam aulas do idioma ucraniano ocultamente na escola
após o horio de funcionamento do estabelecimento escolar (ZAWADZKI, 1998, p. 28).
A língua ucraniana em Prudentópolis, portanto, não chegou ao século XXI por
acaso
3
. Ela aparece como um elemento de identificação entre os descendentes dos
primeiros imigrantes. A análise da identidade das pessoas com essa ascendência passa
necessariamente pela religião e pela língua. Podemos dizer que a conjugação dessas duas
características forma aquilo que Paulo Augusto Tamanini (2017) definiu como
ucraneidade:
Compreende-se a ucraneidade aquela maneira de ser que não se resume
unicamente à afetação e ao deslumbramento de aspectos materialmente visíveis
dos trajes típicos, indumentárias, enfeites, comida da etnia ucraniana. Longe de
ser única e padronizada, a ucraneidade nesta pesquisa quer ser entendida
sempre no plural; e porque entendida por uma ‘segunda natureza’, é remontada
e adaptada conforme os espaços e grupos que a têm (TAMANINI, 2017, p. 28).
Para percebermos o papel atribuído ainda hoje à língua ucraniana e como esta
continua sendo relevante para a ucraneidade, analisaremos quatro entrevistas realizadas
com pessoas de ascendência ucraniana e que residem na comunidade rural de Linha
Ligação. Primeiro faremos alguns apontamentos a respeito das quatro pessoas
entrevistadas e da metodologia utilizada. Na sequência, a partir dos dados coletados com
as fontes orais, analisamos como o uso do ucraniano se mantém na contemporaneidade
em meio a permanências e abandonos. Sem esquecer que a identidade é sempre
construída no contato com o outro (BARTH, 2011).
2
A Igreja Ucraniana no Brasil pode ser dividida, grosso modo, entre católicos e ortodoxos. Em
Prudentópolis não existe igreja ortodoxa, já em Curitiba existe uma Eparquia Ucraniana Ortodoxa
(equivalente à uma Diocese). A respeito dessas diferenças há o trabalho de Paulo Augusto Tamanini (2017).
Os imigrantes ucranianos em Prudentópolis solicitaram a vinda de sacerdotes ucranianos e no final do
século XIX chegaram diretamente da Ucrânia os primeiros sacerdotes católicos pertencentes à Ordem de
São Basílio Magno (OSBM); posteriormente vieram também da Ucrânia as freiras da congregação das
Irmãs Servas de Maria Imaculada (ISMI). A esse respeito ver o trabalho de Paulo Renato Guérios (2007) e
Maria Luiza Andreazza (1996), entre outros.
3
A intenção no artigo não é fazer uma análise linguística propriamente dita acerca do uso do ucraniano e
nem das transformações/adaptações que o idioma sofreu no Brasil. Mas, alguns trabalhos acerca do tema
podem ajudar o leitor a problematizar tal questão: a Tese de Marta Maria Simionato (2012) O processo de
alfabetização e a diáspora da língua materna na escola: um estudo em contexto de imigração ucraniana
no sul do Brasil; a Tese de Marlene Maria Ogliari (1999) As condições de resistência e vitalidade de uma
língua minoritária no contexto sociolinguístico brasileiro, entre outros trabalhos.
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As fontes e a metodologia
As quatro entrevistas utilizadas foram gravadas durante a pesquisa que resultou
na dissertação defendida em 2013 no Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (COSTA, 2013). Os objetivos traçados
durante aquela pesquisa eram diversos dos considerados nesse texto, mas as
informações obtidas com as fontes orais permitem embasamento para análises sob
outras perspectivas.
As entrevistas fazem parte de um conjunto maior, por isso, elas nos permitem
tecer algumas generalizações. Além disso, as considerações estão fundamentadas em
pesquisas que deram origem a diversas Teses e Dissertações acerca dos imigrantes
ucranianos e sua cultura em Prudentópolis. A escolha das quatro pessoas está em
consonância com a teoria acerca das gerações de Karl Mannheim (1993): são pessoas
com uma faixa etária próxima, vivenciam um mesmo contexto rural, frequentam a
mesma Igreja e, portanto, possuem experiências comuns. São fatores que nos permitem
aventar que possuem representatividade para as considerações aqui expostas.
Isabel Sydorko Barhy (entrevista, 18 jan. 2013) 74 anos completos na data da
entrevista, trabalhou durante vários anos como professora dos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Ela iniciou suas atividades pedagógicas em 1957, na região norte de
Prudentópolis, mais especificamente em Linha Jaciaba, comunidade ainda mais distante
da zona urbana de Prudentópolis que Linha Ligação. Se Linha Ligação fica a
aproximadamente 60 km da sede municipal, Linha Jaciaba por sua vez, mais ao norte,
dista cerca de 75 km distante da sede urbana.
Naquela época, quando iniciou sua atividade docente, os alunos adentravam a sala
de aula, muitas vezes, sem falar uma única palavra em língua portuguesa. Todo o material
pedagógico impresso, de acordo com Isabel, era escrito em português e por essa razão
era preciso fazer a tradução para o ucraniano para que os alunos pudessem
compreender do que se tratava. Apenas posteriormente e lentamente, os discentes
começavam a aprender o português.
Isabel ressaltou que o aprendizado da língua ucraniana não se restringia ao
trabalho realizado no ambiente doméstico pelos pais, sendo a comunidade e a Igreja
Ucraniana fundamentais para que a socialização dos falantes dessa língua eslava
ocorresse de modo satisfatório. A Igreja Católica Ucraniana, na figura de padres,
catequistas e freiras, desempenhou papel relevante na aquisição tanto da língua falada
como da escrita, com os caracteres cirílicos característicos do seu alfabeto. Os pais da
entrevistada falavam fluentemente o ucraniano, mas não tinham condições de ensinar os
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filhos a ler e escrever; esta habilidade ela aprendeu em colégio interno das freiras
ucranianas no período em que foi interna.
A professora sublinhou o contraste entre ucranianos e poloneses no norte do
município, ressaltando ser muito forte a presença polonesa em Linha Jaciaba, onde ela
iniciou a carreira docente; já em Linha Ligação onde ela lecionou e morou a maior parte
do tempo, a ascendência da maioria das pessoas é a ucraniana (Isabel Sydorko Barhy,
entrevista, 18 jan. 2013).
Um exemplo da eficiência do trabalho realizado pelas catequistas ucranianas pode
ser constatado na entrevista com Sofia Podogurski Hellmann (Sofia Podogurski Hellmann
entrevista, 18 jan. 2013). Sendo seu pai descendente de ucranianos e mãe com
ascendência polonesa, nossa entrevistada aprendeu primeiramente angua polonesa da
mãe. No entanto, quando chegou à idade de frequentar a catequese, precisou aprender o
ucraniano, pois na comunidade as aulas de catecismo eram ministradas pelas catequistas
da Igreja Ucraniana. Portanto, a igreja desempenhou, assim como as escolas, um papel
ativo na preservação da língua trazida pelos imigrantes da Ucrânia (COSTA, 2016).
Quando ela era criança frequentou a escola na comunidade rural de Linha Herval
Grande - comunidade próxima à Linha Ligação - até o terceiro ano do “primário”.
Segundo Sofia, na escola da referida localidade a professora lecionava em língua
portuguesa, mas no recreio, antes ou depois das aulas, as crianças conversavam a maior
parte do tempo exclusivamente em língua ucraniana. A escola serviu para o aprendizado
e/ou aperfeiçoamento da língua portuguesa. A entrevistada, com 60 anos na data da
entrevista, lembrou que os seus filhos foram ensinados a falar o ucraniano, mas que seus
netoso receberam o mesmo ensinamento e não sabem a língua dos antepassados
(Sofia Podogurski Hellmann entrevista, 18 jan. 2013).
Nascido na Linha Ligação, em Prudentópolis, Teodosio Tlumaski (entrevista, 17
jan. 2013) estava com 66 anos completos na data da entrevista. Professor, trabalhou no
ensino primário em Linha Herval Grande e em Linha Ligação, lecionou matemática no
Colégio Estadual Imaculada Conceição. Estudou em Mallet - PR e em Ponta Grossa - PR,
pois não havia na época, nas escolas da comunidade natal, o equivalente ao Ensino
Médio. Estudou algum tempo em Curitiba no Seminário dos padres Basilianos e depois
retornou para Prudentópolis onde iniciou sua carreia docente. Aprendeu a falar
ucraniano com os pais; Teodosio fala, escreve e lê em ucraniano (Teodosio Tlumaski,
entrevista, 17 jan. 2013).
A quarta entrevista foi realizada com Genoveva Smah Vogivoda (entrevista, 17 jan.
2013), 65 anos na data da entrevista, que residia em Linha Ligação na época, mas,
posteriormente, mudou-se para o perímetro urbano. O pai era descendente de poloneses
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e a mãe descendente de ucranianos; ela fala, lê e escreve em ucraniano, embora a escrita
não seja praticada com frequência. Genoveva contou que o aprendizado do português
ocorreu a partir do momento em que passou a frequentar a escola; antes desse período
nem um cumprimento/saudação em língua portuguesa sabia. Nossa entrevistada
destacou a grande dificuldade enfrentada na escola por não saber o português. Os
desafios dela e dos demais estudantes de sua época eram amenizadas porque a
professora falava os dois idiomas, português e ucraniano, e fazia o papel de tradutora do
português para o ucraniano e vice-versa, o que permitia o desempenho da função
docente (Genoveva Smah Vogivoda, entrevista, 17 jan. 2013).
Após alguns apontamos acerca das pessoas e das entrevistas realizadas, faz-se
necessário tecer algumas considerações acerca da metodologia da História Oral: “O
depoimento oral e as fontes documentais escritas se completam, embora requeiram
tratamento técnico/metodológico específico” (MONTENEGRO, 2007, p. 22). No caso das
fontes sobre o uso da língua ucraniana, essa metodologia é imprescindível, pois os
costumes dos imigrantes sobreviveram no cotidiano e são transmitidos oralmente. A
História Oral “é uma metodologia primorosa voltada à produção de fontes de narrativas
como fontes do conhecimento, mas principalmente do saber” (DELGADO, 2006, p. 44).
As entrevistas, portanto, possuem a mesma relevância que os documentos escritos: “A
entrevista tem valor de documento, e sua interpretação tem a função de descobrir o que
documentam” (ALBERTI, 2004, p.19).
Janaína Amado e Marieta de Morais Ferreira (2006) destacam ao menos três
modos pelos quais as fontes orais foram/são tratadas: “A primeira advoga ser a história
oral uma técnica; a segunda, uma disciplina; e a terceira uma metodologia” (AMADO;
FERREIRA, 2006, p. 12). Para as autoras: “Entendida como metodologia, a história oral
remete a uma dimensão técnica e a uma dimensão teórica. Esta última evidentemente a
transcende e concerne à disciplina histórica como um todo” (AMADO; FERREIRA, 2006,
p. 8).
A pesquisa que é fundamentada a partir de fontes orais, evidentemente, possui
características próprias. Mas as fontes orais não são meramente técnicas, pois o
trabalho do pesquisador não se encerra na gravação, transcrição e armazenamento do
material em áudio gravado (AMADO; FERREIRA, 2006). Assim como o historiador que,
ao perscrutar um documento escrito, precisa estar atento às lacunas da documentação e
possíveis intencionalidades de quem redigiu o documento, o autor que usa as entrevistas
deve estar atento e perceber se alguma questão incomoda o entrevistado (PORTELLI,
2016).
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A História Oral também não é uma disciplina, pois problemas teóricos tratados
pelos historiadores que utilizam fontes orais são comuns em pesquisas que estão
embasadas em outras tipologias de fontes. Dessa maneira, não podemos tentar formatar
a pesquisa a partir da oralidade dentro de uma disciplina delimitada.
Em nosso entender, a história oral, como todas as metodologias, apenas
estabelece e ordena procedimentos do trabalho tais como os diversos tipos de
entrevista e as implicações de cada um deles para a pesquisa, as várias
possibilidades de transcrição de depoimentos, suas vantagens e desvantagens,
as diferentes maneiras de o historiador relacionar-se com seus entrevistados e
as influências disso sobre seu trabalho -, funcionando como ponte entre teoria e
prática. Esse é o terreno do historiador oral o que, a nosso ver, não permite
classificá-la unicamente como prática. Mas, na área teórica, a história oral é
capaz apenas de suscitar, jamais de solucionar, questões; formula as perguntas,
porém não pode oferecer as respostas (AMADO; FERREIRA, 2006, p. 16).
Mas, onde buscar respostas para questões levantadas pela História Oral, se esta
apenas pode suscitar questionamentos sem os resolver? Para Amado e Ferreira (2006) é
a partir da teoria da história que todas as fontes devem ser observadas, inclusive as
entrevistas. Destarte, o historiador que usa fontes orais terá problemas similares aos
enfrentados por historiadores que trabalham com uma documentação diferente:
A interdependência entre prática, metodologia e teoria produz o conhecimento
histórico; mas é a teoria que oferece os meios para refletir sobre esse
conhecimento, embasado e orientando o trabalho dos historiadores, aí incluídos
os que trabalham com fontes orais. Exatamente o mesmo ocorre com outras
metodologias: a demografia histórica, por exemplo, está apta a elaborar tabelas
e séries relativas às populações, construir metodologias de trabalho para esse
material e formular questões importantes sobre tais dados, mas deve procurar
fora dela própria na teoria subsídios para compreender as questões que
suscita (AMADO; FERREIRA, 2006, p. 17).
Portanto, a metodologia da História Oral nesse texto é fundamental para a análise
da importância atribuída à língua ucraniana em Prudentópolis. Com as entrevistas será
possível, na sequência, tecer considerações acerca da utilização do ucraniano no
cotidiano. Também se poderá perceber possíveis fatores responsáveis pela sua
perpetuação, assim como possíveis fatores responsáveis pela diminuição do uso no dia a
dia dos descendentes dos imigrantes ucranianos ao longo do século XX.
Permanências e abandono da língua ucraniana em Prudentópolis
Nas entrevistas as pessoas destacaram que a língua ucraniana, em meados do
século XX, era quase exclusiva nas comunidades pelo interior do município de
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Prudentópolis (as exceções eram os lugares em que havia imigrantes poloneses). Em
razão dessa quase unanimidade do ucraniano, as dificuldades no contato com a língua
portuguesa eram grandes, pois a língua nacional era praticamente desconhecida para
muitos, mesmo após décadas da chegada e instalação dos imigrantes ucranianos em solo
brasileiro.
Quando as pessoas entrevistadas nasceram, décadas de 1930 (uma pessoa), 1940
(duas pessoas) e década de 1950 (uma pessoa), a ocasião de ir pela primeira vez à escola
era um momento em que uma realidade desconhecida era descortinada para muitas
crianças. A língua portuguesa, ininteligível para elas, passaria a ser usada de maneira
obrigatória.
Isabel nasceu em 1938, no auge da política de repressão do Estado Novo às
línguas estrangeiras. No Paraná, na década de 1920, conforme apontado anteriormente,
já havia pressões para que a língua portuguesa fosse exclusiva nas escolas étnicas
(RENK, 2009, p. 100); (PARANÁ, 2008). Mas, como o governo paranaense não oferecia
uma alternativa para tais estabelecimentos, não houve efetivamente o fechamento de
escolas ou a fiscalização e punição caso as determinações não fossem cumpridas. Porém,
com a instauração do Estado Novo houve intolerância governamental em diferentes
aspectos, entre elas a do campo educacional foi significativa (RENK, 2009, p. 147).
Em 1957, quando Isabel passou a lecionar em Linha Jaciaba e, depois, em Linha
Ligação, era quase impossível uma professora que não fosse bilíngue conseguir
desenvolver um trabalho adequado. Na entrevista foi perguntado a ela sobre a língua
mais utilizada nas aulas e na resposta fica evidente que a comunicação com os
estudantes exigia da professora o domínio das duasnguas: “Quase só ucraniano, ainda
tinha que dar aula e traduzir pra eles... sabe? Meio explicar em ucraniano pra eles
entender. Eles conversavam mais só em ucraniano” (Isabel Sydorko Barhy, entrevista, 18
jan. 2013).
Genoveva contou que a sua língua materna era o ucraniano e que em casa apenas
esse idioma era utilizado, somente na idade escolar é que o português precisou ser
aprendido:
Primeiro ucraniano, português nós não sabia dize nem bom dia. Se nós
encontrava uma pessoa... eles [pais e pessoas adultas] falavam ‘não conversem’
porque... Assustavam ainda, daí nós tinha tanto medo, tanto... Daí aprendia na
escola, com as amigas. Foi muito difícil. Pra nós entende em português era
difícil, nós não sabia dize nem bom dia pra outro, nem cumprimentar, mais era
tão pesado (Genoveva Smah Vogivoda, entrevista, 17 jan. 2013).
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Genoveva nasceu em 1947 e possivelmente estudou em meados da década de
1950. Portanto, ela passou a frequentar a escola praticamente no mesmo período em que
Isabel iniciou sua carreia na região. Assim, as informões obtidas com a entrevista de
Genoveva corroboram àquelas obtidas na conversa com Isabel, ou seja, a maioria das
crianças naquele período não conhecia o português e era necessário que a professora
falasse ucraniano para lhes ensinar. Uma docente monolíngue não conseguiria
desempenhar suas funções de modo satisfatório com todos os alunos.
A narrativa de Sofia coaduna com o observado nas falas das entrevistadas citadas
acima:
A professora dava aulas em português. Mas nós, entre nós, nós crianças ou no
recreio era tudo ucraniano. Depois a gente conforme foi estudando, foi
aprendendo melhor né. Daí claro que daí a gente já achava bonito falar o
português né, daí foi aprendendo e falando o português mais claro, um pouco
melhor. Mas entre nós nossa! Era tudo ucraniano (Sofia Podogurski Hellmann,
entrevista, 18 jan. 2013).
A entrevista de Sofia não apenas confirma o que foi exposto acima como toca na
questão da liberdade que os descendentes de ucranianos tinham em falar a língua
materna: “Na época não era proibido né, podia falar e até hoje não é graças a Deus.
Porque existem as aulas ucranianas” (Sofia Podogurski Hellmann, entrevista, 18 jan. 2013,
grifo nosso). Ela nasceu em 1952 e provavelmente frequentou a escola no final da década
de 1950 e/ou icio da década de 1960. Naquele período não existiam mais as restrições
às línguas estrangeiras conforme haviam existido no Governo Vargas. Mas, a menção
que a entrevistada faz à inexisncia de proibição à língua ucraniana pode estar ligada ao
que ela ouviu dos pais e de pessoas mais velhas, pois a atuação do Estado causou
diversos constrangimentos na comunidade imigrante de diferentes origens.
Teodosio também destacou o aprendizado da língua portuguesa na escola,
destacando que no ambiente doméstico predominava o uso quase exclusivo da língua
ucraniana: “Ali em casa a mãe, o pai, o meu irmão, minha irmã já eram mais velhos falava
só em ucraniano, até na escola. Nós ia pra aula, a gente aprendia o português né, leitura,
escrita tudo, mas falava o ucraniano” (Teodósio Tlumaski, entrevista, 17 jan. 2013). Ele
rememorou que quando iniciou a vida escolar, poucos colegas falavam a língua
portuguesa de modo fluente: “Português não falavam. Era ucraniano. As orações, tudo
faziam antes da aula em ucraniano” (Teodósio Tlumaski, entrevista, 17 jan. 2013).
Teodosio nasceu em 1946 e provavelmente começou a estudar na escola primária na
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década de 1950, ou seja, suas reminiscências estão em consonância com as falas obtidas
nas entrevistas citadas anteriormente.
O bilinguismo na década de 1920 e também durante o Estado Novo era uma tática
usada pelas escolas étnicas frente à proibição do uso da língua (RENK, 2009, p. 104). Nas
décadas em que as pessoas aqui entrevistadas estavam em idade escolar essa prática já
não era utilizada em função das proibições varguistas. O bilinguismo na região de Linha
Ligação, e em Prudentópolis de modo geral nessa época, era uma necessidade social.
Além disso, a legislação restritiva do Estado Novo não logrou êxito em extinguir o uso de
idiomas dos grupos imigrantes.
O uso da língua ucraniana foi, durante todo o século XX, incentivado pela Igreja.
O entrevistado, Teodosio Tlumaski (entrevista, 17 jan. 2013), ressaltou que a ngua
ucraniana na escola, além das conversas entre os estudantes, era utilizada nas orações
que antecediam o início das atividades pedagógicas. Portanto, as informações nos
remetem à importância da Igreja Ucraniana no processo de manutenção da língua e, de
modo geral, para que a cultura dos imigrantes ucranianos fosse de algum modo
vivenciada no Brasil.
A presença dos padres da OSBM na criação de escolas em Prudentópolis foi
significativa. De acordo com Natália Treuk (1999, p. 8), mais de 40 estabelecimentos na
década de 1940 haviam sido fundados por tais sacerdotes. Júlia Bernadete Hauresko
(1999, p. 10) ressalta que os padres exigiam que os pais mandassem seus filhos à escola,
demonstrando que escola e a Igreja tiveram papel relevante para que os descendentes de
ucranianos continuassem no uso da língua dos seus ancestrais (COSTA, 2016).
A importância da Igreja Ucraniana Greco Católica de Rito Bizantino é marcada
pela presença dos padres OSBM, pelas freiras ISMI e pelas catequistas do Instituto
Secular das Catequistas do Sagrado Coração de Jesus (ISCSCJ). Guérios destacou que os
imigrantes solicitaram a presença de sacerdotes vindos da Ucrânia e a recepção aos
religiosos foi calorosa (GUÉRIOS, 2009, p. 145). A atuação dos padres vindos
diretamente da Europa não foi exclusiva em Prudentópolis: em Antonio Olinto o padre
João Michalczuk organizou e interferiu na formação da colônia e na vida privada dos
moradores (ANDREAZZA, 1996).
Os entrevistados, direta ou indiretamente, apontam a Igreja Ucraniana como
sendo imprescindível no processo de manutenção da língua ucraniana na comunidade de
Linha Ligação. Sofia, cujo pai tinha ascendência ucraniana e mãe ascendência polonesa,
aprendeu a língua materna da mãe e, posteriormente, a língua ucraniana no catecismo:
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Falava, falava, até inclusive ela ensinou a gente a rezar tudo em polonês, porque
o papai trabalhava fora então ele disse pra ela assim “é melhor você ensinar
porque você sempre tá com eles e eu não posso, se eu começar a ensinar numa
língua e você na outra eles não vão aprender nenhuma”, então a mamãe ensinou
nós tudo em polonês. Quando a gente passou pra catequese a gente teve que
muda tudo pro ucraniano, porque não tinha catequese em polonês né, era
ucraniano. Então dalí da catequese a gente aprendeu, aprendeu tudo e até hoje
não esqueceu mais né. Mas a mamãe falava o ucraniano também, a mamãe
falava as duas línguas (Sofia Podogurski Hellmann, entrevista, 18 jan. 2013).
As catequistas (ISCSCJ), nesse caso, foram fundamentais no ensino da língua
ucraniana, pois junto com o catecismo elas ministravam aulas de língua e a entrevista de
Sofia demonstra esse papel da Igreja. Genoveva destacou também as catequistas no
processo de ensino do ucraniano.
Esse ano ele... foi muito bunito a língua ucraniana aqui, eles... como eles foram
bunito final do ano assim, eles tão num grupinho grandinho assim... e na
catequese também aqui, voltou bastante... eles tem os pais tem reunião assim
direto vem na catequese então tá muito mais han... mais, se pegaram muito mais
bem do que tava. Porque uns tempo já tava muito pouco, agora já tá voltando
bastante (Genoveva Smah Vogivoda, entrevista, 17 jan. 2013).
4
Isabel ressaltou que seus pais falavam fluentemente o ucraniano, mas não
dominavam a escrita com o alfabeto cirílico. Ela, além da oralidade, aprendeu a ler e
escrever no colégio interno dirigido pelas freiras ucranianas. Ensinou os filhos a falar a
língua ucraniana e fez questão de destacar a ação das catequistas nesse processo: “Foi
ensinado, um pouco em casa, mas também tinha catequese junto com língua ucraniana.
Na catequese as catequistas davam língua ucraniana, daí aprenderam” (Isabel Sydorko
Barhy, entrevista, 18 jan. 2013).
As quatro entrevistas permitiram vislumbrar que a língua ucraniana continua
sendo parte da realidade cotidiana de boa parte de quem possui ascendência ucraniana
em Prudentópolis. Porém, elas também apontam para a crescente diminuição do seu uso
ao longo das últimas décadas.
Os filhos de Sofia aprenderam a língua ucraniana, mas não transmitiram o
conhecimento aos seus próprios filhos:
Lourenço: - Os filhos da senhora, a senhora ensinou o ucraniano? Eles falam,
eles usam, como que é o uso deles?
Sofia: - Olha, eu ensinei todos eles falar, rezar em ucraniano. Até hoje eles
falam, eles não esqueceram e acredito que nunca mais vão esquecer né. Só que
os filhos deles já não falam o ucraniano né. Porque acho que é falha dos pais
4
A entrevista foi realizada em janeiro de 2013, portanto ela está se referindo ao grupo de catequese do ano
anterior, 2012.
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mesmo de ensinar porque acho que quanto mais línguas souber é melhor pra
eles né.
Lourenço: - Então no caso os netos da senhora dá pra dizer que... ?
Sofia: - Que não são mais ucranianos (risos) (Sofia Podogurski Hellmann,
entrevista, 18 jan. 2013).
A conclusão de Sofia ao questionamento sobre a língua é que os netos já não são
mais ucranianos por não falarem o ucraniano. A postura da entrevistada demonstra que
falar o idioma herdado dos ancestrais está intimamente ligado à ucraneidade, conforme
definição da expressão sistematizada por Tamanini (2017). Para Sofia, ser ucraniano
significa obrigatoriamente falar a língua. Ela destacou, com certo pesar, que os mais
jovens não enxergam o quão relevante a questão é:
Olha sinceramente a gente até fica sentido com isso né porque os jovens eles
não, não tão cultivando nossa língua ucraniana. Não sei o porquê se eles não se
interessam, o que né. A gente percebe que aquilo já tá se perdendo e muito...
porque você pode perceber que você escuta mais o ucraniano com as pessoas
mais, assim de mais idade. Os jovens não. De vez em quando algum diz lá uma
palavra. Eu não sei... eu acho que, não sei se eles tem vergonha ou acredito eu
que eles ficam com medo de não errar, porque eles não aprenderam. Alguma
palavra lá que eles aprenderam né, então eu acho que é isso o português pra
eles é melhor né então tá cada vez, se perdendo né. Eu não... não que eu
queira ser daquelas ucranianas rígidas mas acredito eu que devia ser cultivado,
por causo que as pessoas não só nascem, crescem e morrem aqui igual os
antigos. Agora as pessoas são desenvolvidas né, elas vão pra frente e todo lugar
que você vai eu acredito que exista pessoas ucranianas. Então na minha opinião
eles deveriam dar valor pra essa língua né, porque assim como inglês como
outras línguas tem valor a nossa também acho que tem né e quantas línguas
mais puder falar né a gente sempre escutou que é melhor. Então acredito eu que
eles deveriam se interessar e não deixar se perder né (Sofia Podogurski
Hellmann, entrevista, 18 jan. 2013).
Outro entrevistado, Teodosio, também mencionou a diminuição do uso da língua
ucraniana citada por Sofia. Ele lembrou que essa situação é visível na comunidade: “Tá
diminuindo. Inclusive às vezes o pai é descendente de ucranianos e a mãe também é e
pra criança falam em português já desde pequeno a criança... os pais falando entre eles
em ucraniano e ela escuta e aprende um pouco né acaba entendendo” (Teodosio
Tlumaski, entrevista, 17 jan. 2013).
Levantada a hipótese se a diminuição do uso da língua pode estar ligada à falta de
tempo dos pais em ensinar, Teodosio discordou: “Eu acho que não é falta de tempo eu
acho que é outra cultura sei lá, daí já acostumaram assim que... agora todo mundo faz
isso... fala em português pras criança” (Teodosio Tlumaski, entrevista, 17 jan. 2013). O
entrevistado lembrou-se do papel da Igreja Ucraniana, mas ao mesmo tempo disse que
hoje os jovens repetem orações sem compreenderem realmente o que dizem: “Eles
rezam. Agora se eles entendem ali o que eles estão... eu não sei. Nem tudo eles entendem,
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eles aprenderam a pronúncia né, mas se eles sabem o que ele falao sei” (Teodosio
Tlumaski, entrevista, 17 jan. 2013).
Genoveva também lembrou que angua não é mais usada como antigamente e
fez comparação entre o modo como ela foi educada, a maneira como ela educou os filhos
e como os netos foram educados. Ela, assim como Sofia, ensinou aos filhos, desde
pequenos, concomitantemente o ucraniano e o português, porém os netos aprenderam
apenas a língua portuguesa.
Eu acho que não é [por falta de tempo] eu acho que agora eles vão na escola e
voltam e não é... eles têm... dá pra de ensinar e da... acho que falta um pouquinho
só de esforço. Agora eles mais tarde eles sozinho vão... porque tem um neto
filho do Áudio ele tem muito interesse de ucraniano e esse da Juliana os dois
eles tem interesse (Genoveva Smah Vogivoda, entrevista, 17 jan. 2013).
Portanto, o que podemos concluir com as entrevistas, bem como nas conversas
antes de ligar e depois de desligar o gravador, é que a língua ucraniana ainda é usada em
Linha Ligação, município de Prudentópolis, sobretudo por pessoas mais velhas, sendo
um símbolo de identificação, da ucraneidade. Entretanto os entrevistados reconhecem
que os mais jovens não demonstram o mesmo apego à língua dos ascendentes.
Considerações finais
As entrevistas com Isabel, Genoveva, Sofia e Teodosio, utilizadas para a grafia
desse texto, possibilitaram perceber que ao longo da segunda metade do século XX e
início do século XXI o uso da língua ucraniana em Linha Ligação diminuiu sensivelmente.
Mas, que ainda é encarado como parte da identidade dos descendentes dos imigrantes
ucranianos (COSTA, 2018).
A Igreja Ucraniana foi apontada, de forma direta e indireta, por todos os
entrevistados como instituição promotora da preservação da cultura, das tradições e
consequentemente da língua ucraniana. No entanto, o declínio do uso do ucraniano entre
os jovens, destacado nas conversas, atinge também a Igreja. Até a década de 1990, a
liturgia da Igreja Ucraniana de Rito Oriental se dava exclusivamente em língua ucraniana;
a partir daí a Igreja precisou adaptar as celebrações de acordo com o idioma dominado
pelos fiéis e os debates em torno da tradução da liturgia se intensificaram.
O dilema vivido pela Igreja entre manter exclusivamente a língua ucraniana em
nome da tradição ou traduzir para o português para não perder os fiéis é uma constate
(SKAVRONSKI, 2015). A dificuldade enfrentada pela instituição, vai ao encontro de
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algumas ponderações dos entrevistados de que muitos jovens vão nas celebrações
litúrgicas e recitam orações aprendidas quando crianças, mas sem compreender
literalmente o que rezam.
O aumento dos casamentos interétnicos, o fim das escolas construídas pelo grupo
imigrante, o maior acesso aos meios de comunicação de massa em língua portuguesa
(rádio e televisão), isso tudo foi alterando o cenário na segunda metade do século XX.
Esse quadro contribuiu para que a língua ucraniana fosse relegada pelas gerações mais
novas. Não podemos afirmar de modo taxativo que os mais jovens não dão valor ao
idioma dos antepassados, mas diante é possível afirmar que domínio é visível.
Mas, entre permanências, abandonos e ressignificações, falar a língua ucraniana
continua sendo parte da identidade dos descendentes de ucranianos em Prudentópolis,
a identificação de quem é “ucraniano” e quem não é continua, em parte ao menos,
sendo feita a partir da língua.
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