FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.6, nº1, p.223-245, jan.-jun., 2019
CEZARINHO, Filipe Arnaldo
230
por exemplo. Com todo esse arcabouço discursivo, os agentes vinculados ao Estado
criminalizaram a prática.
Desde então, as formas de repressão têm sido variadas, assim como, as
resistências demonstram-se cada vez mais inteligentes, criativas e permanentes aos
mandos e desmandos da lei, o que justificou a recomendação do Ministério Público no
ano de 2015:
RECOMENDAR AOS PREPOSTOS DAS POLÍCIAS CIVIL E MILITAR COM
ATUAÇÃO NO MUNICÍPIO DE CRUZ DAS ALMAS/BA que adotem as
providências necessárias para coibir as atividades de fabrico, transporte,
comércio e uso (queima) de fogos de artifícios e pirotécnicos, bem como de
explosivos, pólvoras mecânicas e pólvoras químicas de qualquer tipo, inclusive,
“espadas”, realizadas em desacordo com as determinações legais e
regulamentares, inclusive: (a) apreensão dos artefatos produzidos,
transportados, comercializados e utilizados de forma irregular; e (b) prisão em
flagrante pelo cometimento dos crimes listados na presente recomendação,
ressalvado o dispositivo na lei n. 9.009/1995, quando for o caso
(RECOMENDAÇÃO N. 01/2015, 2015, p. 4).
É partindo desse complexo cenário de criminalização da tradição que devemos
compreender as análises seguintes. Queremos encontrar as:
relações de poder uma vez que os enunciados, inscritos nessas relações e
discursivamente produzidos, apontam para posições-sujeitos, e essas posições
integram exercícios de poder que se opõem. Tratam de relações complexas que
compõem os discursos e implicam a produção da subjetividade (FERNANDES,
2012, p. 74).
Apesar de tratarmos das relações da Guerra de Espadas com os discursos, é
evidente a existência do nível mais palpável da vivência da tradição por parte dessas
pessoas. Essa vivência – revelada nas relações socioeconômicas, nos múltiplos conflitos
e disputas por objetivos concretos e, é claro, nas formas de dar sentido à existência – é
estabelecida com voracidade entre os habitantes que direta ou indiretamente estão
ligados à Guerra de Espadas. Nesse caminhar, Durval Muniz de Albuquerque Júnior (2011)
traduz, habilmente, o que acabamos de suscitar:
[...] as festas são espaços de negociação, de tensões, de conflitos, de alianças e
de disputas entre distintos agentes, que se conflitam e se debatem em torno não
só dos sentidos e significados a serem dados à festa, como também em torno
das práticas que as constituirão, dos códigos que as regerão, das regras que
estabelecerão permissões e proibições, que definirão limites e fronteiras entre o
que pode ser admitido e o que dever ser excluído. As festas podem não só ser
campos de lutas concretas, de enfrentamentos entre pessoas e grupos, em
torno dos valores e preceitos que definem o viver em sociedade, mas elas são
campos de luta simbólica, de luta entre projetos, sonhos, utopias e delírios, mas
são acima de tudo momento e invenção da vida social, da ordem social e da
própria festa e seus agentes (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2011, p. 147-148).