FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.6, nº1, p.364-384, jan.-jun., 2019
“Livrai-nos do maléfico perigo amarelo”: a sociedade dos amigos de Alberto Torres e a campanha contra a imigração japonesa no Brasil (1932-1946)
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No espectro dos debates sobre a construção de uma nação brasileira, a questão
da raça passou a fazer parte das temáticas debatidas pela intelectualidade – e também
pelas autoridades governamentais – desde o século XIX, ganhando mais ênfase nas
décadas finais daquele século e nas primeiras do século XX. Concomitantemente, as
discussões sobre os projetos de imigração também tinham forte ligação com esse
panorama. Segundo Giralda Seyferth (1992, p. 18), uma parcela significativa de
pensadores sociais brasileiros neste período via a imigração como o recurso logístico
para o branqueamento brasileiro, tendo em vista que a maior parte da população era
negra ou mestiça. Esse conceito de branqueamento tinha sua conformação a partir de
teses e argumentos racistas em voga na Europa e Estados Unidos, apregoando a
superioridade dos brancos e a inferioridade de outras raças, especialmente negros, mas
avançado para os grupos asiáticos, por exemplo.
Chineses e hindus logo receberam a
classificação de indesejáveis, pois suas misturas com o brasileiro poderiam causar
degenerações na raça nacional, argumentação esta em consonância com as ideias
eugênicas
2
que circulavam complementadas pelas apropriação do darwinismo social
3
que percorria os debates intelectuais e ações públicas. Ainda conforme Seyferth,
[...] o postulado assimilacionista tinha dois aspectos: por um lado, a tese do
branqueamento da população vislumbrava os europeus como parte de um
processo de caldeamento racial e, por outro lado, estes europeus deviam
integrar-se ao "melting-pot" também na forma de abrasileiramento cultural (o
que significava a condenação das etnicidades produzidas pelo processo
imigratório). O imaginário nacionalista obcessivamente apegado a um sentido
étnico de formação nacional ajudou a criar não só outras formas de exclusão
por graus de assimilabilidade (privilegiando imigrantes de comprovada
latinidade) como reafirmou os preceitos racialistas de desqualificação dos
"nativos da Ásia e da África" que, no início da república, estavam consignados
em lei, depois revogada. A construção simbólica da individualidade nacional,
portanto, ajudou a produzir os preceitos de exclusão que marcaram a política
imigratória no Brasil (SEYFERTH, 2000, p. 25).
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O termo Eugenia foi cunhado por Francis Galton (1822 – 1911), antropólogo inglês, primo de Charles
Darwin. Um dos significados empregados ao termo é bem nascido. Podemos definir a eugenia,
conceitualmente, como “o estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as
qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente”, conforme argumentos de seu próprio
criador. O pensamento eugênico busca atribuir aos seres humanos o conceito de seleção natural de
Darwin.
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Charles Darwin (1809 – 1882), em seus estudos sobre o processo biológicos das espécies, suas
modificações e adaptação, formulou teorias como a evolução das espécies e seleção natural. Essas
concepções foram destacadas na principal obra de Darwin, A Origem das Espécies, de 1859.
Posteriormente, o biólogo, antropólogo e filósofo Herbert Spencer (1820 – 1903), admirador e estudioso
dos trabalhos de Darwin, buscou aplicar essas ideias ao processo de constituição dos indivíduos e
sociedades humanas. Segundo alguns pesquisadores, tanto Darwin quanto Spencer tiveram suas ideias
distorcidas, sendo utilizadas para a elaboração de classificações e práticas racistas e excludentes,
marginalizando grupos humanos em detrimento de outros, considerados como superiores. Deste modo, o
Darwinismo Social tornou-se uma concepção de que “a seleção natural distinguia os humanos em
superiores e inferiores. No caso dos grupos inferiores, ainda poderiam ser empregadas ações civilizadoras
e de aperfeiçoamento – especialmente genético”. Essa afirmativa foi elaborada por Francis Galton, sendo
base do pensamento e práticas da Eugenia.